Por: João Vitor Santos | 05 Mai 2018
“Pés no território e olhos no mundo”. A frase é uma apropriação feita por Angélica Massuquetti, professora da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, para sintetizar sua ideia de que o desenvolvimento local, ou desenvolvimento territorial, como diz, pode ser um caminho para enfrentar as desigualdades econômicas e sociais de nosso tempo. “Quando falo em desenvolvimento de território, não é pensar no desenvolvimento de um país ou de um estado como um todo. É pensar no local, no município ou até mesmo em regiões, bairros, partes de um município”, esclarece. Para professora, esse é um caminho para levar em conta as particularidades de cada lugar, respeitando seus potenciais e limites que vão desde culturais a econômicos e políticos.
Angélica Massuquetti foi a conferencista do último encontro do Ciclo de Debates Desigualdades – Contexto Econômico Brasileiro, realizado na quinta-feira, dia 03-05-2018, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Na abertura da palestra Desigualdade no Vale dos Sinos, a professora convidou a todos para seguir consigo num pressuposto: a desigualdade existe, é real. Para isso, usa a célebre foto de Tuca Vieira (que ilustra o topo dessa reportagem), que, num mesmo clique, coloca os contrastes das casas da favela de Paraisópolis e do bairro do Morumbi, em São Paulo. Dois lugares próximos, mas com realidades abissais. “Quando se busca o termo ‘desigualdade’ na internet, o que se vê de imediato é essa foto”, aponta. “Eu mostrei para minha filha de seis anos e perguntei o que ela via. Sua resposta foi que via onde moram os ricos e os pobres. Logo, isso é a desigualdade real”, relata.
Para a professora Angélica Massuquetti, a desigualdade é um fato, algo real (Foto: João Vitor Santos/IHU)
A provocação da professora é para mostrar a materialização de uma desigualdade que está na foto de Tuca e em São Paulo, mas se faz presente em qualquer lugar. “Podemos pensar nessas desigualdades até aqui mesmo no Vale do Sinos”, enfatiza. E na busca por um conceito de desigualdade, pontua que “percebemos que as populações e atividades econômicas estão concentradas de forma desigual”. Logo, nesses locais de maior concentração já se perfaz uma das faces das desigualdades, em detrimento de lugares menos populosos e com menos oportunidades de trabalho e renda. “Dentro da região do Vale do Sinos temos, por exemplo, Canoas e Araricá. Dois municípios com realidades completamente diferentes”, assinala.
Angélica ainda explica que essa aglomeração de pessoas atrai atividades e talentos. Assim, as empresas se aglomeram porque veem inúmeras vantagens e se forma uma espécie de ciclo: onde há mais pessoas, há mais emprego. Realidade típica de grandes centros urbanos. Seguindo com teóricos da década de 1950, como François Perroux, Gunnar Myrdal e Albert Hirschman, avalia que a aglomeração passa a ser uma regra e a ideia de desenvolvimento está muito ligada a crescimento. “E nessas condições, não há um crescimento homogêneo, ocorrendo apenas em determinados espaços”, destaca.
O problema, segundo a professora, é que muitos desses teóricos viam nessa lógica da aglomeração uma forma de promover crescimento. “Tinha-se essa ideia de que era preciso fazer esses espaços crescerem e se imaginava que esse crescimento transbordaria para os demais espaços, gerando, então, um desenvolvimento regional”, explica. Perspectiva que não tinha o enfoque nas regiões menos desenvolvidas. No caso do Brasil, se observa toda a atividade industrial, por exemplo, concentrada na região sudeste. “Esse crescimento industrial brasileiro não chega a outras regiões como norte, nordeste e centro-oeste até hoje. Isso demonstra que esse modelo não é eficiente”.
Mesmo diante de algumas evidências de que essa ideia de transbordamento de crescimento não é suficiente para pensar em desenvolvimento como um todo, no Brasil, somente no final dos anos 1980, e com o advento da Constituição de 1988, é que se vai começar a ampliar o espectro e pensar na perspectiva do desenvolvimento regional. “E isso, na prática, só vai de fato acontecer na década de 90 com a constituição dos Coredes [Conselhos Regionais de Desenvolvimento]”, destaca. Segundo ela, é uma perspectiva que permite uma visão um pouco mais particular. “No Rio Grande do Sul, temos 28 Coredes. Pensar em trabalhar com todos é algo muito difícil. Por isso, acho interessante trabalhar com cada um de forma particular, com suas especificidades”, defende.
Angélica Massuquetti trabalha com indicadores de desenvolvimento que revelam cenários de desigualdades. Mas, reconhece que é preciso que se tenha clareza do que se compreende hoje como conceito de desenvolvimento. “A ideia de desenvolvimento esteve sempre muito associada ao crescimento do Produto Interno Bruto - PIB. Sabemos que hoje os critérios não podem ser reduzidos a indicadores econômicos. Por isso trabalhamos com outras variáveis. Afinal, desenvolvimento é mais do que econômico. É também social”, esclarece. Por isso centra seu olhar em indicadores como Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, Índice de Desenvolvimento Humano nos Municípios - IDHM e Índice de Desenvolvimento Socioeconômico - Idese, que têm recortes regionais e chegam aos municípios.
Pensar em desenvolvimento regional ajuda a pensar estratégias que levem a região ao crescimento e, por consequência, à redução das desigualdades. Correto? Em parte. Para a professora Angélica Massuquetti, a instituição de conselhos regionais foi um avanço, mas que talvez não seja suficiente para pensar num efetivo processo de desenvolvimento. Afinal, um conselho como o Conselho Regional de Desenvolvimento do Vale do Sinos, o Consinos, envolve realidades muito distintas. São 14 municípios, mas o número de cidades não chega a ser o maior problema. “Temos cidades como Canoas que tem mais de 300 mil habitantes e Araricá que nem chega a 6 mil habitantes. Será que pensar no crescimento de Canoas vai transbordar até Araricá?”, questiona.
Araricá, um dos menores municípios do Corede do Vale do Sinos, com grandes índices de desigualdades (Foto: Prefeitura de Araricá)
Angélica recorre a uma série de dados baseados no Idese e em estudos da Fundação de Economia Estatística - FEE para evidenciar outras diferenças entre cidades como Canoas e Araricá. De modo geral, se percebe que melhores indicadores de saúde, renda e educação se concentram em cidades com mais adensamento populacional e mais oportunidades de empregos, logo mais capacidade de investimento. Enquanto isso, cidades pequenas dentro de uma mesma região amargam índices que revelam as desigualdades no crescimento econômico e social. “Se formos olhar só para o PIB: o de Canoas é de 16 bilhões, enquanto o de Araricá é de 143 mil. Um só bairro de Canoas, o Guajuviras, tem cerca de 50 mil habitantes, enquanto Araricá tem pouco mais de 5 mil”, aponta.
Para a professora, são dados que revelam cada vez mais a necessidade de recortes locais. “E esse local não quer dizer os limites do município. Talvez, no caso de Araricá se possa pensar em projeto de desenvolvimento como um todo. Mas, no caso de Canoas, já é necessário pensar em territórios dentro do mesmo município”. Assim, Angélica compreende que é preciso vislumbrar um plano de desenvolvimento regional, mas sem esquecer de se debruçar sobre os municípios e todas as possibilidades de territórios dentro destes. “A saída é não pensar uma política de cima para baixo. Mesmo no âmbito dos Coredes, muitas vezes ainda se reproduz essa ideia de desenvolvimento de cima para baixo. Será que o que pensamos aqui em São Leopoldo, na Universidade, no Polo Tecnológico, chega até Araricá, por exemplo?”, provoca. “Precisamos olhar para os municípios buscando sua realidade, seus problemas e suas potencialidades, num desenvolvimento cada vez mais de baixo para cima. Precisamos estar com os pés no território e os olhos no mundo”, defende a professora.
Canoas tem o maior PIB e a maior população do Corede do Vale do Sinos (Foto: MP-RS)
Para Angélica Massuquetti, os números estão provando que o Vale do Sinos não está bem ranqueado em índices de desenvolvimento social e econômico. Confira alguns dados:
• O Vale do Sinos é o 17º no Idese geral dos 28 Coredes;
• Está na 8ª colocação quando se olha para o indicador renda;
• Entretanto, amarga a 23ª colocação no quesito educação;
• E o número é ainda pior em saúde: 25ª colocação dos 28.
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Ao fim de sua conferência, Angélica reconhece que esse não foi o objeto de pesquisa que vinha desenvolvendo em suas análises. Entretanto, sentiu uma forte demanda dos alunos. “Eles buscavam muito olhar para suas realidades locais, suas regiões e municípios. Por isso comecei a trabalhar com esses dados. Devo tudo isso às pesquisas, teses, dissertações e trabalhos de conclusão de curso que tenho orientado. Fico muito feliz em ver que os alunos estão buscando isso”, avalia. Assim, a professora se diz gratificada, porque devolve ao município e à região um profissional que terá muito a contribuir no debate local sobre desenvolvimento e redução das desigualdades. “Precisamos, enquanto Universidade, pensar em como cada vez mais devemos estimular trabalhos nesse sentido, voltados para o local, focando outras realidades”, defende.
A perspectiva da professora Angélica ecoa na jovem estudante de Ciências Contábeis da Unisinos Rebeca Armbrust Freitas. “Eu cresci na minha cidade, na minha realidade e não via desigualdade. Mas foi só eu sair dessa minha rotina para ver que dentro da mesma cidade há outra realidade, de muita desigualdade. É impressionante, acho que vivia numa redoma e não enxergava isso”, analisa. Provocada a pensar no tema, a jovem diz que agora começa a perceber as desigualdades em todos os lugares. “A gente vai a uma cidade e começa a analisar com mais detalhes e vê que a desigualdade está ali”, completa.
Brenda Flores, aluna do curso de Licenciatura em Física da Unisinos, desenvolve um trabalho numa comunidade muito pobre de São Leopoldo. Para ela, que vive na mesma cidade, andando pelo centro e por alguns bairros, até mesmo pelo campus da Unisinos, que fica perto dessa comunidade, é impossível supor a vida que se leva na Vila Tereza. “É uma comunidade que fica ali atrás da linha do trem. Não tem rua de calçamento e nem outra infraestrutura. É tudo muito precário. As casas são de sarrafos e as crianças, as pessoas fazem as necessidades na rua”, relata. Por isso, concorda que pensar em redução das desigualdades é muito mais do que investir no distrito industrial ou em polos tecnológicos em São Leopoldo.
Angélica: "Precisamos olhar para os municípios buscando sua realidade, seus problemas e suas potencialidades, num desenvolvimento cada vez mais de baixo para cima"
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, com parte da formação na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales - Paris/França. É mestra em Economia Rural e graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente, é professora da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, onde dedica-se a projetos de pesquisa e ao ensino em nível de Graduação e Pós-Graduação.
A próxima conferência do Ciclo de Debates Desigualdades – Contexto Econômico Brasileiro será na quarta-feira, dia 9/5. O professor Róber Iturriet Avila, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS abordará O combate às desigualdades e a necessidade de uma reforma tributária no Brasil. Saiba mais sobre inscrições e a programação completa do Ciclo.
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Desenvolvimento a partir do local é um caminho para enfrentar as desigualdades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU