15 Outubro 2019
Um dos momentos favoritos de Sandra Myrna Díaz (Bell Ville, 1961), na Universidade de Córdoba (Argentina), onde trabalha no Instituto de Biologia Vegetal, ocorre quando questiona seus alunos, parecendo detetive, sobre a procedência de muitas folhas selecionadas para adivinhar suas características e estilo de vida. “Isso me apaixona. Gosto de ver como as plantas que evoluíram em lugares muito diferentes, isoladas umas das outras, acabam tendo síndromes semelhantes ”, reconhece.
Referência científica em ecologia e especialista em botânica, esta bióloga inconformista participou dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e da Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica. Suas descobertas são essenciais na criação de ferramentas capazes de monitorar os efeitos da biodiversidade das plantas e ecologia vegetal - seu aproveitamento em combustíveis, alimentação etc. -, bem como na capacidade da biodiversidade em combater as mudanças globais com processos como o sequestro de carbono atmosférico. “É necessário valorizar o papel da natureza, da trama da vida sobre a Terra, que nos sustenta e nos permeia”.
A entrevista é de Javier López Rejas, publicada por El Cutural, 14-10-2019. A tradução é do Cepat.
Quando surgiu o seu fascínio pela biodiversidade?
Sendo muito pequena, quando o termo "biodiversidade" ainda não existia e o interesse no mundo selvagem não era um absoluto glamour. Em meu entorno, na primeira infância, a natureza era algo que se desfrutava no tempo livre, mas não existia a ideia de torná-la uma profissão.
Além da ecologia funcional das plantas, pesquisa também a relação entre sociedade e natureza. São incompatíveis?
É claro que uma mesma entidade viva (um cipreste, um bando de abutres, uma raposa, uma floresta de carvalhos, um monte de cupins, um pasto ...) não é percebida e valorizada da mesma maneira por cada um dos atores sociais. O que é útil para alguns, para outros é uma ameaça. Existem muitas maneiras de se relacionar com a natureza. Portanto, muitos de nós preferem falar agora sobre as “contribuições da natureza para as pessoas”, ao invés de serviços ecossistêmicos ou de recursos naturais.
De que forma as mudanças climáticas estão afetando a vegetação do planeta?
Bom, é algo que afeta todos os parâmetros da natureza. O pior não são as consequências das mudanças climáticas, mas a interação entre vários de seus fenômenos: mudanças no clima, uso da terra, poluição, o avanço de espécies exóticas... Todos atuando em conjunto, em larga escala. Por exemplo, uma coisa é a capacidade das plantas para migrar seguindo as mudanças no clima quando termina a última idade do gelo e outra coisa é agora, quando a “rota” de fuga é totalmente interrompida por milhares e milhares de hectares nos quais a planta não pode se estabelecer. Isso é o que se chama fragmentação. Outro exemplo: uma coisa é a sensibilidade dos recifes de coral ao aquecimento da água do mar durante alguns anos, e outra muito diferente é quando a esse aquecimento se soma a acidificação, a poluição orgânica e os distúrbios associados aos desenvolvimentos costeiros.
Como a diminuição de espécies vegetais afetará o ser humano?
Todos os aspectos da vida humana dependem da natureza. Ou seja, animais, plantas e organismos vivos. Se eles diminuem, nossa qualidade de vida é empobrecida. As narrativas que dizem que estamos separados da natureza e que sua exploração é o custo inevitável da qualidade de vida, levando-nos a escolher entre a natureza e o desenvolvimento humano, são um erro, quando não algo perverso. Todos os indicadores do estado de saúde da natureza diminuíram globalmente, nos últimos 50 anos. Não há futuro que valha a pena sem a natureza. Nesse sentido, a chamada de atenção não é apenas uma questão altruísta. Pense que se a natureza está com problemas, nós estamos com problemas.
Você acredita que a criação de “superplantas” poderá combater essa situação? Poderiam absorver eficientemente o carbono atmosférico?
Os ecólogos acreditam que não será tão simples encontrar uma maneira de sequestrar o carbono massivamente. Primeiro, tão importante quanto absorvê-lo é mantê-lo capturado fora da atmosfera pelo maior tempo possível. Mesmo se conseguíssemos reabsorver todo o carbono necessário para conter o aumento da temperatura, continuaríamos com outros problemas. Como comentava, a crise global não é causada apenas pela liberação de carbono na atmosfera, mas também, para além desse fenômeno, pela perda de biodiversidade e os poluentes, entre outras causas. São sintomas de um processo muito mais profundo.
Portanto, quando tentamos resolver um desses sintomas isoladamente, corremos o risco de piorar as coisas. Por exemplo, em algum momento se pensou nos agrocombustíveis como uma alternativa “verde” ao uso de combustíveis fósseis. A encruzilhada é que seu uso em larga escala cria outros problemas. Para que o sequestro de carbono tenha efeito sobre o aquecimento global, o esforço deve ser massivo e esse esforço tem custos colaterais muito importantes.
Qual seria, então, a melhor maneira de conservar o carbono?
De longe, a maneira de manter o carbono sequestrado é através da proteção das matas nativas que já estão aqui ou através de sua restauração. Vamos precisar de uma combinação de muitas estratégias simultâneas, incluindo o sequestro melhorado do carbono, é claro, mas também uma redução muito significativa nas emissões, potencializar fontes alternativas de energia, novos sistemas de produção de alimentos e o que mais custa para uma parte da humanidade: consumir menos. É preciso esquecer o discurso de que o consumo cada vez mais voraz é um direito de todos (dos que podem pagar), ao passo que o direito a uma relação satisfatória com o tapete da vida é um luxo (também daqueles que podem pagar).
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“Não há futuro que valha a pena sem a natureza”. Entrevista com Sandra Myrna Díaz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU