08 Agosto 2018
Embora chefes de Estado se preparem para viajar ao Marrocos em dezembro para a adoção antecipada do Pacto Global por uma Migração Ordenada, Regular e Segura, nenhuma participação individual está sendo tão esperada como a de Papa Francisco.
A reportagem é de Christopher White, publicada por Crux, 07-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Mesmo sendo mais conhecido como pastor de mais de um bilhão de católicos em todo o mundo, o Papa também é chefe do Vaticano e, como Crux já havia relatado, a Santa Sé tem sido louvada tanto por países quanto pela sociedade civil, devido ao seu papel de pressionar o Pacto Global, em meio a tensões extraordinárias sobre a migração.
O Pacto Global, que foi finalizado no mês passado após dois anos de consultas e negociações, oferece as melhores práticas de migração que países membros do mundo inteiro devem utilizar na implementação de suas próprias políticas.
Como o pacto - que não é juridicamente vinculante - entra em sua fase de implementação, muitos envolvidos no processo acreditam que, se Francisco viajar ao Marrocos para legitimar a adoção, sua presença poderia dar aos outros estados a energia moral necessária a uma aplicação a longo prazo.
Na última primavera, o rei Mohammed VI convidou formalmente Francisco para uma visita de Estado ao país - visto por muitos observadores do Vaticano como pretexto para a presença de Francisco na reunião da ONU.
Embora nem a Missão da Santa Sé nas Nações Unidas nem o escritório do Vaticano para Migrantes e Refugiados comentem sobre a possibilidade da participação do Papa no evento, várias fontes disseram ao Crux que um convite oficial do Secretário-Geral da ONU é iminente.
Se Francisco escolhesse aceitar esse convite, ele se tornaria o segundo Papa a viajar para o país. João Paulo II visitou em 1985. A visita do falecido Papa ao Marrocos há mais de 30 anos atraiu manchetes, pois foi a primeira vez que um pontífice romano havia sido convidado a visitar um país muçulmano pelo seu chefe de Estado, e não pela Igreja local.
Na época, João Paulo II falou francamente sobre os riscos de tal visita, observando que se fosse um "experimento" - uma descrição que alguns dizem ser uma maneira adequada de caracterizar a potencial visita de 2018, e que os defensores acreditam ser totalmente necessário, para o papado de Francisco.
Kevin Appleby, que participou do processo de negociação do Pacto através da Rede Internacional Scalabriniana de Migração (SIMN, sigla em inglês), disse ao Crux que há uma certa preocupação com as incertezas de como o pacto será implementado no futuro e que aliar Francisco a ele envolve certos aspectos políticos e um risco digno de deixar alguns diplomatas do Vaticano cautelosos.
No entanto, Appleby acredita que os benefícios potenciais superem os riscos, e que Francisco, conhecido por gestos audaciosos e ousados, como trazer de volta uma dúzia de refugiados sírios para Roma depois de sua visita à ilha grega de Lesbos em 2016 - sabe que um movimento poderia ser necessário para reforçar o futuro dessa aliança.
Em 2017, antes de as negociações oficiais estarem em andamento, os Estados Unidos desistiram do processo. Apenas alguns dias após o acordo final, a Hungria seguiu o exemplo. A Austrália deu a entender que eles poderiam eventualmente fazer o mesmo, deixando alguns delegados da ONU ansiosos sobre o desmoronamento do pacto antes mesmo de ter uma chance de ser implementado.
Appleby acredita que, se Francisco viajar para o Marrocos, "ele poderá combater qualquer movimento liderado pelos Estados Unidos em relação ao pacto, mantendo as nações comprometidas com isso".
"Se ele fizer isso, é menos provável que algo ruim aconteça. Isso faria toda a diferença e chamaria a atenção de governos em todo o mundo”, disse Appleby ao Crux.
Durante a década de 90, a autoridade moral do Papa João Paulo II provou ser um fator decisivo em várias reuniões de alto nível da ONU. Tanto na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em 1994, no Cairo, como na Conferência Mundial sobre as Mulheres, em 1995, a Santa Sé serviu como uma força crucial na prevenção dos esforços do governo Clinton para consagrar os direitos reprodutivos como parte do direito internacional. O Papa nunca esteve fisicamente presente nesses eventos, e sua presença foi certamente sentida.
No entanto, se há duas décadas a Santa Sé estava usando sua influência para bloquear os esforços da comunidade internacional, o Pacto Global apresenta uma oportunidade para o Vaticano reforçar a colaboração dos países em uma questão que está próxima ao coração deste Papa.
"Com a eleição papal coincidindo com a grande crise e o caos que caracterizaram os movimentos massivos de pessoas através das fronteiras internacionais, estimados em cerca de 265 milhões, o Papa Francisco colocou o cuidado de migrantes e refugiados entre suas principais prioridades pastorais", disse Dom Bernardito Auza, núncio papal das Nações Unidas, ao Crux.
Tal preocupação é a razão pela qual, em várias entrevistas com delegados de países que participaram das negociações do pacto, suas respostas foram unanimemente positivas ao discutir a possibilidade da presença do Papa em Marrocos.
“Não são muitos os líderes que defendem os direitos dos mais vulneráveis - e entre eles estão os migrantes”, disse um delegado ao Crux.
O entusiasmo da comunidade internacional é acompanhado pela sociedade civil - cujos líderes veem isso como um momento que pode consagrar anos de trabalho na frente da migração. "Sua presença física seria extraordinária. O testemunho de Francisco sobre isso, especialmente seu foco na população, é muito apreciado", disse monsenhor Robert Vitillo, secretário-geral da Comissão Católica Internacional de Migração, com sede em Genebra.
Em dezembro de 2015, representantes de 196 estados se reuniram em Paris, onde elaboraram um acordo histórico sobre mudanças climáticas. Embora Francisco não tenha aparecido presencialmente na ocasião, a Santa Sé trabalhou nos bastidores durante anos para ajudar a intermediar o acordo, e a encíclica do Papa sobre o meio ambiente, Laudato Si’, é amplamente creditada por ajudar a pavimentar o caminho.
O Acordo de Paris ocorreu como parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, o Padre Jesuíta Michael Czerny, subsecretário do Escritório de Migrantes e Refugiados do Vaticano, disse ao Crux que o Pacto Global sobre Migração não é uma convenção e nem um tratado.
"É algo novo: uma estrutura cooperativa e não juridicamente vinculativa. Há uma convicção subjacente: nenhum estado pode abordar a migração por conta própria", disse Czerny.
“O pacto também deve tornar a cooperação mais fácil e eficaz, como entre Bangladesh e Mianmar, para resolver as dificuldades do povo Rohingya, entre os países sul-americanos que recebem muitos venezuelanos e para Uganda, que abriga mais de um milhão no sul do Sudão”, acrescentou Czerny.
Tal convicção subjacente, descrita por Czerny, certamente se alinha com a visão de Francisco para a migração, onde ele repetidamente pediu a ação coletiva e comunitária.
Como a decisão do presidente Donald Trump de se retirar do Acordo de Paris ameaçou pôr em risco esse processo, alguns acreditam que a presença de Francisco em Marrocos poderia garantir uma implementação mais forte para que não sofresse um destino semelhante ao Pacto.
"O Santo Padre entende que precisa haver uma defesa mais pró-ativa sobre algumas questões da Santa Sé. Declarações e encíclicas têm o seu lugar, mas é necessário haver uma defesa mais ativa dos migrantes no mundo”, disse Appleby ao Crux.
“Sua presença e sua voz irão sinalizar que o Pacto é provavelmente a questão social mais urgente que o mundo enfrenta hoje”, concluiu.
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Pacto Global pela Migração: Esperanças de que Francisco visite o Marrocos em dezembro para encontro da ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU