15 Mai 2019
Matteo Salvini [ministro do Interior da Itália] e Luigi Di Maio [ministro do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Políticas Sociais da Itália] fariam bem em ler atentamente o último decreto do Papa Francisco sobre os abusos. E seria muito útil se ele também fosse lido pelo primeiro-ministro, Conte, que tem um vínculo particular com o Pe. Pio e, portanto, deveria se interessar pelo destino dos humildes.
O comentário é de Marco Politi, publicado em Il Fatto Quotidiano, 14-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O documento papal finalmente coloca a Igreja nos trilhos certos. O Avvenire, o jornal dos bispos, intitulou eficazmente: “Um guichê em cada diocese”. É o que a Conferência Episcopal Italiana (assim como 90% das dioceses do mundo) se recusa a fazer há quase dez anos. Somente no ano passado, sob a liderança do cardeal Gualtieri Bassetti, a CEI instituiu um Serviço Nacional de Prevenção e, nos últimos meses, está organizando a rede de serviços regionais. Veremos se esses guichês serão montados, porque, sem estruturas permanentes e visíveis de escuta, as vítimas não serão encorajadas a denunciar os criminosos que as abusaram.
O decreto de Francisco é fundamental, porque obriga as Conferências Episcopais de todo o mundo a entrar na linha dentro de 12 meses. Os pontos da virada são múltiplos. A obrigação de denúncia ao bispo de qualquer abuso praticado contra menores e “pessoas vulneráveis”. Isso também vale a qualquer restrição que, por meio de violência, ameaça ou abuso de autoridade, leve qualquer indivíduo a “realizar ou sofrer atos sexuais”.
Então, para sermos precisos: também é crime pressionar adultos para atos sexuais, servindo-se do poder clerical sobre as consciências. É aquilo que, para nos entendermos, alguns cardeais fizeram, como McCarrick nos EUA ou O’Brien na Escócia (ambos expulsos do Colégio Cardinalício por Francisco), quando levaram seminaristas ou padres maiores de idade para as suas camas. E é aquilo que fizeram centenas, senão milhares, de padres e bispos contra freiras em várias partes do mundo.
É um golpe preciso contra a atitude de omissão amplamente difundida no mundo eclesiástico. O decreto – e isto é igualmente importante – enfatiza que ao denunciante “não pode ser imposto qualquer ônus de silêncio a respeito do conteúdo” da denúncia. Uma revolução copernicana no que diz respeito à obrigação do silêncio imposto solenemente no passado.
Outro elemento crucial é o de ter estabelecido procedimentos precisos também em relação a qualquer bispo e patriarca (os cardeais são todos bispos) culpado de abuso ou encobrimento. Também foi estabelecido que o denunciante tem o direito de ser informado sobre o resultado do processo.
Será preciso voltar sobre toda a matéria, porque ainda há muito a ser feito para tornar orgânica a repressão aos abusos e a sua identificação dentro da Igreja. Mas, para Conte, Di Maio e Salvini, o artigo final do decreto é de direta relevância: o artigo 19. Ele se intitula “Observância das leis estatais”. E declara: “Estas normas aplicam-se sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em cada local pelas leis estatais, particularmente aquelas relativas a eventuais obrigações de assinalação às autoridades civis competentes”.
As associações internacionais das vítimas ressaltaram que o Vaticano deveria impor em todo o mundo católico a regra de que os crimes sejam denunciados à polícia e à magistratura. No Vaticano, oficiosamente, enfatiza-se que há países corruptos e não democráticos em que denúncias até mesmo falsas poderiam levar à eliminação de padres ou bispos incômodos. É uma observação para se refletir. Mas não pode ser, em caso algum, um álibi para não aplicar nos Estados democráticos a regra férrea de que os bispos informados devem denunciar às autoridades civis os abusos cometidos pelo clero. Existem normas nesse sentido nos Estados Unidos e na França.
Não há nenhum motivo para que o governo e o Parlamento italiano não adotem uma lei idêntica, que mencione explicitamente a responsabilidade da autoridade eclesiástica. Salvini, que valoriza tanto a soberania italiana, faça algo. Di Maio, que tanto fala de transparência, proponha essa norma de elementar civilidade. E o primeiro-ministro, Conte, tão ligado ao Pe. Pio também por razões familiares, leve ao Conselho de Ministros um decreto de proteção dos humildes abusados.
Certamente, seria um sinal de reavivamento se o Partido Radical, inspirando-se na coragem de Pannella, e as comunidades de base cristãs, que tantas vezes tomaram a palavra para denunciar a prepotência clerical, levassem ao Parlamento uma lei de iniciativa popular para implementar na Itália a regra da obrigação de denúncia sobre os crimes dos padres predadores.
Os homens do governo e os parlamentares distraídos podem ir ler o jornal Il Fatto Quotidiano do domingo passado. Ele fala do Pe. Giovanni Trotta, que foi processado e condenado pelo Santo Ofício por abuso e expropriação. Mas o Vaticano sugeriu ao bispo local que ele não dissesse nada para não perturbar os fiéis. Com o resultado de que Trotta continuou vestindo a batina e treinando um time de futebol de meninos. Resultado: outras 10 crianças abusadas (e uma condenação por apelação em Bari a 20 anos de prisão).
Se houvesse uma regra que obrigasse os bispos à denúncia, isso não teria acontecido. Portanto, não há mais álibis. Cabe à Itália dar-se as leis certas.
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Pedofilia: "Documento papal finalmente coloca a Igreja nos trilhos certos", avalia vaticanista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU