06 Abril 2017
"O Papa Francisco passou estes quatro anos como Bispo de Roma empreendendo uma campanha, com constância e persistência, para mudar a mentalidade dos católicos e o ethos da Igreja inteira – Igreja que ele sonha ver como uma comunidade com um olhar voltado ao exterior, propensa a acidentes de percurso e que ponha a mão na massa, uma comunidade “em movimento”", escreve Robert Mickens, editor-chefe da Global Pulse, graduado em teologia, correspondente em Roma de diversas publicações americanas, em artigo publicado por Commonweal, 03-04-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Na verdade, o “programa de ajuste atitudinal” do papa está, gradualmente, remodelando a própria identidade do catolicismo global, muito embora isto não seja do agrado de todos.
Assim como deu a entender que faria quando discursou aos cardeais a apenas quatro dias de eles o elegerem, Francisco vem tentando libertar Jesus Cristo daquela Igreja que, cada vez mais nas últimas três décadas aproximadamente, tornou-se uma instituição autorreferencial, e teologicamente narcisista, vivendo somente para si.
“No Apocalipse, Jesus diz que está à porta para entrar…”, disse o futuro papa num encontro pré-conclave em 09-03-2013.
“É claro que o texto se refere ao fato de ele estar de pé no lado de fora da porta a bater para entrar (...) Mas penso nas vezes em que Jesus bate desde dentro para que o deixemos sair. A Igreja autorreferencial quer Jesus dentro de si e não o deixa sair”, disse.
Neste pequeno discurso, o então arcebispo de Buenos afirmou:
“A Igreja está chamada a sair de si mesma e ir às periferias, não só às geográficas, mas também às periferias existenciais: as do mistério do pecado, da dor, da injustiça, da ignorância e prescindência religiosa, do pensamento, de toda miséria”.
O Papa Francisco está fazendo surgir esta Igreja.
E há muitos exemplos de que este jeito renovado de ser comunidade cristã foi acolhido, de forma geral, pelas bases da Igreja. A ampla maioria dos leigos assim como pessoas que sequer são católicas estão energizadas/animadas com a mudança de tom, ênfase e o modo de caminhar misericordiosamente com toda a humanidade.
Mas também há muitos casos em que esta recepção vem sendo muito mais morna entre um número significativo de bispos (a maioria nomeada pelos mais recentes predecessores de Francisco), jovens padres e muitos dos que aspiram ser transformados ontologicamente pela ordenação sacerdotal.
Estes tipos dentro da casta clerical estão rangendo os dentes e consolando-se com a certeza de que este pontificado não durará para sempre. Creem que apenas têm de “aguardar a saída” do velho jesuíta e, então, esperar que os cardeais voltem à realidade no próximo conclave e escolham um alguém mais prudente e menos perturbador, de ortodoxia inquestionável, para ser o Supremo Pontífice da Igreja Universal. Assim que isso acontecer, acreditam, suas vidas finalmente voltarão ao normal.
Não é um pensamento improvável.
Então, o que o Papa Francisco pode fazer para mudar as atitudes na alta hierarquia da Igreja? Eis algo que ele deve ponderar caso queira se certificar de que a renovação e a reforma começadas por ele de fato terão continuidade para além de seu pontificado.
Em novembro de 2013, logo após anunciar o seu primeiro consistório (com cerca de quatro meses de antecedência), já parecia claro que o papa teria de modificar o número de eleitores se quisesse remodelar, em níveis significativos, o Colégio Cardinalício com homens a bordo que partilham sua visão de Igreja.
“Ele provavelmente irá querer fazer um organismo, que hoje é grandemente ocupado por europeus e norte-americanos, ser mais representativo das ‘periferias’”, escrevi em artigo publicado em 9 de novembro no The Tablet.
“Se Francisco deseja alterar esta configuração geográfica, ele pode precisar formalmente mudar as regras para aumentar o número de cardeais eleitores para além dos 120”, continua o citado artigo.
Visto que o Colégio Cardinalício é uma invenção humana, a sua existência e o número de membros são completamente arbitrários. O Papa Paulo VI fixou o atual limite de eleitores, mas nada impede de o Papa Francisco alterá-lo. É uma prerrogativa dele e somente dele. Na realidade, João Paulo II derrogou a legislação de Paulo VI várias vezes e, após os consistórios de 2001 e 2003, por exemplo, havia nada menos que 135 cardeais eleitores.
Parece que o papa argentino vem gostando da ideia de formalmente elevar este teto em algum momento.
E, com efeito, há alguns dias um artigo escrito por um autor próximo do Papa Emérito Bento XVI sugeriu que o atual papa provavelmente vá nomear um grupo grande de novos cardeais em junho próximo, fazendo exatamente isto: emitindo um motu proprio para, de maneira formal, aumentar o número de eleitores papais para 150.
“Se realmente aumentar o número de cardeais eleitores, o Papa Francisco irá ter 30 novos cardeais, no mínimo, e com estes novos purpurados ele iria remodelar profundamente a geografia e a orientação do Colégio Cardinalício”, lê-se no artigo.
Temos de dizer: o autor desta especulação é famoso por ser um escriba útil para as informações que o assessor de confiança de Bento XVI, Dom Georg Gänswein, quer pôr em domínio público. Portanto o artigo citado deve ser tomado com certa desconfiança.
Mas, no passado, Francisco foi incentivado a expandir o número de cardeais eleitores, inclusive por alguns dos homens mais confiantes da hierarquia.
Um deles é o Cardeal Antonio Cañizares, espanhol que trabalhou como prefeito da Congregação para o Culto Divino de 2008 a 2014 antes de Francisco mandá-lo de volta para casa para liderar a Arquidiocese de Valência. É claro que a pessoa conhecida como o “pequeno Ratzinger” instou Francisco no final de 2014 a elevar o número de cardeais eleitores para 140 no intuito de criar uma maior representação geográfica no organismo que elege o Bispo de Roma.
Porém, como sabemos, o papa manteve até agora o limite de 120 estabelecido por Paulo VI.
Um argumento mais forte para aumentar o número de eleitores foi feito em um artigo publicado a exatamente um ano atrás, quando se especulou que o papa criaria novos cardeais em junho de 2016.
“Se ele aderir ao teto de 120, isto lhe dará apenas oito vagas para preencher. Se aguardar até novembro – digamos, até a Festa de Cristo Rei, dia 20 daquele mês –, ele poderá acrescentar outros cinco num total de 13 novos cardeais”, lê-se.
Na verdade, o consistório aconteceu em novembro, conforme supusemos na ocasião.
“Importa observar que os treze novos eleitores não irão alterar, em níveis significativos, o equilíbrio existente – seja em termos geográficos, seja em termos eclesiológicos/pastorais – no Colégio Cardinalício”, salientou-se assim que os nomes dos novos cardeais foram anunciados.
“De um modo mais significativo, o Papa Francisco terá nomeado apenas 44 dos eleitores, em comparação com os 55 criados por Bento XVI e com os 21 criados por João Paulo II”, escreveu-se à época.
Dentro de poucas semanas, quando o Cardeal Lluís Martínez Sistach, da Espanha, completar 80 anos, haverá 116 eleitores papais, o que dará a Francisco quatro vagas a preencher caso mantiver o limite atual. Nenhum outro cardeal completará 80 anos este ano, e só no final de 2018 é que sete deles irão alcançar a idade-limite.
Esta observação feita anteriormente continua valendo:
“Com todas as coisas permanecendo iguais, Francisco ainda terá nomeado apenas 55 eleitores ao longo deste período. Se quiser continuar fazendo o Colégio Cardinalício refletir mais a complexidade universal da Igreja e – o que é mais importante – garantir que este ilustre organismo esteja plenamente a bordo com sua visão de futuro, então ele deverá realmente considerar a possibilidade de elevar o teto para um número maior”.
Sob o risco de soar como um disco quebrado, devemos repetir que é fundamental que o papa considere, com cuidado, quais e quantos homens colocará dentro do Colégio. Isso porque este grupo é quem vai eleger o seu sucessor. E caberá a estes decidir se e como proceder com a renovação e as reformas que Francisco, meticulosamente, começou.
Além disso, os cardeais assumem um alto posto e acabam exercendo uma influência considerável sobre o restante da Igreja. Eles frequentemente dão o tom e estabelecem a pauta para os demais membros da hierarquia, assim como para o resto do clero e dos fiéis batizados.
Mas a menos que viva e permaneça como o Bispo de Roma por vários anos, talvez a melhor coisa que Francisco possa fazer para se certificar (embora sem nenhuma garantia) de que alguém será eleito para continuar com sua visão de Igreja é expandir, em níveis significativos, o número de cardeais eleitores.
Este número variou grandemente ao longo dos séculos, mas em 1587 o Papa Sisto V estabeleceu-o na quantidade de 70, aparentemente para refletir o número de anciãos escolhidos por Moisés para ajudá-lo no governo dos israelitas.
Este número se manteve até 1958 quando o Papa João XXIII aumentou os eleitores para 75, depois para 88 (1960) e 90 (1963).
Não está claro se Paulo VI tinha alguma imagem bíblica quando fixou o número de eleitores em 120, mas os Atos dos Apóstolos (1,14-26) contam que depois da ascensão de Jesus ao céu havia aproximadamente 120 discípulos que escolheram o sucessor de Judas Iscariotes como um dos doze.
Independentemente do número que o Papa Francisco escolher, ele deve ser significativamente maior que o limite atual.
Caso estiver à procura de uma indicação nas Escrituras, ele poderá considerar a cena presente no capítulo último do Evangelho de João. O Jesus ressuscitado está de pé na margem do mar de Tiberíades. Os apóstolos estão dentro da água, pescando em uma barca.
Então Jesus disse: “Rapazes, vocês têm alguma coisa para comer” Eles responderam: “Não.”. Então Jesus falou: “Joguem a rede do lado direito da barca, e vocês acharão peixe.” Eles jogaram a rede e não conseguiam puxá-la para fora, de tanto peixe que pegaram. Então o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor.” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu a roupa, pois estava nu, e pulou dentro d’água.
Os outros discípulos foram na barca, que estava a uns cem metros da margem. Eles arrastavam a rede com os peixes. Logo que pisaram em terra firme, viram um peixe na brasa e pão. Jesus disse: “Tragam alguns peixes que vocês acabaram de pescar.” (João, 21,5-10).
E aqui vem a frase principal:
Então Simão Pedro subiu na barca e arrastou a rede para a praia. Estava cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes. Apesar de tantos peixes, a rede não arrebentou. (João, 21,11).
Na hierarquia católica, no mínimo os cardeais são os “peixes grandes”.
Que o Papa Francisco aumente o número de cardeais eleitores de forma que eles e os próximos que venham a vestir as Sandálias do Pescador possam manter vivo o impulso evangélico que o Sucessor de Pedro começou.
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Por que Francisco precisa expandir o Colégio Cardinalício - Instituto Humanitas Unisinos - IHU