28 Agosto 2019
A feliz história de "O sanctíssima, o piissima, dulcis Virgo Maria".
A reportagem é de Benno Scharf, publicada por L'Osservatore Romano, 26-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"A mais bela melodia religiosa já escrita". Esse entusiástico juízo sobre o canto mariano O Sanctissima foi formulado por um dos maiores músicos de todos os tempos: Ludwig van Beethoven. Mas antes dele, outro grande da música, Wolfgang Amadeus Mozart, se apaixonou por ele e quis harmonizá-lo, sem mudar a linha melódica.
As informações históricas sobre a origem desse canto são escassas e até contraditórias.
A primeira publicação ocorreu em Londres em 1785, em uma coletânea intitulada: A miscellaneous collection of French and Italian ariettas, com curadoria do famoso harpista Edward Jones. O título era: The prayer of the Sicilian mariners (A oração dos marinheiros sicilianos) e no comentário dizia-se que eles normalmente concluíam o dia cantando esse hino como oração vespertina.
A música apareceu sempre em Londres em novembro de 1792 nas páginas 385 e 386 da respeitada publicação "European Magazine and London Review", com o título Sicilian mariner’s hymn to the Virgin. O texto era acompanhado pela notação de forma simples. Sob a linha melódica, havia a segunda voz, sempre na rudimentar forma de terceira, enquanto em baixo aparecia um contracanto. Nenhum comentário era anexado à partitura e, portanto, só podemos lançar hipóteses sobre a origem do texto e da melodia.
Alguns anos antes, Wolfgang Amadeus Mozart, que morreu em 1791, fez uma sua transposição para coro à capela. Não se sabe onde o grande músico, que era conhecido por ouvir uma música e conseguir lembra-la, tivesse tido conhecimento de O Sanctissima. Talvez durante sua viagem a Nápoles em 1770 ou talvez durante suas duas estadias em Milão nos anos seguintes. Isso testemunha, no entanto, uma difusão da música fora da Sicília, pelo menos em Nápoles, se não em toda a Itália.
É surpreendente, no entanto, que a peça não apareça em nenhum dos vários repertórios de cantos sicilianos publicados no século XIX por talentosos filólogos, primeiro entre eles Giuseppe Pitrè. O mesmo vale para Il giovane provveduto, realizado por São João Bosco, que contém muitas canções marianas, mas não essa.
No entanto, O Sanctissima teve imediatamente grande difusão, tanto que, em 1807, o poeta e músico alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann o readaptou para coro e orquestra, retomando a melodia original apenas no fundo.
No mesmo ano, o texto apareceu na nova edição da grande coleção de canções de vários países europeus Stimmen der Völker em Liedern, com curadoria do filólogo alemão Gottfried Herder, que o definiu como "O melhor exemplo de música popular italiana". Ele relatou - o único caso em toda a coleção de cerca de 300 cantos - até a melodia original. Enquanto isso, o compositor austríaco Franz Joseph Haydn havia feito uma versão para coro a 4 vozes com acompanhamento.
Depois, em 1814, Beethoven retomou integralmente a melodia original, sem modificar nem mesmo uma nota, e transformou a peça em um grandioso motivo para coro a quatro vozes com instrumentos de corda e piano.
Vinte anos depois, Felix Mendelssohn Bartoldy, encarregado de organizar importantes celebrações públicas em Düsseldorf, mandou executar a versão original do canto com o seguinte juízo: "É uma música simples, mas as pessoas choram quando a ouvem".
Outros músicos conhecidos se renderam ao encanto dessa melodia sugestiva: de Gounod a Dvorak, de Luigi Picchi ao contemporâneo Marco Frisina.
O canto expressa a devoção a Maria. Na publicação de Londres de 1792, apenas é relatada a primeira estrofe que, traduzida literalmente, é assim: "Ó Santíssima, ó piissima, doce Virgem Maria! Mãe amada, incorrupta; ora, ora por nós".
No texto latino é dito: Mater amata, intemerata. O último adjetivo é agora comumente traduzido como "imaculada", mas esse significado parece improvável para uma oração setecentista, quando na devoção popular o acento recaia mais na virgindade de Nossa Senhora do que em ser concebida sem o pecado original.
As primeiras versões musicais, de Herder a Haydn e Beethoven, incluíam apenas a primeira estrofe acima mencionada. Somente mais tarde foram adicionados outras, de origem incerta. A segunda mais conhecida e frequente é esta: “Tu, consolo e refúgio, doce Virgem Maria! O que quer que desejemos, por ti esperamos. Ora, ora por nós.”
A bela melodia também agradou fora do mundo católico. Assim, já em 1816, o pastor luterano alemão Johannes Daniel Falk compôs uma canção natalina adaptando-a à melodia de O Sanctissima. Seu texto diz: “Jubiloso, venturoso tempo santo de Natal! Mundo perdido: Cristo é nascido! Rejubila, cristandade, no Senhor!.”
A peça, originalmente destinada apenas a animar o Natal das crianças órfãs, às quais o generoso Falk dava assistência, teve imediatamente grande sucesso, entrando nos livros de canto das igrejas protestantes e reformadas e, mais tarde, em 1975, no Gotteslob católico. As traduções em outras línguas se multiplicaram, enquanto no mundo alemão e escandinavo entrou no repertório dos grupos de trompetistas que ainda tocam hoje nas ruas ou do alto dos campanários na véspera de Natal.
A melodia também se espalhou além oceano e, em 2015, o conhecido musicólogo e compositor estadunidense Guy Carawan revelou que havia retomado os primeiros acordes como tema de sua famosa We will overcome. A notícia foi publicada por jornais importantes, como "The New York Times" e "The Atlantic", despertando o interesse de milhares de músicos, que com seus instrumentos queriam tocar a melodia original de O Sanctissima. Pode-se dizer, com certeza, que hoje é a mais conhecida de todas as canções religiosas italianas do mundo.
O Sanctissima, o piíssima, dulcis Virgo María!
Mater amáta, intemerata, Ora, ora pro nobis.
Tu solátium et refúgium, Virgo Mater María!
Quidquid optámus, per te speramus, Ora, ora pro nobis.
Ecce debiles, per quam flébiles, Salva nos, o María!
Tolle languores, sana dolores, Ora, ora pro nobis.
Virgo, réspice; Máter, adspice, Audi nos, o María!
Tu medicina, porta divina, Ora, ora pro nobis.
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O canto mariano que agradava a Beethoven - Instituto Humanitas Unisinos - IHU