22 Setembro 2014
A ex-diretora editorial da revista America, Karen Sue Smith, escreve sobre o livro Beethoven: The Man Revealed (Atlantic Monthly Press), uma biografia de um dos mais famosos músicos da história, escrita pelo jornalista e apresentador britânico John Suchet. A resenha foi publicada na revista America, dos jesuítas dos EUA, 15-09-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Aos 31 anos, Wolfgang Amadeus Mozart, apesar de não se sentir bem, estava trabalhando duro na composição da ópera Don Giovanni, quando foi convidado para ouvir um pianista de 16 anos de idade, vindo de Bonn e que tinha viajado até Viena, na esperança de estudar com ele. O adolescente tocou uma música preparada e, então, improvisou no piano. A improvisação impressionou Mozart. "Cuidado com o menino", ele disse às pessoas na sala ao lado. "Um dia ele vai dar ao mundo o que falar". Quatro anos mais tarde, Mozart era enterrado em uma vala comum. O adolescente que tinha tocado para ele, Ludwig van Beethoven, estaria indo para Viena, onde passaria 34 anos deslumbrando os amantes de música na Europa em cumprimento da profecia de Mozart.
Essa história, como o biógrafo John Suchet admite, é um relato de segunda mão escrito 60 anos depois da morte de Mozart, mas posiciona Beethoven como verdadeiro herdeiro musical de Mozart. Como Mozart, Beethoven foi um prodígio musical, apesar de seu pai não ter sido tão eficaz em comercializar o talento de seu filho como o pai de Mozart. Beethoven já dominava a totalidade do "Cravo Bem Temperado" de J. S. Bach aos 12 anos de idade. Aos 11 anos, Beethoven mostrou ao seu professor, Christian Gottlob Neefe, sua primeira composição para o piano. "As Variações de Dressler" são baseadas na obra de Ernst Christoph Dressler, um compositor alemão. Neefe, para seu próprio crédito, teve o cuidado de fazer com que o manuscrito de seu pupilo fosse publicado. Em seguida, Beethoven compôs três sonatas para piano, que, Suchet argumenta, merecem ser incluídas ao padrão da sonata no. 32. E aos 13 anos, Beethoven garantiu seu primeiro trabalho pago como assistente (não aprendiz) de organista da corte, cujo titularidade era de Neefe. Essas foram realizações extraordinárias.
Pode ser que Mozart nunca tenha dado uma única aula a Beethoven. A viagem de Viena foi interrompida quando chegou a notícia de que a mãe de Beethoven estava gravemente doente; ela morreu menos de três meses depois. Seis anos mais tarde, Beethoven, aos 22 anos, fez outra viagem para Viena, onde Joseph Haydn, 60 anos, lhe ensinou teoria musical e contraponto. Foi dessa vez que Beethoven soube que seu pai havia morrido. Durante anos, Beethoven tinha sido o arrimo da família, de modo que com a notícia, ele baixou a cabeça, longe de casa para fazer o seu nome. Estudou, apresentou-se, compôs e rapidamente causou impressão em Viena. Ele foi, escreve Suchet, "um pianista virtuoso, como nenhum outro visto na cidade, exceto Mozart".
O avô de Beethoven, Ludwig, tinha sido um Kapellmeister [mestre de capela], o músico líder em Bonn, proeminente na comunidade e estável financeiramente. Mas o pai de Beethoven, Johann, um jovem tenor talentoso, nunca atingiu seu potencial. Em vez disso, foi um notório alcoólatra que não conseguiu desenvolver seus talentos e se esquivou de seu papel de provedor da família. Felizmente, o pequeno gênio teve uma longa lista de outros mentores.
Os dois dramas centrais (ambas "tragédias") da vida de Beethoven compõem a leitura mais atraente do livro. Primeiro, Beethoven tinha problemas para formar relações estreitas recíprocas. Ele conseguiu fazer várias amizades importantes. Stephan von Breuning, por exemplo, o amigo mais próximo e mais duradouro de Beethoven, esteve a seu lado no dia de sua morte. Stephan tinha nascido em uma família aristocrática que praticamente adotou Beethoven como um membro, embora ele tivesse sido contratado para ensinar piano para as crianças. Fora isso, Beethoven fracassou repetidamente na intimidade. Apaixonou-se por várias mulheres e teve um romance genuíno - a "amada imortal" (ainda não identificada) para qual ele se dirige em uma famosa carta de amor. No entanto, Beethoven nunca encontrou uma companheira para casar. O que torna esse fato trágico é que Beethoven manifestava ter um coração extremamente grande, uma enorme paixão e um desejo descomunal de intimidade.
Um exemplo muito diferente também terminou de forma trágica. Após a morte de seu irmão Carl, Beethoven entrou com uma ação para a custódia de seu sobrinho, Karl. Isso teria dado a Beethoven um filho e um herdeiro. Mas uma vez que o tio Wolfgang ganhou a guarda de Karl, seu estilo dominante de tutela acabou por fazer o jovem ir embora. Considerando o seu próprio pai como modelo, não é de se surpreeender que Beethoven seria um fracasso como um pai substituto. Negligência não foi a falha de Beethoven, mas sim um excesso de zelo ao ponto de asfixia.
A surdez é o drama mais conhecido da vida de Beethoven, embora eu não tivesse percebido o quão jovem Beethoven era, ele tinha 26 anos quando começou a perder a audição. A surdez também é central e uma das passagem mais comoventes no livro de Suchet, através de uma descrição emocionante da estréia de sua Nona Sinfonia. As preparações incluíram os conflitos habituais e revezes que dificultavam qualquer concerto com Beethoven. Havia discussões sobre o local, os custos, os cantores e músicos, as datas de atuação e qual seria o condutor. Naqueles tempos, o compositor, agindo como o próprio agente, tinha que fazer todo esse trabalho e assumir todo o risco financeiro.
Dessa vez, Beethoven insistiu para conduzir a própria sinfonia, embora todos em Viena sabiam que o compositor mais importante da Europa estava completamente surdo. De alguma forma, Michael Umlauf foi contratado, mas apenas para ser o condutor de reserva. Depois de Beethoven subir o estrado, Umlauf se posicionou bem atrás dele. Beethoven conduziu a música, ouvindo-a apenas em sua cabeça, mas Umlauf conduziu os músicos, que tocaram "como se suas vidas dependessem disso". Depois de meses de antecipação, o público estava extasiado, e Umlauf conduzia a música em um ritmo mais acelerado. No acorde final, o público levantou-se para aplaudir o compositor, gritando seu nome e batendo os pés em sua homenagem. Mas Beethoven, alheio a isso, continuava a conduzir em um ritmo mais lento (eu assumo que ele tinha os olhos fechados em concentração). Vendo isso, a contralto tocou seu ombro, e ele acenou para a multidão. Suchet escreve: "Naquele momento, Beethoven se deu conta do dom que ele tinha dado ao mundo".
A referência clímax lembra um dos pontos mais significativos que Suchet faz nessa biografia de interesse geral que teve como objetivo mostrar Beethoven tanto como homem quanto como músico. O gênio musical de Beethoven, às vezes, levou-o a sentir extremo isolamento e rejeição; a surdez ampliou os efeitos. Certa vez, quando Beethoven pensou em suicídio, sua aceitação da responsabilidade pela sua genialidade o salvou. Ele percebeu que tinha sido lhe dado um dom musical a ser compartilhado com o mundo e sentiu a necessidade de usá-lo em sua totalidade. John Suchet, apresentador de rádio, estudioso e entusiasta de Beethoven, mostra como "o maior gênio musical da Europa", às vezes, cedeu à pressão, mas no final superou tudo e triunfou.
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Gênio em silêncio. Um livro sobre Beethoven - Instituto Humanitas Unisinos - IHU