02 Fevereiro 2020
A Igreja de Manaus está acolhendo seu novo arcebispo, Dom Leonardo Ulrich Steiner. Ele diz chegar consciente de que “o ministério é um serviço, o ministério é para as comunidades”. O fato de não conhecer a arquidiocese, “vai exigir da minha parte uma adaptação”, dando continuidade a uma “caminhada longa que a arquidiocese tem, e que no passado teve grandes bispos”.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
O novo arcebispo chega no momento em que a Igreja espera a publicação da exortação do Sínodo para a Amazônia, onde “o Santo Padre certamente vai nos dar orientações muito importantes” em relação a diferentes aspectos. Tudo isso, segundo o novo arcebispo de Manaus, “vai ainda nos abrir novos horizontes para que a nossa Igreja seja mais viva, a nossa Igreja seja mais misericordiosa, seja realmente uma Igreja em saída, uma Igreja que cuida, como diz o Santo Padre, da carne de Cristo, da carne sofrida de Cristo, que são os pobres”.
Isso vai exigir “sermos mais simples nas nossas relações, isto é, sermos mais próximos”. Mas também vai demandar novos modos de evangelização, que ajudem a se fazer presente nas periferias, no meio dos intelectuais, das pessoas que não frequentam a Igreja, com uma nova linguagem, com uma convivência mais próxima. Se faz necessário, com urgência, “o exercício da escuta”, que ajude a entender as situações presentes na vida cotidiana, e “perceber por onde Deus está se movimentando, por onde a história está se movimentando, por onde vão os desejos mais profundos das pessoas”.
Essa presença deve atingir as periferias, que “estão mudando, porque nós não estamos indo”. Aí tem um papel fundamental os leigos, a Igreja deve “confiar ministérios aos leigos”, destacando que “essa presença ministerial a través dos leigos tem sido decisiva para a presença da Igreja”. Finalmente, Dom Leonardo vê a necessidade de “continuarmos a ser uma Igreja missionária”, o que demanda “ser essa Igreja que não tem medo de sair, uma Igreja que anuncia, uma Igreja que também, se é necessário, denuncia, uma Igreja que tem um amor preferencial pelos pobres, uma Igreja que está junto aos povos originários”.
O senhor começou seu ministério episcopal sendo bispo de São Félix do Araguaia, depois assumiu a secretaria da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, durante oito anos, e recentemente foi nomeado pelo Papa Francisco como arcebispo de Manaus. O que significa na sua vida este novo serviço que a Igreja está lhe encomendando?
O ministério episcopal é um serviço à Igreja, é um serviço às comunidades. Tanto em São Félix, quanto na CNBB, como bispo auxiliar de Brasília, e agora aqui em Manaus, o ministério é um serviço, o ministério é para as comunidades. Naturalmente, em Manaus não conheço ainda a arquidiocese, e vai exigir da minha parte uma adaptação. Existe toda uma caminhada aqui da Igreja, existe um plano de pastoral, um plano de evangelização, um diretório de pastoral. Tudo isso, quem precisa se adaptar sou eu, dada a caminhada longa que a arquidiocese tem, e que no passado teve grandes bispos. Então, o meu desejo é que o meu ministério esteja à disposição dos nossos irmãos e irmãs aqui.
Meu ministério aqui em Manaus significa tentar trazer a preocupação do Santo Padre. Tantas vezes manifestou à Presidência da CNBB a preocupação com a Amazônia. O meu desejo é que essa preocupação não permaneça como preocupação. Por exemplo, a questão das comunidades, a questão indígena, a questão do meio ambiente, a casa comum, são questões que sempre, quando nos encontramos, ele repetia. Meu desejo é de levar essas preocupações para as comunidades e ver também, com o presbitério, com as comunidades, o que nós podemos fazer para cuidar do meio ambiente, da casa comum, o que podemos fazer em relação aos pobres, especialmente na periferia.
Mas também o que fazer para levar Jesus às almas feridas. No momento de tanta violência que nós vivemos no Brasil, e também aqui em Manaus, é importante que meu ministério esteja na disposição de levar a paz, a paz que significa uma reconciliação, uma paz que significa uma convivência, uma irmandade, uma fraternidade. Uma paz que também consiga levar palavras mais de amor, palavras mais de conforto, palavras mais de diálogo, as palavras hoje estão sendo muito agresivas. Tudo isso é o meu desejo, vamos ver o que consigo fazer.
O senhor fala sobre alguns elementos que estiveram muito presentes no processo do Sínodo para a Amazônia. Estamos esperando a publicação da exortação pôs-sinodal do Papa Francisco. O que essa exortação pode representar para a vida da Igreja da Amazônia e para a vida da Arquidiocese de Manaus?
O Santo Padre certamente vai nos dar orientações muito importantes. Se os temas discutidos durante o sínodo estiverem presentes na exortação, e talvez, como o Santo Padre sempre nos surpreende, dando passos a mais do que as reflexões sugeriam, nós contamos com a necessidade de revermos algumas estruturas nossas, mas de revermos o nosso modo de estar na Amazônia, o nosso modo de percepção das culturas diferentes que aqui existem. Não apenas em relação à liturgia, mas também em relação, por exemplo, à catequese, em relação ao modo da organização das comunidades.
Existem passos tão importantes já dados na arquidiocese, mas eu creio que esta fase vai ainda nos abrir novos horizontes para que a nossa Igreja seja mais viva, a nossa Igreja seja mais misericordiosa, seja realmente uma Igreja em saída, uma Igreja que cuida, como diz o Santo Padre, da carne de Cristo, da carne sofrida de Cristo, que são os pobres. Muito foi feito, existe muito por fazer, mas o Santo Padre, certamente, vai nos iluminar, e vai nos dizer que direção tomar.
O documento final do Sínodo insiste muito na necessidade de uma conversão. Focando na Igreja da Amazônia brasileira, na Igreja de Manaus, em que deveria se insistir, dentro dessas conversões que o documento final propõe?
Primeiro sermos mais simples, sermos mais simples nas nossas relações, isto é, sermos mais próximos, as pessoas estão necessitadas de proximidade. Existem tensões tão grandes que as pessoas as vezes se sentem sós, numa quase solidão. Eu acho que essa é uma conversão muito necessária, a proximidade, vivermos mais próximos, mostrar a proximidade da Igreja.
Mas também, a conversão necessária, no sentido de como evangelizar. Não sei se o que nós estamos fazendo é suficiente, tenho a impressão que não. Nós não estamos atingindo as nossas periferias, nós não estamos atingindo os intelectuais, nós não estamos atingindo as pessoas que não frequentam, nós muitas vezes estamos falando para nós mesmos que já estamos participando da Igreja. Exige uma conversão muito grande, porque exige linguagem, exige modo de comunicação. São João Paulo II falava inclusive de novos métodos e isso é um pouco urgente hoje.
Nós achamos que por whatsapp, e-mail, é suficiente, e não é suficiente. Enquanto não voltarmos a ter tu a tu, é muito difícil o Evangelho despertar a alguém para uma de vida que é quase inaudita. O whatsapp pode despertar para determinados elementos, a comunicação pode, mas é no tu a tu, na convivência que percebe o que tem algo extraordinário, o que tem a possibilidade de existência completamente nova. Isso nós não estamos conseguindo, então exige muita conversão.
Pelo que o senhor fala, insiste em um aspecto que o processo sinodal destacou, que é a escuta. Como a Igreja poderia ajudar os padres, os agentes de pastoral, para sentir a necessidade de escutar mais às pessoas, de dedicar mais tempo a esse encontro pessoal, a essa escuta no dia-a-dia?
Nós estamos acostumados a falar, a pregar, nós não estamos acostumados a ouvir. Nas celebrações somos nós que falamos, nas reuniões somos nós que falamos. Então, o exercício da escuta é um exercício hoje urgente, mas para isso precisa disponibilidade interior, porque o outro não pensa como eu. Mas precisa estar na atenção de perceber que o que o outro está dizendo, sempre está dizendo, e ainda não está dizendo, aquilo que realmente pensa, ou aquilo que sente. As palavras não conseguem dizer da cotidianidade da vida. Então, precisa muito escutar. Mas a escuta hoje é mais exigente que talvez no passado, porque, vou usar uma expressão, as almas estão feridas.
Quando se trata de ciência e técnica é fácil, mas quando se trata da alma humana, do espírito humano, é muito mais difícil, aí precisa um tempo de espera. Esse tempo de espera, no mundo da ciência e da técnica, é quase uma exigência grande demais para algumas pessoas, mas esse é o caminho da Igreja. Nós não conseguimos escutar suficientemente a questão da saída das pessoas da Igreja católica, nós ainda não escutamos suficientemente isso. É preciso ir ao encontro dessas pessoas, ouvi-las, ouvir, ouvir, ouvir, para perceber onde está o fundo da questão. Quando o documento pre-sínodo falava muito da escuta, o Santo Padre falava muito da escuta, ele diz, escuta é mais do que ouvir. Esse tempo agitado que vivemos, de tantos movimentos, de tantas informações, é preciso quase dar um passo atrás para começar a perceber por onde Deus está se movimentando, por onde a história está se movimentando, por onde vão os desejos mais profundos das pessoas.
O senhor fala sobre a presença da Igreja nas periferias. Manaus é uma cidade onde a maioria da população mora nas periferias, e a gente vê que é nessas periferias onde mais tem avançado a presença das igrejas pentecostais. Como a Igreja católica poderia se fazer presente de um modo melhor no meio dessas situações, no meio do povo da periferia?
É um problema não só de Manaus. Vejo que, inclusive politicamente, as periferias estão mudando, porque nós não estamos indo. Então, é o tempo dos leigos atuarem, de confiar ministérios aos leigos. Eles estão ali, eles vivem a cotidianidade, confiar ministérios aos leigos, e ser uma Igreja que quando celebra, não precisa necessariamente ser logo a Eucaristia, mas ela precisa celebrar, e para isso se precisa preparar leigos. A comunidade, por pequena que ela seja, ela precisa celebrar. A comunidade, por pequena que ela seja, ela precisa sentir que ela é católica. Então, precisa estar juntos, precisa refletir, precisa debater, e para isso precisamos a presença cada vez maior dos leigos, dos ministérios leigos.
Existem tantos ministérios leigos hoje. Por exemplo, existem tentativas no Brasil muito interessantes, inclusive o ministério fundadores de Igrejas. É uma expressão um pouquinho altissonante, mas são leigos que estão preparados e começam reunir comunidades onde nós quase não estamos presentes. E depois, o ministério da visitação, as pessoas se surpreendem muito, aqui em casa, batem na porta, toda hora, todo dia, evangélicos, finalmente chegou um católico batendo na nossa porta. Então, essa nossa presença que só pode ajudar.
Nós não estamos efetivamente, porque não compreendemos que o fiel que está lá, que é católico, e que deseja celebrar, ele muitas vezes não tem oportunidade de celebrar. Porque nós, como Igreja ministerial, não estamos. Os leigos exercem um papel importantíssimo. Eu espero que, nesse sentido, o Santo Padre nos ajude na exortação pós-sinodal. Existem muitas experiências bonitas no Brasil já a esse respeito. Mas eu não conheço a arquidiocese, não sei das nossas periferias, só do ouvi dizer. Mas da experiência que eu tive em São Félix do Araguaia, de ir conhecendo um pouco a realidade da Igreja do Brasil, essa presença ministerial a través dos leigos tem sido decisiva para a presença da Igreja. As pessoas tem que se sentir pertencentes a Igreja.
A poucas horas de iniciar seu novo ministério como arcebispo, qual é a mensagem que o senhor lança para a Igreja de Manaus?
Continuarmos a ser uma Igreja missionária. Manaus nasceu dos missionários, a própria cidade, a história de Manaus está ligada a missionariedade, e nós, como Igreja de Manaus, precisamos ser essa Igreja que não tem medo de sair, uma Igreja que anuncia, uma Igreja que também, se é necessário, denuncia, uma Igreja que tem um amor preferencial pelos pobres, uma Igreja que está junto aos povos originários, e junto com todas as Igrejas do estado do Amazonas e de Roraima, que formam o Regional Norte 1, sermos essa presença de Jesus.
Ser presença de Jesus é uma presença missionária, porque Ele não chama para sim, Ele chama para enviar. Se nós podermos contar com todos os nossos padres, religiosos, religiosas, diáconos permanentes, esses quase milhões de leigos que nós temos, nós seremos uma Igreja missionária, se Deus quiser.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Precisamos ser Igreja missionária, essa Igreja que não tem medo de sair”. Entrevista com Dom Leonardo Steiner, novo arcebispo de Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU