11 Mai 2020
À medida que as igrejas americanas aos poucos reabrem suas portas, persistem algumas dúvidas sobre se os pedidos do Papa Francisco à conversão e a um tipo diferente de Igreja institucional tomaram forma.
Austen Ivereigh, autor britânico de dois livros sobre o papa argentino e que entrevistou Francisco recentemente sobre a pandemia, disse terça-feira que “há grandes setores da Igreja que simplesmente não queriam ouvir Francisco até pouco tempo atrás” e previu que essas pessoas “fecharão os seus ouvidos ainda mais” nas próximas semanas e meses.
A reportagem é de Nick Mayrand, publicada por Crux, 09-05-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Alertando contra uma “capacidade extraordinária de fechar os ouvidos à orientação espiritual que o papa nos tem dado neste momento”, Ivereigh disse temer “uma divisão de águas ainda maior”, porque muitos católicos “buscam refúgio na nostalgia, no desejo de recriar a cristandade através de uma aliança com o populismo nacionalista”.
Estas e outras declarações foram feitas durante um diálogo virtual chamado “O papado confronta o coronavírus”, moderado por Paul Elie, pesquisador do Centro Berkley, da Universidade de Georgetown, e Kim Daniels, diretora da Iniciativa de Pensamento Social e Vida Pública Católica, da citada universidade, e integrante do Dicastério para a Comunicação, do Vaticano.
Daniels explicou como a crise da saúde trouxe um alívio mais acentuado ao compromisso do papa em reformular a maneira como os católicos imaginam o seu envolvimento com os pobres. Ela observou que a liderança espiritual e moral do papa foi alcançada em grau significativo pela Igreja “de baixo para cima a ponto de ela estar realmente trabalhando para servir as pessoas na base”.
Exemplos desta Igreja como “hospital de campanha” estão sendo literalmente os hospitais de campanha em Nova York e lugares como o Instituto Fronteira da Esperança (Hope Border Institute), na divisa dos EUA com o México, onde católicos – desde bispos a lideranças leigas locais – se uniram para responder à crise na fronteira, disse Daniels.
Em resposta, Elie expressou a sua preocupação de que reportagens recentes das conversas entre bispos católicos e funcionários do governo, incluindo o presidente, sugerem que alguns dos líderes institucionais da Igreja estejam fora de sintonia com as prioridades do “hospital de campanha”, de Francisco, devido ao foco estreito assumido por uns sobre a liberdade religiosa.
No entanto, Daniels disse que a dicotomia entre as prioridades do tipo “hospitais de campanha” e as proteções à liberdade religiosa não são do tipo “oito ou 80”. Embora seja claramente “perigoso politizar a liberdade religiosa”, a moderadora notou que essas proteções jurídicas são fundamentais para permitir que as igrejas vivam sua fé na vida pública.
Ivereigh afirmou que o potencial para uma conversão individual profunda diante de grandes provações é um outro tema de longo prazo do papa e que se acelerou na era Covid-19. Ela apontou os “escritos de tribulação”, de Francisco, do final da década de 1980, que contêm os raízes primitivas de suas referências recentes à graça não tão barata oferecida na conversão em épocas como a atual.
Francisco convida a nos reconectarmos com o que importa, com a natureza e a família, continuou Ivereigh, e também “lembra como chegamos aqui e percebemos que Deus sempre esteve conosco o tempo todo”, o que, por sua vez, nos transformará e transformará o mundo futuro.
Elie e Daniels juntaram-se a Ivereigh no desvelamento do significado da recente refutação papal à sugestão de Ivereigh de que a Igreja poderia emergir desta pandemia menos apegada às instituições.
Ao advertir que o sonho de uma Igreja desinstitucionalizada é uma tentação que precisamos resistir, Francisco contou a Ivereigh, na entrevista citada, que a Igreja “é” instituição e que é o Espírito Santo que institucionaliza a Igreja.
Elie apontou que essa declaração “poderosa” desafia a linguagem dos “progressistas católicos”, que usam o termo “instituição” como um adjetivo pejorativo e advogam o desmantelamento institucional.
Na mesma entrevista, Francisco adverte ainda para a tentação contrária: aquela de sujeitar a Igreja a instituições fixas. Lembrando os Atos dos Apóstolos, o papa falou que o Espírito Santo “desinstitucionaliza o que não é mais útil e institucionaliza o futuro da Igreja”.
Daniels disse que aquilo que precisa se institucionalizar na Igreja, hoje, são as estruturas para garantir que a Igreja se torne uma “Igreja ouvinte de forma mais robusta”.
Esse projeto de institucionalização de uma escuta profunda, continuou ela, deve “levantar aquelas vozes sub-representadas e ouvi-las”, tarefa que, segundo ela, a Leadership Roundtable tem feito muito bem ao trazer para o debate leigos, mulheres e pessoas de cor. “A escuta e a tomada de decisões acontecem melhor quando temos uma diversidade de pessoas em diálogo”, acrescentou.
Ivereigh sustentou que o principal para desinstitucionalizar é precisamente a mentalidade institucional que se esconde por trás da crise de abusos, uma mentalidade preocupada em “manter as instituições, protegê-las, garantir alianças de poder para sustentá-las”.
“O foco das instituições não recai sobre as instituições; as instituições eclesiais devem se focar em Cristo e na humanidade às quais estas instituições são criadas para servir”, disse Ivereigh.
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Biógrafo de Francisco alerta contra “divisões ainda maiores” em evento na Universidade de Georgetown - Instituto Humanitas Unisinos - IHU