11 Setembro 2019
“A responsabilidade pelos recentes incêndios e desmatamentos no Brasil tem sido atribuída a oportunidades econômicas relacionadas às indústrias da mineração, da produção de madeira, da agricultura e da carne. Não é diferente do que está acontecendo nos EUA, com o governo Trump que retira o apoio a leis e políticas que protegem o meio ambiente.”
A opinião é do teólogo e diplomata estadunidense Miguel H. Díaz, professor da Cátedra John Courtney Murray de Serviço Público da Loyola University, em Chicago. Ele foi embaixador dos EUA junto à Santa Sé durante o primeiro governo do presidente Barack Obama.
O artigo é publicado por National Catholic Reporter, 10-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“A nossa casa está queimando. Literalmente. A floresta amazônica – os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta – está em chamas. É uma crise internacional.”
Essas foram as palavras tuitadas pelo presidente francês Emmanuel Macron no dia 22 de agosto, enquanto ele exortava os líderes do G7 a tomarem medidas comuns para impedir os incêndios na Amazônia que, como se pensa, foram deliberadamente iniciados.
Our house is burning. Literally. The Amazon rain forest - the lungs which produces 20% of our planet’s oxygen - is on fire. It is an international crisis. Members of the G7 Summit, let's discuss this emergency first order in two days! #ActForTheAmazon pic.twitter.com/dogOJj9big
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) August 22, 2019
Compare esse pedido urgente de solidariedade global em prol do nosso planeta com aquilo que o presidente de extrema direita do Brasil disse. Ecoando aquela que se tornou uma estranha tendência entre vários líderes mundiais para minar os fatos, Jair Bolsonaro descartou as conclusões do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil. O significativo aumento em 2019 de queimadas e desmatamento, de acordo com ele, é simplesmente “fake news”.
De modo semelhante à tendência que vimos aqui nos EUA com o governo Trump, a ideologia política de Bolsonaro mina os fatos, e suas políticas econômicas ameaçam a interdependência da vida no nosso planeta. Seus recentes comentários aos líderes europeus exemplificam a problemática abordagem política narcísica à segurança e à saúde globais que vemos surgindo em várias partes do mundo: “Vocês têm que entender que a Amazônia é do Brasil, não de vocês. Se toda a devastação que vocês nos acusam de fazer tivesse sido feita no passado, a Amazônia não existiria mais, seria um grande deserto”.
A importância global da preservação da Amazônia está bem estabelecida como um fato científico. Considerem-se as seguintes características dessa região tropical. A Amazônia é a maior área de floresta tropical do mundo e é rica em biodiversidade. Um quinto das espécies de aves do mundo vive lá, com mais de 300 espécies de beija-flores, apenas um exemplo da multiplicidade em um coletivo de aves. Ela abriga um terço das plantas com flores do mundo e mais de 16.000 espécies de árvores diferentes. Mais de dois milhões de espécies de insetos e uma em cada cinco espécies de peixes do mundo podem ser encontradas nessa região.
A floresta tropical da Amazônia gera chuva, que, por sua vez, afeta o fornecimento de água doce não apenas regionalmente, mas também globalmente. E, sem o suprimento adequado de água doce, a vida de plantas, animais e seres humanos fica ameaçada.
Como a National Geographic declarou recentemente, “a perda de apenas uma fração a mais dessa floresta geradora de umidade poderia levar uma área muito maior dela a secar, o que reduziria ainda mais as chuvas, em uma espiral autorreforçada”.
Todos nós precisamos saber que o desmatamento é uma mudança ecológica permanente e é considerada como uma das principais causas da crise climática global.
A responsabilidade pelos recentes incêndios e desmatamentos no Brasil tem sido atribuída a oportunidades econômicas relacionadas às indústrias da mineração, da produção de madeira, da agricultura e da carne. Não é diferente do que está acontecendo nos EUA, com o governo Trump que retira o apoio a leis e políticas que protegem o meio ambiente.
Por exemplo, o governo Trump retirou-se do Acordo do Clima de Paris de 2015, endossado por 185 Estados com o objetivo de reduzir as emissões de carbono. O governo Bolsonaro também diminuiu as proteções ambientais, comprometendo a saúde da região amazônica e de todos os seus povos.
As suas políticas até fizeram com que as comunidades indígenas envolvidas em conflitos étnicos deixassem de lado suas hostilidades a fim de se unirem para combater aquele que agora percebem como seu inimigo comum. Bolsonaro pode querer “tornar o Brasil grande”, mas suas políticas dispararam alarmes entre muitos, especialmente entre comunidades indígenas que têm uma longa história de relação com a Amazônia.
No início do próximo mês (6 a 27 de outubro), o Papa Francisco convocará o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, em Roma. Ele reunirá bispos e representantes eclesiais dos nove países da região pan-amazônica, incluindo representantes das populações indígenas. O papa nomeou o cardeal brasileiro Claudio Hummes para atuar como “relator geral” do Sínodo.
Já sabemos pelo documento preparatório que a opção pelos pobres, a preservação do ambiente natural e o desmatamento são temas centrais da pauta. Ninguém pode duvidar que a visão do Papa Francisco de uma “ecologia integral” é central para enfrentar as ameaças em curso à vida humana e às outras formas de vida na região amazônica.
Em seu magistério sobre o ambiente, a encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum, Francisco escreve extensivamente sobre a questão de uma ecologia integral, destacando as raízes humanas da crise ecológica, pedindo a conversão ecológica de mentes e corações.
O papa alerta contra a degradação ambiental e ao modo como o nosso fracasso em proteger o nosso planeta aprofunda cada vez mais a divisão entre ricos e pobres, provocando o maior impacto em populações já vulneráveis.
Sua leitura teológica dessa crise, na segunda seção da encíclica, não deixa dúvidas de que a antropologia e a ecologia caminham juntas. Como o papa nos convida a considerar, não é apenas a ciência que afirma a interdependência de toda a vida e a necessidade de preservar a biodiversidade, mas também as nossas tradições bíblicas e teológicas mais caras.
O segundo relato da criação (Gênesis 2-3) deixa esse ponto bem claro: Deus supra a vida a partir da terra comum e fértil (‘adamah), cria e diversifica toda a vida, incluindo a criatura humana (‘adham), e pretende que essa vida exista e sobreviva através da interdependência.
O fogo tem sido frequentemente usado na tradição cristã como símbolo de vida e vitalidade. Visto a partir dessa perspectiva, poderíamos pedir que o “fogo” queime na nossa casa. Mas sejamos perfeitamente claros: a nossa casa não pode queimar como resultado de ideologias humanas impulsionadas principalmente pelo lucro econômico.
O único fogo pelo qual os cristãos podem rezar e pedir intencionalmente é aquele associado à mão que trabalha na criação (Gênesis 2,5-9), à concepção de Jesus (Lucas 1,35) e ao nascimento da Igreja (Atos 2,1-13). É claro que estou falando do fogo associado ao Espírito de Deus, que os cristãos afirmam que é Senhor e doador da vida.
Em Pentecostes, os católicos celebram o Espírito que vem em línguas de fogo para dar vida e para preservar a biodiversidade da criação. Uma das leituras usadas durante a liturgia de Pentecostes é o Salmo 104. Esse salmo fala da grandeza de Deus e vincula essa grandeza à contínua agência criativa e sustentável de Deus em relação à Terra e a toda a sua biodiversidade.
Esse salmo se refere ao fogo e à sua chama como ministros de Deus. Fala das nascentes como águas vivificantes que nutrem abundantemente “as árvores do Senhor” (v. 16) O salmo louva a Deus por todas as maravilhas de Deus, pois, como o salmista afirma, “a todas fizeste com sabedoria; a terra está repleta das tuas criaturas” (v. 24) E, então, em um movimento que descentraliza o ser humano e coloca Deus como agente de uma história da criação que salva vidas, o Salmo 104 oferece a esperança de que a nossa terra ameaçada e a sua biodiversidade ainda possam ser salvas: “Envias o teu sopro e eles são criados, e assim renovas a face da terra” (v. 30).
Uma coisa é certa. A terra não pode ser “melhorada de novo”, a menos que lutemos contra a idolatria que pecaminosamente criou os deuses do lucro econômico, do privilégio racial e do abuso de toda a criação. Lutar contra esses ídolos nos abrirá para o encontro do mistério de Deus na nossa casa comum, um lar criado rico em diversidade, cujo sustento contínuo requer solidariedade com aqueles que foram tornados mais vulneráveis pela indiferença e pela pecaminosidade da nossa crise ecológica provocada principalmente pelo ser humano.
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Nossa “casa comum” está em chamas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU