21 Mai 2018
O título de sua obra-prima, "Vidas vulneráveis", não poderia ser mais adequado para este momento histórico da sociedade e da Igreja católica no Chile, destroçada pelo escândalo da pedofilia, a ponto de todos os bispos chilenos terem entregado suas demissões em bloco na última sexta-feira. Pablo Simonetti nasceu em Santiago em 1961, formou-se em Engenharia Civil na Universidade Católica da capital chilena, mas, em seguida, a partir de 1996, decidiu dedicar-se à literatura. Ativista dos direitos civis dos homossexuais e dos casais homoafetivos, em seus personagens, homens e mulheres de todas as idades envolvidos em situações, algumas dramáticas, outras triviais, traz à tona toda a fragilidade obrigando-os a se confrontar consigo mesmos.
Aquelas que o Papa Francisco chamaria de "periferias existenciais." Simonetti está na Itália nestes dias para a apresentação da primeira tradução italiana desse volume.
A entrevista é de Maria Antonietta Calabrò, publicada por The Huffington Post, 19-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A sua coletânea de contos abre-se por pura coincidência com a lembrança de uma visita ao Vaticano, à Basílica de São Pedro e aos Museus do Vaticano. O que você pensa sobre o que aconteceu nos últimos meses na Igreja no Chile e em Roma?
A situação da Igreja até agora tinha sido de encobrimento. Uma proteção corporativa, desdenhosa e cruel para as vítimas, acolhedora e tolerante com os carrascos.
Mas chegaram as demissões de todos os bispos chilenos.
Dada a incerteza que ainda existe sobre as ações concretas que o Papa irá tomar, talvez devêssemos esperar a fumaça se dissipar. Porque se o Papa aceitar as renúncias dos bispos envolvidos no encobrimento dos abusos (especialmente os bispos do círculo do sacerdote Karadima), incluindo os cardeais (Errazuriz e Ezzati) e o núncio (Scaapolo), isso seria um sinal sem precedentes e histórico, que iria inaugurar um novo modo de proceder, diante das vítimas, e o final de defesa corporativa que até agora tem sido feito dos abusadores e ocultadores. Francisco deixa aberta essa porta no documento entregue aos bispos chilenos, publicado pela TV chilena T13: "... isso - e digo isso claramente - devemos fazê-lo, mas não é suficiente, temos de ir mais longe", escreveu o Papa.
Mas se o Papa, ao contrário, não aceitar a renúncia, e tudo isso se resumir apenas a um puxão de orelhas nos bispos, estaremos diante de um ato puramente simbólico, como a Igreja fez quando os primeiros casos de abuso foram descobertos, sem que ocorram atos concretos de justiça para compensar o abandono e a humilhação a foram submetidos os abusados.
O que mais lhe impressionou na história das vítimas de Karadima?
O abuso de poder, a impunidade, a rede de proteção criada para um homem que chamavam de santo, protegido por uma elite social, religiosa e política. Não importava a verdade, mas continuar a apoiar-se uns aos outros.
Que ligação existe entre os acontecimentos da ditadura de Pinochet e o escândalo de pedofilia. Nas comunicações do Vaticano fala-se explicitamente, além dos abusos sexuais, de abusos de poder e de consciência?
É evidente que o poder de Karadima também foi construído por sua proximidade com a ditadura e o grupo social que a sustentava. Foi de certa forma o vínculo entre Pinochet e o Vaticano, através do Núncio Apostólico da época, Monsenhor Angelo Sodando, que depois foi promovido por João Paulo II a secretário de Estado. Há uma rede de poder que vale a pena investigar.
Você conhece Cruz, Murillo e Hamilton, os abusados por Karadima, que o Papa recebeu em Santa Marta?
Eu conheço todos os três. Admiro-os por sua coragem e pelo trabalho que fizeram para aumentar a visibilidade e a denúncia dos abusos e ajudar as vítimas.
As associações de ajuda às vítimas como o SNAP haviam denunciado publicamente junto às Nações Unidas em Genebra tanto o Cardeal Errazuriz como o arcebispo Ezzati, já em maio de 2014. Além disso, a posição do bispo Barros também ficou evidente durante o processo que a Congregação para a doutrina e a fé havia feito contra Karadima, já em 2011, e que levou à sua condenação já na época do Papa Ratzinger ...
As vítimas de Karadima estão falando claro já há bastante tempo - e não há como o Papa não ter sabido disso tudo - dizendo que os bispos do círculo desse padre tinham acobertado seus ultrajes, e os dois últimos arcebispos de Santiago (os cardeais Errazuriz e Ezzati) agiram com dolo e negligência numa forma bem clara de defesa corporativa, de negação das responsabilidades próprias e de alguns dos padres e bispos de suas arquidioceses.
O que você pensa da ação do Papa Francisco nesse caso? Considera-a contraditória ou acredita que tenha corrigido seus erros?
Acredito que o que aconteceu é que Francisco, após a reação do povo chileno à sua visita e após o relatório de Scicluna, tomou consciência da extensão de seu erro, o erro de confiar nas pessoas coniventes com o acobertamento ativo dos abusos, apesar de todas as evidências que ele já tinha em suas mãos. O Papa sabia, só que agora ele sabe melhor.
O que vai acontecer agora?
Tudo vai depender se o Papa desmantelar a rede de ocultação e mudar as práticas da Igreja em relação aos abusos, ou se parar nos gestos simbólicos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"O Papa entendeu seu erro, tomara que não pare nos gestos simbólicos". Entrevista com o poeta chileno Pablo Simonetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU