10 Julho 2018
Na missa em São Pedro com os refugiados e aqueles que os auxiliam, no quinto aniversário da viagem a Lampedusa, Francisco denuncia as contínuas mortes no Mediterrâneo, apela a uma divisão equitativa das responsabilidades e pede para não se construírem muros.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada em Vatican Insider, 06-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Quantos pobres hoje são pisoteados! Quantos pequenos são exterminados!” Cinco anos após a visita a Lampedusa (8 de julho de 2013), primeira viagem em absoluto do seu pontificado, o Papa Francisco celebrou uma missa em São Pedro com 200 pessoas, entre refugiados sobreviventes da viagem à Europa, expoentes dos seus socorristas no Mediterrâneo – aos quais expressou “gratidão” como exemplo atual do Bom Samaritano – e representantes das organizações que os ajudam agora, ressaltando que as respostas ao apelo que ele fez, naquela época, “embora generosas, não foram suficientes, e nos encontramos hoje chorando por milhares de mortos”.
Para Jorge Mario Bergoglio, que denunciou o “silêncio – às vezes cúmplice – de muitos” e “a hipocrisia estéril daqueles que não querem ‘sujar as mãos’” diante dos desafios migratórios de hoje, “a única resposta sensata é a da solidariedade e da misericórdia” – embora com “uma divisão equitativa das responsabilidades” e uma “gestão prudente” do fenômeno – e não o “fechamento em relação àqueles que têm direito, como nós, à segurança e a uma condição de vida digna, e que constrói muros, reais ou imaginários, em vez de pontes”.
“‘Vocês que pisoteiam o pobre e exterminam os humildes. Eis que virão dias em que mandarei a fome ao país; fome de escutar as palavras do Senhor’: a advertência do profeta Amós é ainda hoje de candente atualidade”, afirmou o papa na missa, transmitida ao vivo pela TV2000 em colaboração com o Vatican Media. “Quantas pobres hoje são pisoteados! Quantos pequenos são exterminados! São todas vítimas daquela cultura do descarte que foi denunciada várias vezes. E, entre estes, não posso deixar de incluir os migrantes e os refugiados, que continuam batendo nas portas das nações que gozam de maior bem-estar.”
Bergoglio lembrou que, há cinco anos, durante sua visita a Lampedusa, “recordando as vítimas dos naufrágios, ecoei o perene apelo à responsabilidade humana”, mas, “infelizmente, as respostas àquele apelo, embora generosas, não foram suficientes, e nos encontramos hoje chorando por milhares de mortos”.
Deus, continuou o papa, citando o Evangelho de sexta-feira, “promete descanso e libertação a todos os oprimidos do mundo, mas precisa de nós para tornar eficaz a sua promessa. Ele precisa dos nossos olhos para ver as necessidades dos irmãos e das irmãs. Ele precisa das nossas mãos para socorrer. Ele precisa da nossa voz para denunciar as injustiças cometidas no silêncio – às vezes cúmplice – de muitos. Com efeito, deveria falar de muitos silêncios: o silêncio do senso comum, o silêncio do ‘sempre se fez assim”, o silêncio do ‘nós’ sempre contraposto ao ‘vocês’. Acima de tudo, o Senhor precisa do nosso coração para manifestar o amor misericordioso de Deus pelos últimos, pelos rejeitados, pelos abandonados, pelos marginalizados”.
O evangelista Mateus também repreende os fariseus (“Eu quero misericórdia, e não sacrifícios”) com uma acusação “dirigida contra a hipocrisia estéril de quem não quer ‘sujar as mãos’, como o sacerdote e o levita da parábola do Bom Samaritano”.
“Trata-se de uma tentação bem presente também nos nossos dias, que se traduz em um fechamento contra aqueles que têm direito, como nós, à segurança e a uma condição de vida digna, e que constrói muros, reais ou imaginários, em vez de pontes”, disse o Papa Francisco.
“Diante dos desafios migratórios de hoje – acrescentou – a única resposta sensata é a da solidariedade e da misericórdia; uma resposta que não faz cálculos demais, mas exige uma divisão equitativa das responsabilidades, uma avaliação honesta e sincera das alternativas e uma gestão prudente. Política justa é aquela que se coloca a serviço da pessoa, de todas as pessoas interessadas; que prevê soluções adequadas para garantir a segurança, o respeito pelos direitos e pela dignidade de todos; que sabe olhar para o bem do próprio país, levando em conta o dos outros países, em um mundo cada vez mais interconectado. É a esse mundo que os jovens olham.”
O Salmista, continuou o papa, nos indicou a atitude justa a ser tomada em consciência diante de Deus: “‘Escolhi o caminho da fidelidade, propus-me os teus julgamentos’. Um compromisso de fidelidade e de reto julgamento que esperamos levar em frente junto com os governantes da terra e as pessoas de boa vontade. Por isso, acompanhamos com atenção o trabalho da comunidade internacional para responder aos desafios levantados pelas migrações contemporâneas, harmonizando sabiamente solidariedade e subsidiariedade, e identificando recursos e responsabilidades”.
Jorge Mario Bergoglio concluiu a homilia com uma dupla mensagem de agradecimento, que quis proferir em espanhol: “Quis celebrar o quinto aniversário da minha visita a Lampedusa com vocês, que representam os socorristas e os resgatados no Mar Mediterrâneo. Aos primeiros – disse – quero expressar meu agradecimento por encarnarem, hoje, a parábola do Bom Samaritano, que se deteve para salvar a vida do pobre homem atacado pelos bandidos, sem lhe perguntar qual era a sua procedência, suas razões de viagem ou seus documentos... simplesmente decidiu se encarregar dele e salvar sua vida. “Aos resgatados – continuou – quero reiterar minha solidariedade e meu encorajamento, pois conheço bem as tragédias das que estão escapando. Peço-lhes que continuem sendo testemunhas da esperança em um mundo que está cada vez mais preocupado com seu presente, com pouca visão de futuro e relutância em compartilhar, e que, com seu respeito pela cultura e pelas leis do país que os acolhe, elaborem conjuntamente o caminho da integração”.
“Peço ao Espírito Santo que ilumine a nossa mente e acenda o nosso coração para superar todos os medos e as inquietações, e nos transforme em instrumentos dóceis do amor misericordioso do Pai, dispostos a dar a própria vida pelos irmãos e irmãs, como fez Nosso Senhor Jesus Cristo por cada um de nós”, conclui o papa.
Durante as orações dos fiéis, a assembleia também invocou – em italiano, inglês, espanhol, árabe – a bênção aos socorristas no Mar Mediterrâneo e o respeito pela vida humana, a proteção de quem é vítima de uma cultura do descarte e a bênção pelas “pessoas salvas nestes últimos dias, para que possam ser bem-vindas com amor, por todos, como um dom recebido de Deus”.
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Papa: única resposta às migrações é a solidariedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU