21 Mai 2018
Indiscutivelmente, não há nada que algum papa faça que tenha mais consequências do que escolher os cardeais que elegerão seu sucessor. Quando um pontífice revela suas escolhas sobre os novos membros do clube mais exclusivo da Igreja, isso sempre oferece uma declaração poderosa não apenas sobre onde a Igreja está hoje, mas também para onde ela poderá ir no futuro.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada em Crux, 20-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nesse domingo, 20, o Papa Francisco anunciou que criará 14 novos cardeais, incluindo 11 com menos de 80 anos e, portanto, capazes para votar no próximo papa. Ele explicou as escolhas em termos de promover um espírito de universalidade na Igreja, com novos cardeais vindos do Iraque, Paquistão, Peru, Madagascar e Japão.
Aqui estão sete comentários rápidos sobre o que as escolhas desse domingo significam.
Em seu consistório de 2016, Francisco fez uma forte declaração de solidariedade à Igreja que sofre na Síria, nomeando seu embaixador no país, Mario Zennari, como cardeal, embora deixando-o em seu lugar, praticamente um passo sem precedentes em termos dos costumes da diplomacia papal.
Nesse domingo, ele fez basicamente o mesmo gesto em relação ao Iraque, nomeando o patriarca Louis Raphaël I Sako, chefe da Igreja Católica Caldeia, como cardeal e eleitor. Em ambos os casos, a medida destaca não apenas os indivíduos, mas também as comunidades cristãs às quais eles servem, que foram devastadas pela ascensão do Estado Islâmico e pelo sangrento conflito civil na Síria.
Francisco tem falado repetidamente sobre os “novos mártires”, referindo-se a um vasto “ecumenismo de sangue” criado por ataques contra cristãos em várias partes do mundo. Ao criar cardeais tanto Zennari quanto Sako, com efeito, ele lhes entregou um megafone maior para garantir que as vozes das Igrejas que sofrem tenham uma chance maior de serem ouvidas.
Também é importante notar que a elevação de Sako ocorre em um momento em que o Iraque está tentando formar um novo governo. Então, no contexto, isso pode ser lido como uma mensagem sobre a importância do pluralismo religioso e da segurança da minoria cristã do país em particular.
Um dos novos cardeais é Angelo Becciu, atualmente o substituto, ou segundo oficial, na poderosa Secretaria de Estado do Vaticano. A nomeação confirma o perfil de Becciu, que completará 70 anos no dia 2 de junho, como um verdadeiro centro de poder no papado de Francisco, desempenhando um papel fundamental desde o curso da reforma financeira até a política em relação à China. É muito incomum que um cardeal atue abaixo de outro, o que sugere que, em um futuro próximo, Becciu receberá outro cargo vaticano. Será fascinante observar se ele continuará exercendo o mesmo nível de influência a partir de onde está ou se esse, na verdade, é um caso de promoveatur ut amoveatur – promover para remover.
Por um tempo, parecia que uma das maneiras pelas quais Francisco desarmaria a burocracia no Vaticano seria quebrando o tradicional vínculo entre a direção de um dicastério vaticano e a obtenção de um barrete vermelho cardinalício. Francisco parecia pensar que não era tão importante que esses escritórios fossem chefiados pelos Príncipes da Igreja, já que eles deveriam ter mais a ver com o serviço do que com o poder.
No fim, no entanto, verifica-se que, pelo menos em alguns casos, o puxão da tradição é realmente muito forte, pois Francisco voltou a criar cardeais tanto o chefe da Congregação para a Doutrina da Fé – o historicamente poderoso “cão de guarda” doutrinal do Vaticano, conhecido como La Suprema, ou o “supremo” escritório – quanto o vigário de Roma, que governa a diocese em nome do papa (tecnicamente, o vigário não é membro da Cúria Romana, mas, na prática, quem detém esse papel geralmente atua como um).
Falando do vigário...
O mês de abril deste ano trouxe uma anomalia, pois, quando chegou a hora de apresentar ao mundo a nova exortação apostólica de Francisco, intitulada Gaudete et exsultate, a escolha não recaiu sobre nenhum dos pesos-pesados habituais da Cúria, mas sim sobre o vigário de Roma, Angelo De Donatis, 64 anos. Isso parecia cimentar a reputação de De Donatis como um importante aliado de Francisco, alguém que goza do favor e da confiança do papa.
Francisco conheceu De Donatis no início de seu papado, durante um almoço com 10 sacerdotes romanos bem conhecidos, acolhidos por Becciu. Desde então, ele mostrou seu favor várias vezes, indicando o prelado para ministrar o retiro anual de Quaresma da Cúria Romana realizado em Arricia, nos arredores de Roma.
“Talvez, naquela ocasião, nasceu um profundo compartilhamento [de perspectivas]”, disse De Donatis em abril, referindo-se ao retiro. E parece que sim, porque Francisco, em rápida sucessão, nomeou De Donatis como auxiliar de Roma e, depois, vigário.
De Donatis, em outras palavras, é um dos principais aliados de Francisco e um indicador do rumo para onde esse papado está indo.
Os papas nem sempre conhecem seus novos cardeais pessoalmente, e esse provavelmente é o caso de várias das escolhas que Francisco anunciou nesse domingo, como os novos príncipes da Igreja de Madagascar e do Japão.
Por outro lado, essa também é uma safra profundamente pessoal para Francisco, na qual três das principais figuras de seu papado estão na lista: além de Becciu e De Donatis, também está o arcebispo Konrad Krajewski, da Polônia, que administra a atividade caritativa pessoal do papa em Roma e que é há muito tempo um aliado próximo do papa. Com apenas 54 anos, Krajewski está agora posicionado para ser um ponto de referência fundamental do catolicismo por um longo tempo ainda.
Nessas três figuras, pelo menos, você tem uma boa parte do pessoal do Vaticano com os quais, pelo menos até agora, Francisco tem contado mais – uma espécie de “top três” dentro da lista de 11 eleitores e 14 novos cardeais em geral.
Em seu consistório de 2016, Francisco fez uma surpresa ao nomear três estadunidenses como príncipes da Igreja: Kevin Farrell, ex-arcebispo de Dallas e agora chefe do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida do Vaticano; Blase Cupich, de Chicago; e Joseph Tobin, então em Indianápolis, mas logo transferido para Newark. Até agora, no entanto, este foi o único consistório de Francisco no qual não havia nenhum estadunidense na lista, e, de novo, desta vez, a Igreja dos Estados Unidos não foi contemplada.
Em termos de quem poderia ter sido escolhido, as especulações costumam se centrar no arcebispo Jose Gomez, de Los Angeles, que se tornaria o primeiro cardeal hispânico da história do país, e no arcebispo Charles Chaput, da Filadélfia, já que a Cidade do Amor Fraternal tradicionalmente tem um cardeal. Como se trata do Papa Francisco, porém, teoricamente um novo cardeal estadunidense poderia vir de qualquer lugar – mas, claramente, não desta vez.
Um sentido em que Francisco manteve seus próprios costumes pessoais nesta safra de cardeais é pelo fato de ignorar os centros de poder eclesiásticos usuais em um país e criar um novo príncipe da Igreja em um local improvável.
O exemplo mais claro é a Itália, onde Francisco ignorou o arcebispo Mario Enrico Delpini, de Milão, uma das “superdioceses” do mundo, onde assumir o cargo principal antigamente significava um barrete vermelho automático, e, em vez disso, elevou o arcebispo Giuseppe Petrocchi, de L’Aquila, que foi atingida por um terremoto devastador em 2009, que deixou 308 mortos, e onde a cidade e a região ainda estão lutando para se recuperar.
Por outro lado, esses tradicionais centros de poder não foram completamente descartados. Apesar da clara universalidade das escolhas de Francisco desse domingo, ao incluir três italianos entre os 11 novos cardeais eleitores, Francisco também garantiu que, independentemente do que aconteça em seus próximos consistórios, os italianos dificilmente ficarão sub-representados no Colégio dos Cardeais.
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Sete comentários rápidos sobre a criação de 14 novos cardeais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU