10 Junho 2020
A reunião entre Bolsonaro e lideranças de mídias católicas explicitou um modelo de negócios desviante e desvirtuado, que alimenta um círculo vicioso: se evangelizar é preciso, para evangelizar é preciso de dinheiro; para supostamente “evangelizar” massivamente por meio de um gigantesco aparato de telecomunicação, é preciso de muito dinheiro; para arrecadar muito dinheiro, é preciso recorrer a todos os meios possíveis.
A opinião é de Moisés Sbardelotto, jornalista e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Seu livro mais recente é "Comunicar a fé: por quê? Para quê? Com quem?" (Ed. Vozes, 2020).
A videoconferência entre o presidente Jair Bolsonaro e padres e leigos que controlam boa parte do sistema de comunicação midiática católica, noticiada pelo jornal O Estado de São Paulo no último sábado, 6 de junho, expôs um forte viés político-econômico, evidenciado especialmente nas falas citadas na reportagem e audíveis na gravação da reunião. Não é difícil perceber a “barganha” – reiterada e nada sutil –, denunciada pela nota conjunta da CNBB, da Signis Brasil e da Rede Católica de Rádio.
Mas, antes que o leitor e a leitora tirem conclusões precipitadas sobre o título deste texto, façamos uma breve reflexão sobre o conteúdo do vídeo noticiado e sobre a reportagem do Estadão.
A reunião começa tendo como foco a “defesa da vida e da família”, nas palavras do parlamentar que inicia as falas. É chocante o contrassenso – para dizer o mínimo – das supostas “lideranças católicas” ali presentes em debater tais questões justamente com o atual presidente da República, que, em plena pandemia, vem praticando uma verdadeira necropolítica antivida e antifamília. A suposta postura “antiaborto” do presidente é apenas uma grande cortina de fumaça diante do escandaloso “aborto social” de tantas pessoas entregues inermes ao coronavírus, sob o pretexto de que “a economia não pode parar”.
Mas o ponto em questão aqui não é Bolsonaro, que só piora o contexto. É a postura das mídias católicas.
Durante a reunião, ouviram-se afirmações como a de um padre que disse: “Nós somos uma potência”, referindo-se a tais mídias. “Nós somos a maioria”, complementou um deputado ligado à bancada autointitulada “católica”. Um empresário orgulhou-se de que sua empresa de comunicação católica seria a “quarta maior rede de TV digital do país”.
Evidencia-se aí aquilo que o Papa Francisco denuncia na Evangelii gaudium como “autocomplacência egocêntrica” e “funcionalismo empresarial”, no qual “o principal beneficiário não é o povo de Deus, mas sim a Igreja como organização” (EG 95). Profeticamente, Francisco já dizia na mesma exortação apostólica: “Nesse contexto, alimenta-se a vanglória daqueles que se contentam com ter algum poder e preferem ser generais de exércitos derrotados” (EG 96).
Diante da “derrota” que os levou justamente a pedir favores governamentais, o escambo negociado pelos empresários das TVs com o presidente envolveu – nas palavras de algumas daquelas lideranças – “mídia positiva”, comunicação “daquilo de bom que o governo pode estar realizando e fazendo pelo nosso povo” e apoio explícito ao governo.
“Nós queremos estar juntos”, disse um dos padres presentes na reunião. Outro clérigo afirmou: “Sentimos saudade do senhor (...) desejaria tê-lo mais próximo”. Um dos deputados falou que o presidente “pode contar 100% nas matérias pertinentes em apoio ao governo”. Um empresário completou: “Bolsonaro é uma grande esperança”. Lisonjas e bajulações que envergonham qualquer cristão que segue Aquele que disse que é preciso “dar a César o que é de César” – e não elogiar César por ser César.
Em troca, essas lideranças pediram “mais investimentos”, mais “veiculações publicitárias governamentais”, acesso ou renovação facilitados de outorgas e tecnologias, e até ajuda na liberação de passaporte brasileiro a um dos padres estrangeiros presentes.
Como não chamar isso de “barganha”, como definiu a nota conjunta da CNBB, da Signis Brasil e da RCR? Que outro termo podemos utilizar para definir tais apelos?
Para quem assistiu ao vídeo, não houve maldade, nem distorção, nem vício, nem desfiguração na reportagem de Felipe Frazão. Julgar o atraso na publicação da matéria (no dia 6 de junho, embora a reunião tenha ocorrido no dia 21 de maio) como algo encomendado ou valorizar o silêncio de outros jornais a esse respeito é contraproducente e não diminui em nada a gravidade daquilo que se pode assistir e ouvir na gravação.
Se há uma “economia que mata” (cf. EG 53), essa reunião explicitou também um modelo de negócios desviante e desvirtuado, que, neste caso, mata a própria Igreja, em um círculo vicioso: se evangelizar é preciso, para evangelizar é preciso de dinheiro; para supostamente “evangelizar” massivamente por meio de um gigantesco aparato de telecomunicação, é preciso de muito dinheiro; para arrecadar muito dinheiro, é preciso recorrer a todos os meios possíveis.
Em tudo isso, vêm à tona as limitações que certos setores da Igreja têm na “relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós”, como denuncia Francisco. “Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro (...) Por detrás desta atitude, escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus” (EG 55, 57). E o papa afirma ainda: “O dinheiro deve servir, e não governar!” (EG 58).
Quando essa “economia que mata” se infiltra no âmbito eclesial, confunde-se a ação evangelizadora com práticas de um “mercado de bens religiosos”, de “concorrência religiosa”, de “marketing religioso”.
Diante de tudo isso, é preciso recordar, reconhecer e reafirmar a “inutilidade” das mídias católicas. Ou, melhor, a sua tríplice “inutilidade”: do ponto de vista econômico-financeiro, informacional e também da evangelização.
Ao contrário do que a reunião tornou evidente, a comunicação midiática católica não deveria aceitar o “domínio do dinheiro” sobre a evangelização, muito menos ter o lucro como foco principal. É preciso de dinheiro para evangelizar, mas a evangelização não deve depender exclusivamente do dinheiro. Se o dinheiro “impede” que se evangelize, não se entendeu bem o que significa evangelização.
O filósofo italiano Nuccio Ordine, em seu livro-manifesto “A utilidade do inútil” (Ed. Zahar) critica a concepção segundo a qual todas as coisas que não trazem lucro são consideradas inúteis. Pelo contrário, o autor defende a ideia de utilidade em relação ao valor essencial das coisas, que está “completamente desvinculado de qualquer fim utilitarista”.
No mesmo sentido, a comunicação midiática católica também deveria explicitar claramente a sua “natureza gratuita e livre de interesses, distante de qualquer vínculo prático e comercial”, nas palavras de Ordine. Seria uma bela demonstração de estar no mundo da indústria da informação sem ser desse mundo (cf. João 17,16).
Gratia gratis data: a Graça é dada de graça. A comunicação dessa graça, portanto, não pode ser considerada um “produto”, porque não deve demandar qualquer tipo de troca ou retorno. O amor de Deus é desinteressado, é dado “de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em troca”, afirmou Francisco na mensagem ao 1º Dia Mundial dos Pobres, em 2017.
A evangelização, reafirma Francisco, “tem o seu fundamento último na iniciativa livre e gratuita de Deus” (EG 111) e deve ser “dirigida gratuitamente”, principalmente aos pobres, como “destinatários privilegiados do Evangelho” (EG 48). Se acolhemos a Graça “de graça”, somos convidados a comunicá-la também de graça, como diz Jesus (Mateus 10,8), sem interesses – “inutilmente”, do ponto de vista econômico-financeiro.
Segundo Ordine, a lógica do lucro solapa as bases das instituições. Embora muitas delas – como as redes midiáticas católicas – sejam fonte de receitas extraordinárias, sua existência não deveria estar subordinada aos ganhos imediatos ou aos benefícios comerciais. Diante de uma “economia da exclusão e da desigualdade social” e da “cultura do descartável” (EG 53), a comunicação midiática católica deveria ser um exemplo público da “utilidade do inútil”, ou seja, o contraponto a uma “utilidade dominante que, em nome de um interesse exclusivamente econômico, está progressivamente matando [...] o horizonte civil [e eclesial] que deveria inspirar toda atividade humana”, como afirma o filósofo italiano.
A comunicação midiática católica teria que evidenciar “a importância vital dos valores que não se podem pesar ou medir com instrumentos calibrados para avaliar a quantitas e não a qualitas. E, ao mesmo tempo, reivindicar o caráter fundamental daqueles investimentos que não trazem retorno imediato e muito menos financeiro”, segundo Ordine.
Por se situar em um universo que não apenas depende do mundo econômico, mas também o gera e o alimenta – como o universo da indústria da informação – a comunicação midiática católica deveria ser o mais imponente e evidente “obstáculo ao delírio da onipotência do dinheiro e do utilitarismo”, como afirma o filósofo italiano.
Parafraseando o autor, é possível dizer: é bem verdade que tudo se pode comprar, até “mídia positiva”, apoio político e passaportes. Mas não a coerência com o Evangelho. O preço a ser pago por isso é de outra natureza, que, em Jesus, não foi o sucesso nem a fama, mas sim o fracasso e o escárnio; não foi a imortalidade idolátrica, mas sim a morte, e morte de cruz (Filipenses 2,8).
Por isso, as mídias católicas deveriam reconhecer a sua “inutilidade” do ponto de vista econômico-financeiro e evidenciar a sua “não busca” daquilo que é útil, do lucro, do dinheiro fácil. Sua “utilidade” é de outro tipo. Afirma Ordine: “No mundo em que vivemos, dominado pelo homo œconomicus, certamente não é fácil compreender a utilidade do inútil e a inutilidade do útil (quantas mercadorias desnecessárias são consideradas úteis e indispensáveis?)”. Isso também vale para o universo religioso.
Mas a comunicação católica tem custos, alguém poderá objetar. Sim, é verdade. E justamente aquela reunião expõe uma necessidade premente de repensar com “ousadia e criatividade” (cf. EG 33) os modelos de financiamento e de autossustentabilidade financeira das mídias católicas. Como afirmou o teólogo Cesar Kuzma, “se não mudarmos esta estrutura, este modo de entender a Igreja, fatos como este irão se repetir, bem como outros escândalos. O Evangelho se serve da estrutura, mas não pode servir a esta”.
Portanto, se não servem para lucrar, para que servem as mídias católicas? Se não servem ao dinheiro, a quem servem?
As mídias católicas, por meio de sua produção de informações, como bens públicos concedidos pelo Estado, são chamadas a servir à construção do bem comum e da convivência civil e democrática.
Do ponto de vista do que a lei brasileira exige de uma mídia massiva, particularmente do rádio e da televisão, existem alguns princípios demandados pela própria Constituição Federal. São eles:
I - Preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - Promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III - Regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - Respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 221).
Fazer isso é o mínimo que se espera de uma rádio ou de um canal de TV no Brasil. Por isso, é preciso reconhecer também a “inutilidade” das mídias católicas do ponto de vista informacional. Pois, se um canal católico consegue cumprir tais princípios, não fez nada mais do que sua obrigação legal perante a Constituição. Como diz o Evangelho de Lucas: “Quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’” (Lucas 17,10).
Quando não o fazem ou, pior, quando fazem o contrário disso, as mídias católicas estão descumprindo a própria lei. Comparando tais princípios constitucionais com a grade de programação de certos canais católicos, sua conformidade à legislação fica em questão. Muitas vezes, a programação é praticamente toda confessional, quando não proselitista. Mas o anúncio do Evangelho e a confissão da fé cristã são algo bem diferente de qualquer “proselitismo político ou cultural, psicológico ou religioso”, como afirmou Francisco em sua mensagem às Pontifícias Obras Missionárias, em maio deste ano.
Há, além disso, uma questão de política comunicacional. Basta olhar para o número de canais católicos de TV aberta que temos no país: Aparecida, Canção Nova, Evangelizar, Horizonte, Imaculada, Nazaré, Pai Eterno, Rede Vida, Século 21. Algo incomparável com qualquer outro país de maioria católica do mundo. Trata-se de um aparato comunicacional muito dispendioso, que, muitas vezes, gera uma concorrência financeira e religiosa desnecessária. Como justificativa para isso, afirma-se que, se a Igreja não “ocupar” tais espaços, eles serão ocupados por outros grupos religiosos, e o catolicismo perderá fiéis e visibilidade. Mas os objetivos da comunicação católica seriam apenas arrebanhar adeptos e visibilizar o catolicismo?
O Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil lembra ainda que rádio e TV são “um bem público entregue temporariamente a determinados beneficiários que devem prestar contas de seus atos” (DCIB 196). Então, o que a atual estrutura de comunicação diz sobre a própria Igreja? O que diz também sobre a sua relação com o Estado e a sociedade brasileiros? A Igreja defende que “compete aos grupos midiáticos agir com independência, quer em relação aos Governos e partidos políticos, quer em relação aos anunciantes” (DCIB 204). A reunião explicitou outro modo de ação.
Como defendem tanto a nota conjunta da CNBB, Signis Brasil e RCR quanto a nota da Província dos Jesuítas do Brasil, divulgadas após a reportagem do sábado, a Igreja busca estabelecer com o Estado “relações institucionais (...) pautadas pelos valores do Evangelho e nos valores democráticos, republicanos, éticos e morais”. Portanto, em nome de tais valores, em favor da própria democracia, da pluralidade cultural e da liberdade religiosa, como evitar uma possível concentração de poder midiático nas mãos de grupos ligados ao catolicismo?
Quanto a isso, a Igreja tem em suas mãos uma forma de contribuir ativamente com a democratização da comunicação no Brasil, mediante um maior investimento nas diversas mídias descentralizadas, de nível paroquial ou diocesano. Elas são um grande exemplo de comunicação popular e alternativa, uma comunicação em que “o povo é seu protagonista”, feita “pelo povo, a partir dele e para ele” (DCIB, n. 147). A Pastoral da Comunicação (Pascom), no esforço de articular tais mídias, tem aí uma bela missão e um grande desafio.
Diante dessa realidade, a pergunta retorna com ainda mais força: se as mídias católicas não fazem nada mais do que sua obrigação legal, para que mais elas servem? Ou, pior, se não fazem sequer isso, para que servem? A quem servem?
Uma resposta para a pergunta anterior – talvez a central e definidora do caráter “católico” de uma mídia – seja a evangelização, a comunicação da Boa Nova.
Como já disse Paulo VI, “a Igreja se sentiria culpada diante do seu Senhor, se não adotasse esses poderosos meios [de comunicação social], que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados” (Evangelii nuntiandi, EN 45). Mas ela os adota para “propagar e firmar o Reino de Deus”, como afirma um dos principais documentos sobre a comunicação católica, o decreto conciliar Inter mirifica, emitido a pedido do Concílio Vaticano II (n. 2). Esse é o seu sentido primordialmente católico.
Entretanto, as estratégias do “mercado comunicacional religioso”, pelo contrário, muitas vezes acabam manifestando aquilo que o Papa Francisco chama de “mundanismo espiritual”, que, mesmo com “aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja”, buscam, no fundo, “a glória humana e o bem-estar pessoal”, empresarial ou institucional (EG 93). Ou seja, “uma maneira sutil de procurar ‘os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo’”.
O anúncio de Cristo, porém, “não é nem proselitismo, nem publicidade, nem marketing”, como disse Francisco em uma missa matinal na Casa Santa Marta em novembro de 2018. Evangelizar, segundo Paulo VI, é, acima de tudo, “testemunhar, de maneira simples e direta, o Deus revelado por Jesus Cristo, no Espírito Santo” (EN 26).
Se e quando colaboram com essa ação evangelizadora, as mídias católicas são novamente “servas inúteis” de Deus e da Igreja. Não fazem nada mais do que o que a sua vocação pede. A força, o dinamismo, a criatividade, a inspiração evangelizadores não são “autocriação” dos próprios comunicadores, mas sim dom de Deus. “O diálogo da salvação foi aberto espontaneamente por iniciativa divina”, e nós somos meros “prolongadores”, como afirmava Paulo VI. Mas, para que efetivamente ajudemos nessa comunicação, e não a atrapalhemos ou a obstaculizemos, “o nosso diálogo deve ser sem limites nem cálculos” (Ecclesiam suam, n. 42).
“Se a nossa partilha do Evangelho é capaz de dar bons frutos – afirmou Bento XVI –, em última análise é pela força que a própria Palavra de Deus tem de tocar os corações, e não tanto por qualquer esforço nosso. A confiança no poder da ação de Deus deve ser sempre superior a toda e qualquer segurança que possamos colocar na utilização dos recursos humanos” (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2013). Portanto, a comunicação cristã não é uma heroica tarefa pessoal, mas sim “obra de Deus”, reitera Francisco (EG 12).
Porém, muitas vezes, as mídias católicas reforçam uma suposta centralidade da vida da Igreja na pessoa do padre, como empresário de sucesso e estrela midiática, alimentando aquele clericalismo tão denunciado por Francisco. Isso fica explícito em vários programas de rádio e TV. Foi evidenciado na reunião com o presidente. E foi reiterado também em uma nota posterior à reunião, divulgada por uma das redes católicas, em que se afirma que “o Padre tem a obrigação sacerdotal de mostrar o caminho de Deus a todos”. Supõe-se que, sem “o Padre”, os leigos não teriam a capacidade de encontrar tal caminho por conta própria.
Soma-se a isso a constante promoção de devocionalismos e ritualismos em certos programas católicos, que geralmente têm como fim a busca de “milagres”, sejam eles em termos de benefícios pessoais ou econômicos. Para isso, é prática recorrente a venda de penduricalhos da fé, anunciados quase como amuletos. Fomentam-se, assim, “crenças fatalistas ou supersticiosas” (EG 69), que se afastam muito da “autêntica espiritualidade popular” (EG 124), deturpando e prejudicando a ação evangelizadora da Igreja como um todo.
Em nome da humildade cristã, portanto, é bom reconhecer – sem medo e buscando tirar daí todas as consequências – a “inutilidade” das mídias católicas também em relação à evangelização. Elas não são essenciais à ação evangelizadora. Pode-se dizer que elas também não são mais opcionais em um mundo cada vez mais midiatizado, mas, mesmo sem elas, a Palavra de Deus tem a força para chegar aos confins do universo, mediante a pequenez e a singeleza do testemunho cristão.
Paulo VI, ao falar das vias de evangelização, já afirmava:
“Acima de tudo, sem repetir tudo o já recordamos anteriormente, é bom sublinhar isto: para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, em uma comunhão que nada deve interromper, mas igualmente doada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. (...) É, portanto, mediante a sua conduta, mediante a sua vida, que a Igreja há de, acima de tudo, evangelizar o mundo; ou seja, mediante o seu testemunho vivido de fidelidade ao Senhor Jesus, de pobreza e de desapego, de liberdade diante dos poderes deste mundo; em uma palavra, de santidade” (EN 41).
O que se viu naquela reunião foi algo bem diferente disso. E, para além das lideranças presentes, é toda a comunicação católica que sai manchada desse episódio. O eufemismo de que as mídias lá presentes eram apenas de “inspiração católica” não minimiza o estrago. As explicações e justificativas que foram publicadas após a reportagem do Estadão foram recebidas quase que apenas internamente, nos ambientes intraeclesiais. Do ponto de vista da opinião pública, foi a Igreja como um todo que “barganhou”. Foram postas em xeque a sua coerência e a sua confiabilidade públicas, não apenas da instituição e da sua hierarquia, nem somente de setores dela.
Só resta esperar, com esperança, que tais grupos midiáticos católicos reconheçam a sua “inutilidade”, revejam as suas práticas e alianças, cumpram o seu papel constitucional e democrático, e contribuam com – e não atrapalhem – a ação evangelizadora da Igreja, que é “tornar o Reino de Deus presente no mundo” (EG 176). Ou seja, fazer com que a vida social aqui no Brasil, já no ano do Senhor de 2020, seja “um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos” (EG 180). Essa é a sua “utilidade”. Para isso, é preciso que os comunicadores e comunicadoras católicos sejam coerentes e honrados perante Aquele a quem dizem seguir, em sentido oposto ao contratestemunho que vimos e ouvimos naquela infeliz reunião.
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A “inutilidade” das mídias católicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU