21 Fevereiro 2019
Igreja e homossexualidade, uma lenta e cansativa aproximação. Das condenações de Pio V (1504-1572), com a famigerada bula em que os “sodomitas” eram acusados de ser mais ou menos o mal do mundo, à acolhida dos nossos dias em que “há a tentativa de olhar sem preconceitos para uma situação existencial perturbadora para a sensibilidade cristã, mas que seria injusto julgar a priori como absolutamente incapaz de encarnar valores humanos e cristãos”, observa o padre Maurizio Faggioni, teólogo moral, médico e bioeticista, autor de inúmeros estudos sobre o assunto.
A reportagem é de Luciano Moia, publicada por Avvenire, 19-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“As aberturas para uma acolhida positiva das pessoas homossexuais e das suas qualidades, e de valorização de aspectos de uma relação homossexual levantaram uma perplexidade compreensível e reservas durante as discussões do duplo Sínodo sobre a família, em 2014-2015. A Amoris laetitia, no fim, reitera o Magistério anterior, sublinhando, mesmo assim, aspectos importantes como a dignidade de cada pessoa ‘independentemente da orientação sexual’, o compromisso de evitar ‘qualquer sinal de discriminação injusta’ e ‘toda a forma de agressão e violência’, a garantia de um respeitoso acompanhamento às famílias ‘para que aqueles que manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida” (AL 250).
Houve aberturas mais significativas durante o debate e nos outros documentos sinodais?
Em relação ao Relatório final, o Relatório após a discussão apresentado como síntese dos trabalhos da primeira semana do Sínodo extraordinário de 2014 tinha um fôlego pastoral mais audaz e se propunha a se mover em uma linha de continuidade, mas também de aprofundamento do magistério anterior. O magistério pós-conciliar abandonou os tons punitivos da Tradição, considerou a orientação homossexual em si como não culpável, reivindicou a dignidade e os direitos das pessoas homossexuais como pessoas e filhas de Deus. O Relatório após a discussão propunha valorizar o papel das pessoas homossexuais na comunidade cristã e buscava captar os elementos positivos que uma relação homoafetiva pode conter.
E quais elementos ele evidenciava?
No número 50, afirmava-se que “as pessoas homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã” e se perguntava: “Somos capazes de acolher essas pessoas, garantindo-lhes um espaço de fraternidade nas nossas comunidades? Muitas vezes, elas desejam encontrar uma Igreja que seja casa acolhedora para elas. As nossas comunidades são capazes de sê-lo, aceitando e avaliando a sua orientação sexual sem comprometer a doutrina católica sobre a família e o matrimônio?”.
Porém, ainda estávamos presos a uma série de interrogações.
O Sínodo interceptava perguntas que emergem em algumas Igrejas locais e aceitava corajosamente o desafio, mas com grande prudência, porque o que está em jogo aqui é a compreensão cristã do amor e da sexualidade. O próprio Relatório, nos dois pontos seguintes (51 e 52), tirava as consequências dessa perspectiva explicando que: “A questão homossexual nos interpela em uma séria reflexão sobre como elaborar caminhos realistas de crescimento afetivo e de maturidade humana e evangélica” e, por fim, dava voz a uma abertura muito inovadora: “Sem negar as problemáticas morais conectadas às uniões homossexuais, reconhece-se que há casos em que o apoio mútuo até o sacrifício é um apoio precioso para a vida dos parceiros” (n. 52).
Em suma, dizia-se que o amor homossexual também é digno de ser valorizado em uma perspectiva cristã?
Poderíamos dizer isso. Seria difícil – até onde posso entender – sustentar a conciliabilidade de uma prática homogenital com o paradigma da antropologia e da ética sexual católica, mas seria injusto não apreciar aquilo que uma relação sustentada por um afeto homossexual poderia às vezes expressar de bom. Se duas pessoas, dentro da relação amigável intensa e por causa dessa relação, chegam a implementar valores humanamente significativos, como a lealdade, a partilha, a ternura, a escuta, a ajuda, o serviço até o sacrifício, como é possível negar que essa relação, apesar de tudo, possa produzir, pela graça de Deus, algo de bom?
Hoje, essa é a posição da teologia moral? Pelo menos daquela que está buscando laboriosamente um equilíbrio entre tradição e inovação?
A Igreja que se debate hoje com essa e outras questões candentes precisa da verdade e da misericórdia, do diálogo e da sabedoria, mantendo o olhar fixo no ideal que reflete a glória do imago, sem esquecer que o esplendor da Luz se escondeu na kenosis da Encarnação. Em uma parte da teologia, registram-se avanços para posições morais que soam muito dissonantes em relação ao ideal antropológico cristão, mas o debate merece ser abordado mesmo assim. Uma pergunta inevitável é se são possíveis releituras e aprofundamentos das posições tradicionais católicas, que possam permitir permanecer fiéis ao paradigma da ética sexual cristã, mas, ao mesmo tempo, abram a formas de integração e de valorização das sexualidades, por assim dizer, “alternativa” que se apresentam mais ou menos disformes em relação ao ideal.
No entanto, continua havendo uma grande atenção para não fazer confusão entre o matrimônio sacramental entre homem e mulher e outros tipos de união.
Aqui também a Amoris laetitia levanta uma barreira insuperável quando afirma que “não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família” (n. 251). A visão do amor conjugal do Magistério católico – que eu compartilho plenamente e que considero como um dom para toda a humanidade – leva-nos a excluir vínculos de natureza até mesmo analogicamente matrimonial entre pessoas homossexuais. Parece-me, no entanto, razoável manter uma posição mais flexível em relação a alguns direitos das pessoas que vivem um vínculo existencial profundo e duradouro.
Há situações como, por exemplo, uma decisão médica para um paciente desprovido de conhecimento, nos quais a palavra de um/a companheiro/a homossexual pode ser mais expressiva da vontade do sujeito do que a de um consanguíneo. Existem aspectos patrimoniais que devem ser regulados com equidade, como a herança de uma casa comprada com os esforços comuns de um casal homossexual ou como a reversibilidade da pensão para um/a companheiro/a que cuidou durante anos do/a companheiro/a doente. Em suma, poderia ser oportuno para a ordem social e a justiça reconhecer alguma relevância jurídica para o casal homossexual estável, mesmo que isso não possa levar ao chamado matrimônio homossexual ou ao equivalente homossexual do matrimônio, nem deveria ser feito em detrimento da família natural.
A adoção pelos casais homossexuais também continua sendo inaceitável para a antropologia católica. Quais são os fundamentos que impedem que essa possibilidade possa ser levada em consideração?
A falta de fecundidade da relação homossexual é uma consequência da falta de diferença sexual. Ela é um sinal, na verdade, da radical incompletude do casal homossexual em relação ao casal conjugal. No casal heterossexual, a impossibilidade física de gerar tem um significado diferente do que no casal homossexual, porque, mesmo que o amor conjugal não consiga se encarnar concretamente no filho por algum obstáculo acidental, ele mantém íntegra, mesmo assim, a sua abertura para acolher a vida: a adoção do filho permite que o casal estéril expresse a intrínseca fecundidade do seu amor como capacidade de acolher uma nova vida. No casal homossexual, por sua vez, não está antecipada a abertura à vida que é intrínseca ao amor conjugal.
Por isso, teme-se que uma criança eventualmente adotada – como é permitido em algumas legislações – não encontre no casal homossexual o contexto antropológico de que necessita para um desenvolvimento psicoafetivo harmonioso e sadio. O tema é muito controverso, tanto pela não univocidade e incompletude de dados empíricos até aqui coletados, quanto pela abordagem do problema que já se difundiu na cultura jurídica secular que tende a privilegiar mais o direito dos adultos a adotar do que o melhor interesse do menor.
Mas hoje já há casais homogenitoriais presentes nas nossas comunidades. Eles pedem os sacramentos para os seus filhos, pedem para ser valorizados por aquilo que podem oferecer. É difícil não abordar o problema.
A possibilidade de adoção em alguns países e a presença de crianças confiadas a casais homossexuais suscitam delicados problemas psicológicos e pastorais que a Igreja deve enfrentar com coragem e sabedoria. Por um lado, não podemos equiparar o casal homossexual com o casal conjugal; por outro lado, a Igreja sente o dever de cuidar e de acolher esses pequenos. Hoje falamos sobre como acolher os filhos dos casais homogenitoriais, perguntamo-nos sobre os novos paradigmas teológicos.
Quando começaram os primeiros sinais de degelo após os fechamentos dos últimos séculos?
O magistério pós-conciliar interveio vários vezes sobre o tema da homossexualidade sem se distanciar, do ponto de vista do juízo objetivo, da atitude negativa da tradição, mas levando em conta tanto os dados provenientes das ciências humanas, quanto da reflexão teológica, quanto ainda de uma atitude geral de respeito pelas pessoas e pelas suas histórias. É importante a distinção introduzida entre atos homogenitais e orientação homossexual. Os atos homogenitais, por quem quer que sejam feitos e em qualquer contexto, continuam sendo julgados como inaceitáveis para a moral católica que tem como modelo a relação esponsal homem-mulher.
A orientação homossexual, no entanto, mesmo que desordenada em relação ao paradigma heterossexual, não pode ser julgada como culpada: de fato, há um amplo consenso de que a orientação homossexual não deriva de uma escolha nem mesmo de um hábito que resulte na repetição de atos homogenitais, mas está profundamente enraizada na pessoa desde os primeiros anos de vida, senão até, em certa medida, antes do nascimento. Ser homossexual, em suma, não é pecado, mesmo que a orientação homossexual se incline a realizar atos sexuais que não estejam em conformidade com o ideal ético cristão. A absolvição da responsabilidade moral da condição homossexual não resolve, entretanto, a questão da vida afetiva e sexual dos homossexuais que se veem impedidos de qualquer possibilidade de intimidade sexual legítima e que, portanto, são convidados a uma continência perpétua.
Isso está destinado a permanecer como um ponto insuperável, ou as diversas frestas abertas por alguns teólogos acabarão modificando essa norma moral?
Na visão cristã, a sexualidade é a linguagem da comunhão e da abertura à alteridade. Para constituir uma relação totalizante como o matrimônio, não basta, porém, simplesmente se abrir para outra pessoa, independentemente do seu sexo, como na relação amigável. Diante de um homem, só uma mulher pode constituir uma plena alteridade e vice-versa. Aqui reside o limite intrínseco da relação homossexual: na relação homossexual a pessoa não sai e não pode sair do círculo do eu para se autotranscender e encontrar o outro-de-si que é também um outro sexual. Não é suficiente, obviamente, ser heterossexual para realizar automaticamente uma comunhão total com o outro cônjuge, mas falta à relação homossexual a própria possibilidade de se tornar plenamente esponsal, de modo que até a relação homossexual mais intensa e significativa permanece imperfeita em relação ao ideal do casal conjugal. Nesse contexto, a união sexual, não podendo expressar uma comunhão esponsal, total e recíproca, apresenta-se de modo insuperável como linguagem ambígua.
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O desafio de reler o paradigma da sexualidade cristã. Entrevista com Maurizio Faggioni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU