31 Janeiro 2020
Reza e "olha para o céu". Ele lê livros, os seis que ele pode guardar em sua cela (e nenhum a mais). Escreve e responde às cartas que lhe são enviadas. Recebe visitas, no máximo três ou quatro por semana. E a quem quer que o encontre ele repete: "Eu não odeio ninguém". As 24 horas diárias do cardeal George Pell passam assim, quase todas iguais, na prisão de segurança máxima de Barwon, no estado de Victoria, a 60 km de Melbourne, onde o cardeal - atrás das grades há quase um ano exato (foi o 27 de fevereiro de 2019) por acusações de abusos contra menores - foi recentemente transferido.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 29-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma transferência que as autoridades penitenciárias parecem ter considerado necessária para a segurança do cardeal. Desde sua sentença em primeira instância pelo Tribunal de Victoria em 2018 por agredir sexualmente dois coroinhas no início dos anos 1990 na Catedral de St. Patrick em Melbourne, Pell havia sido colocado em um regime de isolamento pelo risco de acabar sendo vítima de um acidente. Ferido ou até mesmo morto por outros detentos, como aconteceu no passado com aqueles que cometeram o crime de pedofilia. "O temor existe", relatam ao Vatican Insider amigos e colaboradores que o visitam semanalmente na prisão. "No entanto, é improvável que algo aconteça a ele, não porque respeitem sua autoridade, mas porque ele acabaria sendo visto como um herói ou mártir." Enquanto Pell continua a ser pela opinião pública, o "monstro", assim pintado pela mídia australiana que, depois de meses, continua a manter acesa a atenção sobre a "ascensão e queda" - como se intitulava um bem conhecido livro dedicado a ele - do mais alto representante da hierarquia eclesial australiana, conselheiro do Papa no C9 do qual foi retirado. Vários noticiários e manchetes em suas matérias de Ano Novo incluíam entre as realizações do país ter posto atrás das grades um dos homens mais poderosos do Vaticano, aquele que na Cúria ganhou - também pelo modo brusco de agir - o apelido de “Ranger”.
Antes do Natal, um drone foi visto sobrevoando a instituição penitenciária em que reside, provavelmente enviado por alguma televisão para procurar fotos exclusivas. Nas semanas anteriores, circulou a notícia de que Pell fora designado para os trabalhos de jardinagem, em particular ele estava encarregado da irrigação. A imagem do imponente cardeal de macacão verde molhando as plantas teria sido um furo fantástico para a mídia. Porém, de um dia para o outro, a ordem foi revogada e o cardeal foi transferido. O cardeal George, afirmam pessoas próximas a ele, "está ciente dos ataques que recebe diariamente, além de ter consciência de que há pessoas que o apoiam e que estão convencidas de sua inocência". O que o ex-tesoureiro do Vaticano sempre professou desde o início do processo e continuou a reiterar mesmo depois que a Suprema Corte de Victoria confirmou a sentença de condenação em primeira instância em agosto.
Pell não pôde celebrar a missa no Natal. Em geral, o prisioneiro pode participar da Eucaristia uma vez a cada duas semanas. Na noite de 24 de dezembro, alguns meninos de escolas cristãs e movimentos solidários do ex-arcebispo de Sydney foram sob à sua janela para entoar os "Christmas Carol", as canções de Natal, para ele e os outros detentos. Até agora - nos dizem - o visitaram alguns bispos que foram seus auxiliares em Melbourne e Sydney, assim como o ex-primeiro-ministro Tony Abbot, que está ligado a Pell por uma antiga amizade. Ao sair da penitenciária, o ex-primeiro ministro encontrou à sua espera um enxame de jornalistas, provavelmente avisado por um carcereiro, que contestavam o fato dele ter visitado um pedófilo.
"O cardeal está bem, psicológica e fisicamente", relata um amigo que prefere permanecer anônimo. “Ele está feliz com a nova cela que está virada para o lado de fora assim ele pode olhar para o céu, como sempre diz. Enquanto aguarda o final do processo, ele está orando muito, mesmo para aqueles que o prejudicaram. Ele costuma repetir: não tenho ódio por ninguém”.
Em 1º. de maio de 2018, Pell havia apresentado um pedido de "não culpabilidade" ao Magistrates'Court de Melbourne que o havia intimado a comparecer ao tribunal. As acusações levaram a dois processos, o "processo da catedral" e o "processo dos nadadores". No primeiro caso, Pell foi acusado de atos obscenos e violências sexuais contra dois meninos do coro na sacristia no final de 1996 e novamente no início de 1997. No segundo caso, as acusações foram de agressão sexual contra dois meninos enquanto eles estavam na piscina no final dos anos 1970. Dos dois meninos do coro que acusam o cardeal, um morreu anos atrás de overdose, o outro relata um testemunho que os advogados observaram está cheio de lacunas e inconsistências. Precisamente por causa da inconsistência do aparato acusatório - ressaltada por uma matéria transmitida pela Sky News no início de dezembro - o júri se mostrou dividido ao pronunciar o veredicto.
As deliberações do júri sobre o "processo da Catedral" por "crimes históricos" de abuso sexual iniciado em agosto de 2018 não deram resultados, porque os jurados não conseguiram chegar a um veredito unânime ou majoritário. Um novo processo começou em novembro com um júri diferente que, em dezembro, com base nas evidências apresentadas no tribunal, aprovou a condenação por culpa. Dois dos três juízes se pronunciaram, um sinal de que o painel de juízes não estava inteiramente convencido pelos argumentos apresentados pelo ministério público.
Devido a uma "Supression order" (uma ordem que, de acordo com a lei australiana, impede a mídia de divulgar os fatos de um processo), destinada a proteger o direito do cardeal a um julgamento justo em referência ao "processo dos nadadores" que ainda não havia sido realizado, a sentença foi tornada pública apenas dois meses depois, em 26 de fevereiro de 2019. Ao mesmo tempo foi tornado de domínio público o fato de que o segundo processo, previsto para abril, não teria prosseguido devido à falta de provas admissíveis.
Em novembro de 2019, os juízes australianos aceitaram o recurso interposto pelo defensor do cardeal em junho. Agora se aguarda a resposta do Supremo Tribunal, última instância de juízo, que poderá chegar nos próximos meses. "A sensação, no entanto", confidencia um amigo de Pell, "é que os tempos serão prorrogados, quase como esperassem que ele morra na prisão".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Lê, reza, recebe visitas. A vida atrás das grades do cardeal Pell: "Eu não odeio ninguém" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU