04 Novembro 2019
O americano Jeremy Rifkin (1945) é um dos sociólogos mais conhecidos e midiáticos. Também é economista, escritor e ativista contra a mudança climática. Há décadas, estuda o impacto das mudanças tecnológicas na economia e no meio ambiente.
“Estamos diante de uma emergência global” é a frase que inicia seu último livro, que apresenta, nestes dias, na Espanha. Intitula-se El Green New Deal Global. Por qué a civilización de los combustibles fósiles colapsará en torno a 2028 y el audaz plan económico para salvar la vida en La Tierra (Paidós).
Rifkin refere-se à sexta extinção em massa induzida pela queima de combustíveis fósseis, a primeira desde que há 65 milhões de anos, um meteorito (de acordo com uma das hipóteses mais aceitas) favoreceu o desaparecimento de 75% dos gêneros biológicos. A previsão é que, se a temperatura global crescer meio grau a mais (já aumentou um em comparação aos níveis pré-industriais), os ecossistemas da Terra voltarão a ser dizimados.
O green new deal que propõe, à imagem do new deal que tirou a economia dos Estados Unidos da grande depressão nos anos 1930, deve supor que 100% da eletricidade seja gerada por fontes limpas e renováveis, atualizar a rede de energia, os edifícios e a infraestrutura de transporte.
Rifkin, que assessora vários governos na transição para uma nova economia, acredita que a União Europeia e a China estão se preparando melhor do que os Estados Unidos. Questionado sobre o que pensa dos céticos em relação às mudanças climáticas, explica que prefere não perder tempo em respondê-los.
Conforme Rifkin explica em seu livro, em 2015, o Citigroup causou um terremoto no setor de energia e na economia global ao prever 100 trilhões de dólares em ativos de combustíveis fósseis obsoletos (que sofrem uma depreciação antes que seu ciclo de vida termine seu curso normal), se a Cúpula do Clima de Paris conseguisse impor um compromisso vinculante às nações do mundo para limitar o aquecimento global “bem abaixo” dos dois graus centígrados.
Três anos depois, em 2018, a questão dos ativos obsoletos já não se vinculava aos compromissos contra as mudanças climáticas, que são voluntários e, muitas vezes, não são cumpridos. A preocupação atual da indústria é a queda no custo das tecnologias solar e eólica e a geração de energia verde e seu armazenamento.
Rifkin tem um discurso relativamente otimista e descreve um cenário em que os principais setores da segunda revolução industrial (telecomunicações, energia e eletricidade, mobilidade e logística de veículos de combustão interna e parques residenciais, comerciais, industriais e institucionais) começam a se desapegar da civilização dos combustíveis fósseis e a aceitar energia verde e tecnologias limpas.
“Até agora, mais de 1.000 investidores institucionais, em 37 países, desinvestiram 8 trilhões de dólares em fundos da indústria de combustíveis fósseis e os reinvestiram em energia verde, tecnologias limpas e modelos de negócios que nos levarão a um futuro com zero carbono. Está sendo a maior campanha de desinvestimento/investimento da história capitalista”.
A entrevista é de Marina Estévez Torreblanca, publicada por El Diario, 02-11-2019. A tradução é do Cepat.
Você afirma que a civilização dos combustíveis fósseis pode entrar em colapso por volta de 2028. Você pode explicar o que você quer dizer com isso?
Toda a nossa civilização está baseada em combustíveis fósseis. Invadimos o subsolo da era carbonífera, há 300 milhões de anos, e tomamos esses corpos de animais e plantas na forma de gás ou carvão. Com isso, fabricamos pesticidas, fertilizantes, produtos farmacêuticos, materiais de construção, energia, transporte. O calor e a luz. Tudo é combustível fóssil, há dois séculos.
Contudo, neste ano, o custo da energia solar e eólica caiu abaixo do dos combustíveis fósseis e continuará a cair. Segundo o Citigroup, pode haver 100 trilhões de dólares em ativos obsoletos. Não combustíveis fósseis, mas toda a indústria que o cerca, como veículos de combustão interna. Todas as refinarias, gasodutos que não serão utilizados. Já existem setores-chave que se afastam dos combustíveis fósseis e dependem de energias renováveis mais barata.
Há uma bolha de carbono que, se não for esvaziada, poderá causar uma perda de riqueza mundial entre um e quatro trilhões de dólares. A maior da história. Isto não são apenas minhas projeções, há estudos que a sustentam. O colapso da revolução industrial baseada em combustíveis fósseis pode ocorrer, em algum momento, entre 2023 e 2030.
Como é possível desinflar essa bolha?
Os fundos de pensão são a maior bolsa de valores do mundo, com um valor de 41 trilhões de dólares. E eles estão saindo desse tipo de investimento nas indústrias de petróleo. O que aconteceu com a indústria do carvão em meu país (Estados Unidos), nos últimos quatro anos, é que foi à falência porque o gás natural é mais barato, a energia solar e eólica é mais barata. Investidores institucionais começaram a retirar dinheiro e investir em energias renováveis. A indústria financeira está em pânico. A ruptura está ocorrendo em grande parte devido à imposição dos mercados e os governos terão que os seguir ou enfrentar as consequências. A bolha do carbono deve se desinflar ou pode ser a maior explosão da história.
Os governos nem sequer precisam aumentar os impostos sobre a energia. Mas, sim, devem acabar com todos os subsídios aos combustíveis fósseis. Devem preparar a transição para uma terceira revolução industrial de carbono zero: o Green new deal. Cada país deve estabelecer um roteiro e construir a infraestrutura verde necessária para a terceira revolução industrial e a era pós-carbono.
De qualquer modo, os governos nacionais devem estabelecer códigos e regulamentos. Mas, o trabalho deve ser o das regiões. A Espanha, assim como a Alemanha e os Estados Unidos, está em uma boa posição, com regiões acostumadas a controlar sua própria infraestrutura.
Rifkin relata que todas as transformações econômicas na história precisam de um meio de comunicação, uma fonte de energia e um mecanismo de transporte. A primeira e a segunda revolução industrial foram projetadas para serem centralizadas, com proprietários verticalmente integrados. No século XIX, foram a imprensa e o telefone, o carvão e as redes ferroviárias. Os Estados-nação foram formados. No século XX, convergiram a eletricidade, o telefone, a rádio e a televisão com petróleo barato, os carros de combustão e as redes rodoviárias. Formou-se a globalização.
“A terceira revolução industrial deve ser distribuída, aberta, transparente. Precisamos de uma Internet alimentada por energia solar e eólica, veículos elétricos autônomos e edifícios e pessoas integradas na “Internet das Coisas”. Você pode tentar monopolizá-la, mas perderá o efeito da rede”, afirma.
Seu prognóstico é que a transição de uma segunda revolução industrial para a terceira “será formidável - comparável à mudança da agricultura para a sociedade industrial urbana - e requer as habilidades e talentos de duas gerações. Para acontecer, teremos que formar milhões de pessoas. Teremos que desmantelar e desarmar toda a infraestrutura da energia nuclear. A rede de comunicações precisará ser atualizada, o setor de transporte e logística ser digitalizado...”.
Que encaixe essas mudanças que você prognostica tem no sistema econômico capitalista e no emprego?
Está emergindo outro sistema econômico. Eu o chamo de capitalismo distributivo ou capitalismo social. Também poderia ser chamado de cooperativo. No novo sistema, a propriedade é substituída pelo acesso. A transação de mercadorias é substituída por um fluxo constante de serviços. O custo marginal (o custo adicional de produzir uma unidade adicional de um bem ou serviço, depois que os custos fixos forem absorvidos) se aproximará de zero. A economia compartilhada é um aspecto central do Green New Deal.
Em relação ao emprego, a realidade é que a terceira revolução industrial implicará tanto a destruição de empregos, quanto uma fonte de oportunidades trabalhistas. O setor de energia renovável na China já emprega 3,8 milhões de pessoas.
Acredito que, a médio e longo prazo, muitos empregos serão transferidos do âmbito comercial para o setor sem fins lucrativos, a economia social e a economia compartilhada. Já existem países com 10% de sua força de trabalho no setor sem fins lucrativos, não estou falando apenas de voluntários que dedicam seu tempo, mas dos 56 milhões de empregados em período integral, em 42 países. Espero que, em meados do século, a maioria dos empregados em todo o mundo pertença ao setor sem fins lucrativos.
[O chamado setor sem fins lucrativos ou terceiro setor inclui empresas que não são públicas, nem privadas, mas entidades cujo fim não é um benefício econômico, mas social, altruísta, humanitário, artístico e/ou comunitário. Em geral, são financiados por doações derivadas de pessoas físicas, empresas, instituições e organizações de todos os tipos e, em alguns casos, também recebem recurso público].
Como avalia os protestos contra a mudança climática protagonizados principalmente pelos jovens?
Esses protestos são como nunca havia visto em meus 45 anos como ativista. Os jovens nem sabem que esta é a primeira revolta planetária. É a primeira vez que uma geração inteira, milhões de pessoas em cento e trinta e sete cidades, saíram das aulas para as ruas para declarar uma emergência climática. É a primeira vez que uma geração em toda a história humana começa a se ver como uma única espécie. Não se importam com as fronteiras. Isso é grande e muito esperançoso.
Os jovens dizem aos políticos: estão de brincadeira? Como poderia haver outras prioridades, quando vemos a extinção em massa da vida na Terra? O que precisam fazer é manter os protestos, manter a pressão.
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“Se a bolha do carbono não desinflar, poderá causar uma perda da riqueza mundial de até quatro trilhões de dólares”. Entrevista com Jeremy Rifkin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU