14 Abril 2020
"Nesse tempo de isolamento, sem poder participar do sepultamento de pessoa querida, sem ritos de despedida, essa não é uma questão menor, é humanamente grave, e precisa de cuidado. Se apenas alguns familiares ou mesmo nenhum está junto ao corpo que é sepultado, a primeira necessidade do luto, que ameniza a dor, é poder saber que o ritual é realizado", escreve Luiz Carlos Susin, frei capuchinho, mestre e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Leciona na Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul - PUCRS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF, em Porto Alegre.
“Mandem para cá um padre porque não queremos morrer como animais”, esse o clamor em carta de um grupo das primeiras levas de migrantes italianos da serra gaúcha. Não era só um grito de cristãos, era a dignidade humana em jogo: nascemos e morremos como humanos através de rituais. O ritual fúnebre é o mais arcaico na evolução humana, o mais intocável e o mais difícil de modificação, pois simboliza a passagem entre a vida e a morte – ou entre a morte e a nova vida – e quem pode desafiar a morte? O rito fúnebre é um sagrado dever para com o morto, e sem esse dever cumprido o luto se torna uma ferida que sangra sem se fechar. Essa lição não provém propriamente das religiões, elas simplesmente praticam o ritual. A lição provém da antropologia, das ciências humanas.
Nesse tempo de isolamento, sem poder participar do sepultamento de pessoa querida, sem ritos de despedida, essa não é uma questão menor, é humanamente grave, e precisa de cuidado. Se apenas alguns familiares ou mesmo nenhum está junto ao corpo que é sepultado, a primeira necessidade do luto, que ameniza a dor, é poder saber que o ritual é realizado. Melhor se for possível acompanhar por rede social, por vídeo. Vimos isso ocorrer na Itália: um padre solitário abençoando dezenas de mortos num sepultamento coletivo.
Os cemitérios, assim como as igrejas e outros espaços, se reinventam nesse tempo em que o normal está suspenso. Os ministros de exéquias também se reinventam, mas são agora mais necessários do que em tempos normais, para cumprirem o ritual que permite o luto seguir seu curso com um consolo fundamental - o ritual bem feito. Vimos algum padre orando à distância, pelo celular. Não parece a melhor solução. Assim como os agentes de saúde em hospitais - nossos soldados na trincheira avançada - os capelães de hospitais e os ministros de exéquias, se não estão em grupos de risco, uma vez tomadas as medidas de proteção, também são convocados ao posto avançado. Eles são ministros dos ritos que, nessa hora, sustentam a nossa humanidade.
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