11 Mai 2019
Como será o "segundo tempo" do Papa Francisco em sua dramática batalha pela reforma da Igreja Católica?
Nós conversamos sobre isso com o vaticanista Marco Politi. Politi acaba de publicar um ensaio, para a editora Laterza, muito documentado sobre o que é, como o define Politi, o "segundo tempo" do pontificado de Bergoglio (M. Politi, La solitudine di Francesco. Un Papa profetico. Una Chiesa in tempesta (A solidão de Francisco. Um Papa profético Uma Igreja na tempestade, em tradução livre), Ed. Laterza, p. 238. € 16). Atualmente, Politi é colunista do "Fatto quotidiano" e colabora com prestigiosos jornais estrangeiros, como BBC e CNN.
A entrevista é publicada por Confini, 10-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Marco Politi, o seu livro é uma análise extremamente documentada do "segundo tempo" do pontificado de Bergoglio. Existem muitos desdobramentos de sua análise. Vamos começar, então. O que emerge da leitura é a ideia de um pontificado dramático. É assim?
Nós devemos encarar a realidade. Longo ou curto, estamos na metade de um pontificado ladeira acima e os "lobos" conservadores já estão manobrando para influenciar o futuro conclave, sistematicamente deslegitimando Francisco e preparando dossiês contra possíveis candidatos reformistas. O diretor da Civiltà Cattolica, padre Spadaro, afirma publicamente que este é um pontificado dramático em que cardeais aparecem atacando o papa e ateus a defendê-lo.
Sabemos que o Papa Francisco mexeu em alguns esquemas clericais. Aliás, poderíamos dizer, ele os detesta. Tudo isso desencadeou uma guerra, poderíamos dizer, dentro da Igreja implementada pelos setores mais conservadores. Eles usam armas convencionais e não convencionais, de sites a arquivos venenosos. Sem mencionar os setores políticos de direita. Diante de tudo isso, a reação do Papa não lhe parece fraca ...
Eu quis relatar a "guerra civil" em andamento na Igreja. A oposição conservadora e tradicionalista está colocando em prática uma escalada de agressividade sem quartel. As vozes oficiosas do Vaticano tendem a dizer que os signatários de determinados documentos, que até acusam o papa de heresia, são poucas e não importantes. Minimizar está errado. Todo teólogo, todo bispo, todo cardeal que assina um ato de acusação contra Bergoglio é a ponta de um iceberg, que representa uma rede muito mais ampla de oposição.
A recente intervenção de Ratzinger sobre os abusos sexuais e sobre o "colapso moral" da Igreja após 1968 agravou a situação. Os conservadores agora jogam a carta do papa contra o papa. Bento XVI vê a raiz do mal no enfraquecimento da moral católica, Francisco indica o mal fundamental do clericalismo que produz abusos de poder, de consciência e sexuais. Francisco não responde aos ataques porque não quer aprofundar a cisão dentro da Igreja, mas assim também desencoraja seus apoiadores a se manifestar publicamente contra os opositores das reformas.
Você afirma no livro que Francisco está sozinho, em que sentido?
O papa argentino está entre a cruz e a espada. De um lado, as forças conservadoras doutrinárias internas da Igreja e, de outro, os círculos econômicos e políticos, que consideram contrários a seus interesses a insistência do pontífice sobre as injustiças sociais, sobre as novas formas de escravidão (sexual e trabalhista), sobre a destruição do meio ambiente que, por sua vez, impacta diretamente a degradação social.
O cardeal Kasper disse: "Há ambientes que não gostam de Francisco e gostariam que não estivesse ali". O isolamento em que o papa se encontra é aumentado pela escassa mobilização do mundo católico: muitos estão do seu lado, mas relativamente poucos se envolvem ativamente nas paróquias e dioceses para apoiar as reformas. No plano geopolítico, a onda soberanista na Europa e na América o coloca ainda mais em dificuldade, com o choque entre egoísmos nacionais e visão multilateral do bem comum (a posição da Santa Sé).
Nestes seis anos de pontificado, o Papa Francisco teve que enfrentar temáticas enormes para a Igreja Católica: da pedofilia aos migrantes. Sem esquecer a questão da comunhão para os fiéis recasados. Realmente grandes problemas! Como administrou esses problemas? Na “gestão” apareceram limites?
Com seus documentos mais recentes sobre as medidas contra os abusos, o papa está demonstrando ter entendido que não podia contar com os episcopados das várias nações: 90% são totalmente inertes sobre o assunto. Clamoroso, por exemplo, foi o fato de que a hierarquia chilena o tenha enganado sobre as dimensões do "escândalo Karadima". Sobre a questão do diaconato feminino, Francisco não está avançando: as mulheres católicas mais envolvidas estão decepcionadas. No campo financeiro, fez muito no IOR, mas há sombras em outros setores. No entanto, seu comprometimento com a questão dos migrantes é contínuo e de ampla visão. Finalmente, ele libertou a Igreja Católica da obsessão sobre as questões sexuais; não há mais demonização da pílula e da homossexualidade e, finalmente, a comunhão para os divorciados recasados.
Vamos falar sobre os pontos firmes deste pontificado: nestes seis anos de pontificado, Francisco tentou "redefinir", com atos e gestos importantes, a figura de Papa na Igreja Católica. Ou seja, torná-la mais evangélica... É assim?
Com gestos e palavras, ele mostrou que não é mais possível uma Igreja monárquica com um pontífice-imperador. Francisco deseja uma Igreja-comunidade, sinodal, na qual os bispos, juntamente com o Papa, orientam a Igreja e os leigos (homens e mulheres) estejam plenamente envolvidos na evangelização.
Outro ponto firme do Pontificado é o ecumenismo e o diálogo com o judaísmo e o islã. O Papa foi realmente corajoso e provou ser um autêntico "filho" do Vaticano II. Como isso é vivenciado dentro da Igreja?
O ecumenismo deu importantes passos à frente com ele. Ele teve o encontro, pela primeira vez, com Kirill, patriarca ortodoxo de todas as Rússias. Ele celebrou os 500 anos da Reforma de Lutero com os luteranos. Depois de 1400 anos, ele assinou um documento de entendimento fraterno com uma das mais altas autoridades do Islã. É claro que isso não agrada àqueles que exaltam dogmaticamente a superioridade da Igreja Católica e àqueles que, dentro e fora da Igreja, pregam o choque de civilização com os muçulmanos.
O último ponto firme é a igreja "hospital de campo". E isso se cruza com a política, tanto italiana quanto internacional. Para nos limitarmos à italiana, o Papa está nos antípodas da Liga (Nota de IHU On-Line: partido político de direita da Itália, liderada por Matteo Salvini). No entanto, a "catequese" da Liga penetra no povo de Deus. Quão permeável é isso?
Na Itália, a popularidade de Francesco caiu de 88%, em 2013, para 72%, em 2018. Não há dúvida que nisso infere a onda xenófoba presente no país. A narrativa pública da Liga representa, de fato, uma posição antipapista em muitos temas, além de professar-se em sintonia com os católicos tradicionalistas seguidores da "opção Bento".
Quais serão os próximos desafios do segundo tempo de Bergoglio?
Concluir a reforma da Cúria. Inserir cada vez mais mulheres em posições de tomada de decisão. Tornar plenamente transparentes todos os setores das finanças do Vaticano e, acima de tudo, levar as Igrejas locais de todos os continentes a um combate decisivo contra a pedofilia, criando estruturas de escuta e ressarcimento para as vítimas. O recente decreto dos últimos dias, que regulamenta as investigações sobre bispos e cardeais culpados ou negligentes, é um passo decisivo à frente.
Última pergunta. Voltemos à origem de tudo, que para um lutador jesuíta como Bergoglio é a razão de vida: quem é o Deus do Papa Francisco?
"Deus não é católico", dizia Madre Teresa de Calcutá. O Deus pregado por Francisco não é confessional, está presente para todos os homens nas culturas, basta que o procurem. Ele é o Deus do discurso das Bem-aventuranças anunciado por Cristo.
Capa do livro "La solitudine di Francesco. Un Papa
profetico. Una Chiesa in tempesta", de Marco Politi
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"Estamos no ‘segundo tempo’ de um pontificado dramático". Entrevista com Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU