20 Abril 2020
Após a publicação do artigo de Agamben, ouvimos alguns amigos. Pessoas que olham com sábia inteligência para a vida do país e das comunidades cristãs.
A nota é publicada por Settimana News, 18-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As opiniões vão do pleno consenso com as palavras de Agamben (visto como a única voz na Itália que ainda usa a razão), passando por uma apreciação por algumas passagens (em particular aquela sobre o morrer e sobre os mortos), até uma sensação de extrema distância.
No que diz respeito a nós, desejamos fazer apenas alguns breves esclarecimentos, sem entrar no mérito do debate que foi aberto. Por isso, estamos felizes em hospedar um debate o mais amplo possível em nosso sítio.
Em sua dureza, o breve texto de Agamben tem fascínio, mas também tem as suas afasias:
- a soberania já saiu do modelo construído pela modernidade, aninhando-se nas malhas impenetráveis de uma oligarquia feita de interesses econômicos privados e vontade de controle estatal – com o pleno consentimento dos cidadãos;
- o “direito está se suicidando” (J. Ellul) há muito tempo, tomando o lugar da consciência do cidadão individual sobre questões de ordem moral e de comportamentos pessoais – contribuíram para isso tanto a vanguarda da emancipação pelos novos direitos individuais quanto o neoliberalismo tecnofinanceiro, aqui também não sem o nosso consentimento pelo menos tácito a essa desnaturalização;
- uma hipótese fortemente anti-institucional como a de Agamben deveria ser mais prudente em não esgotar a fé cristã na Igreja como pura instituição – a abstração assim produzida é totalmente especular àquela que imagina a comunidade sem instituições, com a única diferença de que a tensão entre a prática diária da fé pelas comunidades cristãs e a sua representação institucional é real (ela existe realmente já agora).
A história, mesmo a da Igreja, não deve ser usada, mas compreendida. Para o cristianismo, um martírio sem fé é, no melhor dos casos, suicídio e, no pior, mero terrorismo. Pela fé, os mártires certamente se dispuseram a sacrificar a si mesmos, se não houvesse outra maneira de praticar a devida correspondência com o Evangelho, mas certamente não estavam dispostos a condenar à morte os seus próprios irmãos e irmãs em humanidade – arriscar a vida do outro em nome da própria fé é simplesmente contraditório com o gesto de Jesus.
Se olharmos para o cristianismo real e praticado, e não para uma imagem distorcida da sua total identificação com a instituição, a fé absolutamente não abdicou do cuidado do próximo. Basta pensar no número de sacerdotes que morreram nesses meses, precisamente para ficarem em contato com o seu povo; nas práticas de caridade que as comunidades cristãs souberam repensar às pressas; e também nas formas que elas inventaram para acompanhar dignamente a morte e os mortos, tendo que pagar o preço de uma distância física deles e dos seus entes queridos.
Uma vassalagem incondicional da fé cristã em relação à ciência é igualmente improvável (“torna-se a verdadeira religião do nosso tempo”, segundo Agamben): a instituição teológica, em nome daquela fé, está comprometida há muito tempo com um debate nem servil nem despótico com o saber científico.
Por outro lado, era Richard Feynman quem distinguia entre ciência, como paixão pela descoberta que sempre pressupõe um permanente não saber (e, portanto, a impossibilidade de uma palavra científica com pretensão normativa), e a técnica como uso e aplicação dos conhecimentos alcançados.
Como consciência do não saber e paixão pela descoberta, a ciência tem na sua práxis os anticorpos que impedem a sua transformação em religião. Se algo assim ocorreu, isso não diz respeito à ciência e não foi feito em seu nome.
Nunca, como nesses meses, revelou-se tanto a natureza provisória do saber científico com as contradições que nele circulam, quanto uma genuína paixão da comunidade científica em favor do humano – da equipe hospitalar aos pesquisadores que põem na rede conhecimentos e procedimentos para descobrir como enfrentar uma nova ameaça para a humanidade.
Esperamos que o debate aberto pela intervenção de Agamben possa continuar, reunindo competências e perspectivas diversas. É algo que acolhemos de muito bom grado.
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O soberano e a barca. Um comentário à intervenção de Giorgio Agamben - Instituto Humanitas Unisinos - IHU