05 Fevereiro 2020
Enquanto na Fundação Cartier está sendo realizada a retrospectiva da fotógrafa Claudia Andujar, que dedicou seu trabalho à defesa do povo Yanomami, no Brasil, o líder indígena alerta para novas ameaças.
A entrevista é de Nicolas Bourcier, publicada por Le Monde, 03-02-2020. A tradução é de André Langer.
Ele tem a autoridade natural de um papa ou de um príncipe, mas é muito mais simples. Aos 54 anos, Davi Kopenawa, xamã e líder do povo indígena Yanomami do Brasil, é um homem revoltado. Diante da destruição da floresta e do avanço mortífero sobre suas terras de traficantes de madeira e garimpeiros, faz soar o alarme pelos quatro cantos do mundo.
Em dezembro de 2019, em Estocolmo, recebeu o Prêmio Right Livelihood, conhecido como “Prêmio Nobel Alternativo”. No dia 30 de janeiro, na Fundação Cartier de Arte Contemporânea, em Paris, ele abriu a formidável retrospectiva dedicada à fotógrafa Claudia Andujar, ao lado do artista-ativista e antropólogo Bruce Albert.
Foi com eles que, em 1992, conseguiu demarcar a Terra Indígena Yanomami, uma área de 96.650 quilômetros quadrados, superfície um pouco maior que a de Portugal. Uma terra regularmente ameaçada por inúmeros projetos de exploração mineral, agora abertamente apoiados pelo governo de Jair Bolsonaro.
Quando Davi Kopenawa fala, é com uma força de convicção contagiante, forjada por uma soberana indiferença das coisas materiais. Quando criança, viu seu grupo de origem, uma casa coletiva de cerca de duzentas pessoas, localizada no extremo nordeste do estado do Amazonas, ser devastado por doenças infecciosas transmitidas pelos brancos.
Durante um tempo, passou pelo proselitismo dos missionários norte-americanos, a quem ele deve seu nome bíblico, pelo aprendizado da escrita e por uma ideia pouco convidativa do cristianismo. Apesar de sua curiosidade inicial, será rapidamente abandonado por causa do seu fanatismo e pela sua obsessão pelo pecado.
Revoltado com as sucessivas mortes, mas intrigado com o poder dos brancos, Davi deixará sua região natal para trabalhar em um posto da Funai, a Fundação Nacional do Índio. Ele se esforçará, segundo suas palavras, “para tornar-se um branco”. Ali, ele acabará apenas contraindo a tuberculose. Curado, percorrerá o território Yanomami. Obterá dessa experiência uma compreensão mais precisa da lógica predatória daquilo que ele chama de “povo da mercadoria” e das ameaças que ela representa.
Antes de retornar para casa, na Amazônia, na sexta-feira, 30 de janeiro, Davi Kopenawa falou com o Le Monde e discorreu sobre sua leitura da situação.
Os ataques contra o seu território estão aumentando. Houve relatos de quase 20 mil garimpeiros ilegais na área em janeiro. É o pior período que vocês enfrentam desde o final da ditadura militar?
Agora já são 25 mil… No passado, já enfrentamos vários perigos, principalmente durante a construção da estrada entre Manaus e Boa Vista no período militar. Comunidades foram destruídas por bombas. Hoje, vivemos na mesma realidade da época da ditadura. O presidente Jair Bolsonaro é ele próprio um soldado, um homem do exército.
Nos anos 1980, mais de mil Yanomami morreram devido a doenças e violências que acompanharam a invasão do seu território por 40 mil garimpeiros. Em que a situação de hoje é diferente?
Ela não é diferente. Os mesmos garimpeiros da década de 1980 retornaram. São os mesmos que mataram meus irmãos. Os mesmos que devastaram a nossa região. São os mesmos que foram expulsos e que estão voltando.
Esse retorno dos garimpeiros remonta a 2016. Depois, quando Bolsonaro assumiu o poder, a mineração ilegal aumentou muito. Não é apenas culpa do presidente. Há também o apoio de senadores, de muitos deputados e políticos em Brasília, empresários também e de pessoas importantes de todo o Brasil.
Os garimpeiros não estão sozinhos. Bolsonaro e seus achegados ajudam-nos a obter combustível para o transporte de barco. Eles não têm mais seus velhos rifles de caça, mas metralhadoras. Eles também estão conectados à internet. Em alguns lugares, eles até têm casas permanentes onde estocam álcool e onde moram com suas mulheres. Em todos os lugares poluem, destroem a natureza e as pessoas, espalham suas doenças com a bênção de Brasília. Um verdadeiro sentimento de impunidade tomou conta.
Jair Bolsonaro disse, certa vez, que os militares brasileiros não terminaram bem o seu trabalho, ao contrário dos soldados norte-americanos que massacraram todos os índios. Mais recentemente, ele elogiou o fato de que esses mesmos índios estão se tornando “humanos”. Como reagir?
Costumo dizer que não estou triste; digo que estou revoltado. Ele nos considera como animais. Ele não quer respeitar o meu povo. Há pessoas que prestam atenção nele. Eu não quero ouvi-lo. São meus amigos que me contam.
Ele diz essas coisas para que eu fique com raiva dele. Devemos reagir e atacá-lo também? Eu penso que não. É exatamente isso que ele quer. É o jogo dele, como uma criança que não sabe lutar direito. Ele tem a “boca suja”, como se diz.
Estamos assistindo a uma ofensiva final contra os índios em uma guerra iniciada há cinco séculos, como diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro?
Sim, é isso, o “povo da mercadoria” está vencendo esta guerra que começou quando os brancos mataram para tomar o poder. Isso aconteceu nos Estados Unidos. E está acontecendo conosco.
Essa é uma ideia que compartilhamos fortemente com Raoni [chefe indígena kayapó], Ailton Krenak [chefe indígena krenak] e outros caciques. Se o mundo daqui não presta atenção no que o governo está fazendo no Brasil, esse será efetivamente o fim.
Está cansado?
Não, eu me sentirei cansado quando houver apenas um Yanomami na terra. Então, posso dizer que o cansaço chegou. Felizmente, meu povo ainda está vivo. Portanto, não posso reclamar.
Ainda sou jovem, posso continuar. Eu posso derramar meu sangue pelo meu povo. Mas eu não gostaria de derramar meu sangue nos outros. Para me matar, será preciso vir à minha casa. E se eles não gostam dos índios, que nos matem todos juntos.
De acordo com Stephen Corry, diretor da Survival International, apenas um protesto geral e global pode parar o racismo de Bolsonaro e suas trágicas consequências. O que você diz?
O mundo inteiro tem que se levantar para fazer barulho. É preciso muita gente para reunir essa força e pressionar as autoridades para que comecem a nos respeitar e a expulsar os garimpeiros clandestinos.
Armar-se contra as invasões dos garimpeiros, é uma solução para os Yanomami?
Quem nos daria essas armas? Se começarmos a nos armar, vamos nos matar uns aos outros. Não é uma boa ideia. Não quero uma guerra entre brancos e meu povo. Não estamos roubando, não estamos extraindo ouro do nosso território para revendê-lo no exterior.
Ninguém pode dizer que os Yanomami estão errados. Temos razão em denunciar a situação. Estamos em nosso território que foi delimitado e reconhecido. Uma guerra seria inútil. Nosso nome, Yanomami, é reconhecido mundialmente. Continuaremos a lutar com nossa voz e com os documentos oficiais que obtivemos.
Raoni, o chefe kayapó, reuniu várias centenas de caciques no meio da floresta para denunciar “um projeto de genocídio” por parte do governo. O que você acha dessa iniciativa?
A união entre os povos indígenas é muito importante. Também gostaríamos de organizar reuniões com mais frequência em nossas terras com todos os líderes dos povos indígenas em dificuldades. Mas as horas de voo são caras. Faltam-nos recursos. Portanto, devemos contar com o apoio de todos os nossos parceiros.
A exposição fotográfica de Claudia Andujar em Paris faz parte desta mobilização?
Esta exposição ajuda muito a luta dos povos indígenas. Ela abre o caminho, e estamos logo atrás. Tudo isso contribui para a descoberta da nossa história e de nosso nome para pessoas que não conhecem nossa realidade. Cláudia Andujar me ajudou a acordar, ela me alertou para a guerra dos brancos contra os índios, como uma mãe que explica os riscos e perigos para seus filhos. Ela me ensinou a não confiar nos povos das cidades que ainda têm essa ganância e essa avidez por dinheiro.
A experiência apresentada por você e Bruce Albert em seu livro A Queda do Céu. Palavras de um Xamã Yanomami (São Paulo: Companhia das Letras, 2015) é a de um desastre: o desaparecimento da floresta e de seus habitantes. Como e por que isso funciona?
Os brancos estão destruindo a Amazônia porque não sabem sonhar. Se eles pudessem, como nós, ouvir outras palavras além da mercadoria, saberiam ser menos hostis para com os povos indígenas.
Vocês, os povos das cidades, não são xamãs que entram em contato com os espíritos. Nós conhecemos os riscos, sabemos interpretar os sinais dos perigos. Os capitalistas, os políticos e os grandes empresários querem arrancar todas as raízes da terra. Eles não se dão conta disso porque não sonham. Eles não podem imaginar que, com a intenção de extrair todos os minerais, eles vão acabar derrubando o céu.
Nós sonhamos e alertamos os brancos para avisá-los de que não devem continuar assim. No futuro, talvez em 2021 ou 2023, se os Yanomami desaparecerem, teremos que esperar um pouco e ver o que vai acontecer. O céu não vai avisá-los. Vocês todos vão dormir para não sentir esse enorme peso cair sobre vocês. Bolsonaro faz muito barulho, ele late como um cão. Mas quando o céu cair, não ouviremos mais nada.
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“Os brancos estão destruindo a Amazônia porque não sabem sonhar”. Entrevista com Davi Kopenawa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU