30 Agosto 2018
“Quem pensou e geriu essa operação visando a expulsar Francisco do trono de Pedro não se deu conta de que um ataque desse tipo envolveria os seus dois antecessores.” Massimo Faggioli, professor de Teologia e Estudos Religiosos na Villanova University, na Filadélfia, explica assim o que aconteceu no último fim de semana: a publicação em uníssono pela rede midiática antipapal do relatório escrito pelo ex-núncio Carlo Maria Viganò.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada em Vatican Insider, 29-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Esse documento termina com o surpreendente pedido de renúncia do atual pontífice por ter “encoberto” o idoso cardeal Theodore McCarrick, molestador de jovens padres e seminaristas, reduzido ao silêncio e expulso do Colégio Cardinalício pelo próprio Francisco em julho passado, depois da credível denúncia de um abuso de um menor de idade.
“O pedido de renúncia – explica Faggioli – mostra o estado de uma certa oposição contra Francisco, em particular nos Estados Unidos: a ala mais conservadora parece tão desesperada a ponto de aceitar o risco de prejudicar a memória de João Paulo II e, principalmente, de envolver Bento XVI.”
Viganò afirma que, em 2009 ou 2010, Bento XVI teria sancionado McCarrick secretamente. Se o ex-núncio diz a verdade, o Papa Ratzinger estaria ciente das acusações contra o cardeal agora aposentado e teria decidido puni-lo, mas sem dar notícia dessas sanções ou restrições.
Os fatos, porém, demonstram que McCarrick, apesar da suposta sanção, não levou uma vida retirada e, por nada menos do que três vezes no espaço de 13 meses, foi a Roma, no Vaticano, encontrando-se precisamente com o pontífice que o teria punido.
Os encontros – documentadas também nos boletins vaticanos – teriam ocorrido em janeiro e em abril de 2012 e, depois, em fevereiro de 2013. Se Bento sabia e havia sancionado o purpurado estadunidense, as informações que ele tinha recebido não deviam ser tão evidentes, fundamentadas graves a ponto de preverem, por sua vez, uma sanção pública. E em várias ocasiões o próprio Viganò, como núncio nos Estados Unidos, mostrou-se sorridente ao lado do suposto abusador “sancionado” McCarrick, sem mostrar preocupação nem dar sinais de indignação como faz hoje, pelo contrário, pedindo a renúncia do primeiro papa que puniu duramente o próprio McCarrick.
A rede midiática – com as suas ramificações italianas e estadunidenses – que colaborou com Viganò na elaboração do documento e o levou a publicar suas acusações durante a viagem de Francisco à Irlanda também buscou o patrocínio de Bento XVI.
Quem contou isso ao New York Times foi Timothy Busch, advogado conservador, um dos administradores da Eternal Word Television Network (EWTN), que há duas semanas recebeu – junto com outros jornalistas e expoentes do mundo católico conservador – o dossiê de Viganò.
Busch disse ao jornal estadunidense que “os responsáveis pela publicação tinham lhe assegurado pessoalmente que o Papa Emérito Bento XVI confirmou o relato do arcebispo Viganò”. Mas essa notícia é desmentida pelo secretário particular de Joseph Ratzinger, o arcebispo Georg Gänswein. Ao jornal La Stampa, ele disse: “Afirmo com força: é uma fake news, uma mentira!”, acrescentando que o papa emérito não comentou o dossiê nem o fará.
Enquanto isso, a Igreja dos Estados Unidos está em tumulto. O cardeal Daniel DiNardo, presidente da Conferência Episcopal, espera que as questões levantadas pelo relatório recebam respostas e reitera seu pedido de uma visita apostólica à Igreja estadunidense.
Também chegam vários atestados de estima por Viganò, em alguns casos unidos ao pedido de investigações sobre o relatório. Curiosamente, há uma ala de pastores estadunidenses que, diante de um ataque tão frontal, que ocorreu no dia em que Francisco celebrava a Jornada Mundial das Famílias, não consideram manifestar de modo algum sua proximidade ao papa, mas, ao contrário, expressam uma imediata solidariedade ao seu acusador, que pede a sua renúncia.
O arcebispo de Filadélfia, Charles Chaput, declarou que “não tem conhecimento” de elementos que lhe permitam comentar a veracidade das alegações do ex-núncio, mas faz questão de informar o seu parecer positivo sobre o trabalho dele como núncio apostólico, “caracterizado por integridade em relação à Igreja”.
O bispo de Madison, Robert Morlino, expressou a sua decepção com a decisão do papa de não responder e seu ceticismo em relação à capacidade da mídia de analisar o dossiê com “maturidade profissional”. Ele também quis afirmar a sua estima pessoal por Viganò, definindo as acusações como “reais e concretas” e afirmando a necessidade de uma investigação.
Thomas Olmsted, bispo de Phoenix, disse não ter conhecimento direto dos fatos, mas descreveu Viganò como uma pessoa digna de confiança e pediu que as suas acusações sejam investigadas.
A mesma coisa foi invocada pelo bispo da cidade texana de Tyler, Joseph Strickland, que, falando “como pastor” aos seus fiéis, afirmou que considera credíveis as acusações e ordenou que seus padres incluam essa sua declaração nas celebrações dominicais e a publiquem nos sites e nos perfis social das paróquias.
“Alguns bispos estadunidenses – afirma o professor Faggioli – parecem ter uma mentalidade paracismática. Para eles, o papa não existe. Estão tão pressionados pelos leigos e por uma parte dos seus padres pelo escândalo dos abusos que têm medo de serem atacados nas ruas. Assim – continua o estudioso – agora descarregam toda a responsabilidade sobre o Vaticano para se apresentarem como aqueles que exigem justiça e verdade. Eles apoiam o pedido de Viganò, esperando que prejudique Francisco, sem se darem conta de que isso prejudicará mais João Paulo II e Bento XVI.”
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O dossiê contra o papa e a crise da Igreja estadunidense: nem Wojtyla nem Ratzinger escapam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU