13 Novembro 2019
"Sem qualquer preocupação com o aumento da pobreza e da desigualdade, governo culpa gastos públicos pela crise fiscal enquanto protege bolso dos super-ricos", destaca Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc, em artigo publicado por Inesc, 07-11-2019.
O ministro da Economia Paulo Guedes entregou ao Congresso Nacional na última terça (5) três propostas de emenda à Constituição: a PEC do Pacto Federativo, a PEC dos Fundos Públicos e a PEC Emergencial. O nome dado a esse conjunto de propostas é Plano Mais Brasil.
Nossa avaliação inicial é muito preocupante: o Plano Mais Brasil constitucionaliza a drenagem de recursos públicos dos mais pobres para os mais ricos.
Em resumo, a PEC do Pacto Federativo altera regras que determinam a forma como serão gastos recursos dos estados, municípios e da União. A PEC dos Fundos Públicos prevê que recursos acumulados em fundos que tem destinação específica, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que aloca recursos para o seguro-desemprego e o abono salarial, sejam usados para pagamento da dívida pública. Por fim, a PEC Emergencial prevê medidas para reduzir despesas obrigatórias, como pagamento de salários integrais a servidores públicos.
Apresentamos aqui primeiras impressões, a partir da análise da apresentação do ministro Paulo Guedes.
Toda a culpa da crise fiscal é atribuída aos gastos públicos. Portanto, a solução para o mal, de acordo com esse raciocínio, é cortar as despesas. Não há no Plano qualquer proposta para aumentar as receitas por intermédio, por exemplo, (i) de uma reforma tributária progressiva (aumentar as alíquotas de imposto de renda, taxar lucros e dividendos, cobrar impostos de barcos e helicópteros, entre outras possibilidades); (ii) da cobrança das dívidas dos grandes devedores ou, ainda, (iii) da emissão de dívida pública, especialmente para investimentos.
Evitar pôr as receitas no páreo não é mero esquecimento. É mecanismo deliberado para proteger os que mais têm, pois significaria mexer no bolso dos nossos super-ricos. Bolsonaro e Paulo Guedes são seus fieis representantes, daí que, para preservá-los, propõem apresentar a conta aos que pouco ou nada possuem. Concentrar todos os esforços nos gastos é o caminho mais fácil, pois os pobres e miseráveis não têm voz: não são escutados pela grande mídia e estão sub-representados no Congresso Nacional.
As sugestões para aumentar receitas dizem respeito a privatizações de patrimônio público. Contudo, essas entradas teriam por destino principal o pagamento da dívida fiscal, que contribui para o enriquecimento dos rentistas.
O único déficit que interessa ao governo é o fiscal. Não há qualquer preocupação com o déficit social. O IBGE acabou de divulgar a Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) para o ano de 2018, cujos dados são assustadores: um quarto da população brasileira é pobre. São mais de 52 milhões de pessoas com rendimentos inferiores a R$ 420 por mês, menos da metade de um salário mínimo. Dessas, 13 milhões são extremamente pobres (renda mensal per capita inferior a R$ 145).
A pobreza também implica em menor acesso aos serviços básicos: 56,2% das pessoas abaixo da linha de pobreza moram em domicílios sem esgoto sanitário, enquanto a média da população sem acesso a esse serviço é de 37,2%.
O racismo persiste abissal e vergonhoso: 73% dos pobres são negros. O rendimento médio domiciliar per capita das pessoas pretas ou pardas (R$ 934) é quase metade do rendimento das pessoas brancas (R$ 1.846). O valor dos rendimentos cresceu para toda a população de 2018 em relação a 2017, só que foi maior para os 10% mais ricos, que se apropriaram de uma parcela maior do que os 40% com menores rendimentos, ampliando as desigualdades. E mais: o percentual de jovens brancos cursando o ensino superior ou que já havia concluído esse nível (36,1%) ainda era quase duas vezes o de pretos ou pardos (18,3%).
Mas, aos olhos de Guedes e sua equipe, nada disso importa. Se o controle dos gastos merece a criação de um Conselho Fiscal da República, que deverá se reunir regularmente para avaliar a sustentabilidade financeira da Federação, a questão social não exige tratamento semelhante, pois pobreza, miséria, fome e desesperança são problemas irrelevantes aos olhos do titular da economia.
As propostas de Desobrigar, Desindexar e Desvincular, batizadas de três Ds, associadas ao fim do Plano Plurianual (PPA), significam acabar com o planejamento de longo prazo e entregar a administração dos recursos públicos aos governantes de plantão. Sem uma visão de país projetada no tempo nem parâmetros que orientem estrategicamente a alocação de recursos públicos, não há qualquer possibilidade de assegurar um desenvolvimento sustentável para o Brasil.
Os 3 Ds significam privatizar os ativos federais, deixar que os valores dos benefícios sociais sejam arbitrariamente decididos ano a ano, desobrigar o Estado de cumprir com seu dever de realização progressiva dos direitos constitucionais, comprometer a qualidade dos serviços públicos decorrente de enxugamento do quadro de funcionários federais, estaduais e municipais. Diferentemente do que se alardeia, o Brasil tem déficit de funcionários e não excesso: os empregados no setor público brasileiro, nos três níveis da federação, somam 12,1% da população ocupada contra uma média de 21,3% na OCDE.
As vinculações e indexações hoje existentes em todo o ciclo orçamentário são conquistas históricas dos movimentos sociais. Sem elas, o Congresso Nacional composto majoritariamente por homens, brancos e ricos, defensores de interesses privatistas, dificilmente aprovaria uma alocação de recursos justa, inclusiva e sustentável ao longo do tempo.
As PECs do Guedes equivalem à entrega do galinheiro para as raposas, à constitucionalização da pobreza e das desigualdades. Podemos afirmar que os 3 Ds do Plano Mais Brasil na realidade querem dizer Diagnóstico enviesado, Desconhecimento da dívida social e Drenagem de recursos dos pobres para os ricos.
O ministro pouco ou nada lê do que se passa no resto do mundo, de povos cansados de serem escrachados, sugados e explorados, que vão às ruas manifestar sua indignação e revolta, do Equador ao Chile, da França ao Líbano, do Iraque à nova onda da Primavera Árabe. Esperamos que nossos parlamentares, em princípio um pouco mais sensíveis às demandas da sociedade, ponham um freio à sede destrutiva da trupe Bolsonaro. Esperamos que lampejos de lucidez e, mesmo de autoproteção, os iluminem para o arquivamento dessas PECs, que muito nos assustam.
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Plano de Guedes constitucionaliza drenagem de recursos dos pobres para os ricos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU