Por: João Vitor Santos | 04 Mai 2018
Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, é possível materializar a expansão da pobreza extrema no Brasil nos últimos tempos. Em 2016, eram 13,3 milhões de pessoas nessas condições; agora, em 2017, o número saltou para 14,8 milhões. “Ou seja, 7,2% da população do Brasil encontra-se entre os extremamente pobres, que vivem com menos de US$ 1,90/dia”, completa a economista e professora Angélica Massuquetti.
Além desse cenário, ela aponta que, ainda segundo o IBGE, em 2017, 43,3% dos rendimentos do Brasil estavam nas mãos de 10% da população com maiores rendimentos, enquanto os 10% com menores rendimentos alcançavam apenas 0,7% deste total. “A concentração de renda na economia brasileira, neste patamar, impede a erradicação da extrema pobreza e, consequentemente, da fome no país”, avalia.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Angélica aponta que o maior desafio para reverter essa realidade “é a geração de emprego formal, já que dá mais segurança socioeconômica, com acesso aos direitos trabalhistas e mais facilidade de obtenção de crédito”. E acrescenta: “não alcançamos o bem-estar da população apenas com uma distribuição de renda mais igual, precisamos ampliar as liberdades dos indivíduos com relação às suas capacidades e às oportunidades que estão à sua disposição”.
Angélica Massuquetti possui doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, com parte da formação na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales - Paris/França. É mestra em Economia Rural e graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente, é professora da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, onde dedica-se a projetos de pesquisa e ao ensino em nível de Graduação e Pós-Graduação.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No que consiste a desigualdade e como se manifesta na atualidade?
Angélica Massuquetti – Na Economia, aprendemos que a atividade econômica não está distribuída de forma aleatória no território. Há uma tendência de que as atividades econômicas se concentrem em número relativamente reduzido de locais, principalmente as atividades que envolvem inovação, maior capital humano e maiores investimentos.
Assim, atividade econômica e população estão desigualmente distribuídas e observa-se uma correlação entre o grau de urbanização e a renda per capita. A aglomeração de pessoas e de empresas, portanto, torna-se a regra e não a exceção. Como consequência, essas aglomerações atraem mais capital físico e humano, reforçando essas assimetrias.
IHU On-Line – Como compreender o conceito de desenvolvimento socioeconômico e em que medida pode emergir como uma alternativa à lógica do desenvolvimento econômico?
Angélica Massuquetti – O Produto Interno Bruto - PIB foi, durante décadas, o principal indicador de desenvolvimento econômico. No entanto, observou-se a necessidade de se alcançar, além do crescimento econômico, um melhor padrão de vida para a população, uma renda mais equitativa, além da erradicação do analfabetismo e de doenças transmissíveis por falta de condições mínimas de moradia e de saneamento, entre outros. Assim, o desenvolvimento deixou de ser estritamente econômico e passou a ser pensado a partir da dimensão social.
Mais recentemente, o desenvolvimento humano tornou-se a expressão mais adequada para transmitir a ideia não apenas de desenvolvimento econômico e social, mas também político e ambiental. Atualmente, as políticas públicas são formuladas com o intuito de promover o desenvolvimento econômico, a segurança, a liberdade, a justiça social etc. Não alcançamos o bem-estar da população apenas com uma distribuição de renda mais igual, precisamos ampliar as liberdades dos indivíduos com relação às suas capacidades e às oportunidades que estão à sua disposição.
IHU On-Line – Como avalia o Rio Grande do Sul em termos de desenvolvimento socioeconômico?
Angélica Massuquetti – Atualmente, o estado do Rio Grande do Sul possui médio desenvolvimento de acordo com o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico - Idese de 2015, apresentando o valor de 0,751. Entre 2014 e 2015, houve redução do desenvolvimento no estado em razão da queda do índice do bloco Renda, que foi de -3,1%. Por outro lado, nos blocos Saúde e Educação houve desenvolvimento, mas em dimensões reduzidas: 0,5% e 0,2%, respectivamente.
IHU On-Line – Em quais regiões do estado estão os maiores e os menores índices socioeconômicos? Como compreender essas diferenças?
Angélica Massuquetti – Ainda considerando o Idese de 2015, identifica-se que o desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul é concentrado em determinadas regiões de acordo com a dimensão investigada. No que se refere ao desenvolvimento num sentido amplo, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento - Coredes Noroeste Colonial e Serra apresentam alto desenvolvimento.
Em relação especificamente à dimensão Renda, é possível incluir o Corede Metropolitano Delta do Jacuí neste grupo. Já no que se refere à Educação, nenhum Corede alcançou o alto desenvolvimento, e os Conselhos que estão em melhor posição no ranking do estado são Fronteira Noroeste, Norte e Noroeste Colonial, mas todos com médio desenvolvimento.
Por fim, na área de Saúde, a grande maioria dos Coredes atingiu o alto desenvolvimento, com exceção apenas dos Coredes Campanha, Vale do Rio dos Sinos, Jacuí-Centro, Fronteira Oeste e Sul. Os Centro-Sul e Sul concentram os menores níveis de desenvolvimento do estado. Dentre os 28 Coredes do Rio Grande do Sul, o Vale do Rio dos Sinos encontra-se apenas na 17ª posição no Idese geral, na 8ª em Renda, na 23ª em Educação e na 25ª em Saúde. As disparidades regionais refletem a concentração dos investimentos públicos e privados em determinadas regiões e atividades econômicas.
IHU On-Line – É pensando na melhora da qualidade de vida das pessoas, logo, melhora nos índices socioeconômicos, que as Nações Unidas lançam os Objetivos para Desenvolvimento do Milênio - ODM. A meta era erradicar a extrema pobreza e a fome até 2015. Pensando na realidade do Brasil e do Rio Grande do Sul, quanto se avançou nesse sentido até 2015?
Angélica Massuquetti – A partir da divulgação dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Contínua, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, identificou-se que houve uma expansão da pobreza extrema no Brasil, que passou de 13,3 milhões de pessoas, em 2016, para 14,8 milhões de pessoas, em 2017. Ou seja, 7,2% da população do Brasil encontra-se entre os extremamente pobres, que vivem com menos de US$ 1,90/dia. Esse aumento de 11,2% pode ser reflexo da recuperação do mercado de trabalho puxada pelo emprego informal e não pelo formal. A região sul, apesar de ser a segunda com o menor número de pessoas nesta situação, também apresentou crescimento neste período.
Ainda segundo o IBGE, em 2017, 43,3% dos rendimentos do Brasil estavam nas mãos de 10% da população com maiores rendimentos. Por outro lado, os 10% com menores rendimentos detinham apenas 0,7% deste total. A concentração de renda na economia brasileira, neste patamar, impede a erradicação da extrema pobreza e, consequentemente, da fome no país.
IHU On-Line – Ainda sobre ODM e a realidade brasileira e gaúcha, que desafios se configuram pós-2015?
Angélica Massuquetti – Os maiores desafios para ambos é a geração de emprego formal, já que dá mais segurança socioeconômica, com acesso aos direitos trabalhistas e mais facilidade de obtenção de crédito.
IHU On-Line – Quais os maiores limites das políticas públicas do Brasil de hoje na busca pela redução das desigualdades? E como superá-los?
Angélica Massuquetti – O maior limite das políticas públicas para ação efetiva na redução das desigualdades é o combate à corrupção. A renda, a educação, a saúde, a segurança pública, o saneamento básico, o lazer etc. são afetados diretamente pela corrupção. A superação deste limite é alcançada com transparência e regulação.
IHU On-Line – O Brasil e em especial o Rio Grande do Sul se destacam pela produção agrícola. Em que medida ainda podemos apostar nas riquezas geradas pelo campo para combater as desigualdades?
Angélica Massuquetti – O agronegócio brasileiro vem aumentando sua importância na economia nacional desde o início dos anos 2000. A principal razão foi a expansão econômica de países emergentes, como a China. De acordo com dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - MDIC, em 2017, as exportações do agronegócio brasileiro representaram 44,1% do total comercializado pelo país com o resto do mundo. No que se refere ao Rio Grande do Sul, o agronegócio representou 65,1% do total comercializado pelo estado e 12,1% do total comercializado pelo país com o resto do mundo. Assim, nota-se a relevância deste setor para a economia gaúcha na geração de emprego e de renda.
IHU On-Line – Quais os limites de uma política econômica voltada para exportação, especialmente de produtos agrícolas? De que forma essa opção pelos mercados internacionais pode impactar os índices de desenvolvimento socioeconômico?
Angélica Massuquetti – As políticas públicas necessárias para a expansão das exportações de produtos agrícolas estão relacionadas à infraestrutura logística e energética. Os produtores agropecuários são competitivos, mas o Custo Brasil impede que os produtos nacionais consigam ser mais competitivos no mercado internacional. A literatura tem apontado que uma das principais razões para a recente redução da pobreza global é a elevação das taxas de crescimento econômico, impulsionada pela maior participação das economias em desenvolvimento nos fluxos de comércio internacional.
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Concentração de renda é o principal entrave no combate à extrema pobreza. Entrevista especial com Angélica Massuquetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU