19 Março 2018
Em um livro de 1964, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco distinguiu duas atitudes principais à ascensão da mídia de massa: uma abordagem apocalíptica, que via melancolia e desgraça nas novas tecnologias, e uma opção de integrar as revoluções das tecnologias e das comunicações à cultura preexistente.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 16-03-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Hoje, à medida que as redes sociais se estabelecem como uma forma primária de comunicação, principalmente entre os jovens, leigos católicos e líderes religiosos pareciam estar descobrindo onde estão no espectro desses dois polos, em uma conferência em Roma, na quarta-feira.
Enquanto o objetivo principal do congresso era olhar as redes sociais "não como um problema, mas como um recurso", a maioria dos palestrantes, representando diferentes denominações religiosas, concordou que representam cada vez mais preocupações.
O encontro foi patrocinado pela conferência episcopal da região do Lácio, que se reúne anualmente no auditório do Santuário Divino Amore, nos arredores de Roma. Este ano, os organizadores decidiram discutir o tema "Juventude e Deus na Web", atraindo centenas de educadores e professores.
Em outubro, o Vaticano vai sediar um sínodo sobre juventude e discernimento, convocado pelo Papa Francisco, que deve abordar os desafios impostos pelas redes sociais ao abordar os jovens. O encontro de bispos está mergulhando no universo do Facebook, em busca de ideias sobre as questões e preocupações que a juventude enfrenta hoje.
"Eu me coloco entre os apocalípticos", disse Paolo Naso, jornalista protestante, que já trabalhou de perto com a comunidade de Santo Egídio. Ele faz parte da pequena mas simbolicamente importante Igreja Evangélica Valdense, na Itália, que é na verdade uma denominação pré-protestante fundada no século XII por Peter Waldo, um reformador espiritual medieval. Desde então, ela fundiu-se com a Igreja Metodista na Itália.
Embora Naso não tenha expressado sua opinião sobre toda a web, e-mails e dispositivos tecnológicos, ele falou com pessimismo sobre as redes sociais, afirmando que promovem uma nova forma de "tribalismo".
O uso da palavra "seguidor", afirmou, "é problemática, não apenas em termos religiosos, mas também seculares", porque pressupõe "gurus" que, através de sua presença nas mídias sociais, influenciam e convencem os acólitos. Mesmo a ideia de amizade nessas plataformas é distorcida, de acordo com o jornalista, porque não é compreendida como "qualidade de relação”, mas torna-se uma porta para poder entrar no círculo de alguém.
Naso mencionou quatro grandes questões que, segundo ele, são galopantes no universo das redes sociais.
A primeira é a "natureza compulsiva", em que "se deve reagir, e reagir com pressa" ao que acontece, o que, para ele, "não permite reflexão, não permite pensar melhor”.
O segundo problema, de acordo com Naso, é a "radicalidade" das redes sociais, que geralmente "se tornam um lugar, um território fértil para insultos e ofensas".
Em terceiro, "é evidente que [as redes sociais] são um ensaio de exibicionismo, porque as pessoas podem facilmente medir o sucesso de suas palavras na web", disse, preocupado com o número crescente de "influenciadores", que, pela quantidade de seguidores, têm um enorme impacto sobre as tendências e crenças.
Falando para os educadores, Naso apontou para o fato de as redes sociais, por seu enorme poder, facilmente os substituírem na formação da mente dos jovens. Mas isso significaria esquecer a importância da "dimensão material dos relacionamentos", que, para ele, são importantes principalmente na dinâmica professor/aluno.
A âncora Monica Mondo, do canal católico italiano Tv2000, também moderadora do encontro, também assumiu uma postura relativamente apocalíptica. Embora reconheça a possibilidade oferecida pelas redes sociais de conectar não apenas indivíduos, mas também pessoas com Deus, ela manifestou preocupação com o "narcisismo exibicionista" que, segundo ela, domina esses fóruns.
No outro extremo do espectro, entre os integradores de Eco, estava o bispo italiano Gerardo Antonazzo, presidente da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo da conferência episcopal da região do Lácio.
De acordo com o bispo, o tema das redes sociais "merece ser mencionado sem medo ou ímpeto emocional, mas de forma sensata".
Antonazzo reconheceu que as redes sociais têm se tornado tão essenciais na forma como as pessoas - e especialmente os jovens - interagem que não podem ser ignoradas ou subestimadas. Apesar de afirmar a importância de questões sobre a qualidade dos relacionamentos nas redes sociais, o bispo também colocou a possibilidade de se tornarem "um canal privilegiado para promover um encontro com Deus".
Ele questionou se é possível criar "símbolos da fé que possam ser divulgados e, portanto, cultivados apesar do uso das redes sociais" para criar experiências religiosas.
"Estamos todos conscientes de que as redes sociais apresentaram uma grande oportunidade para divulgar o Evangelho de forma imediata, com um simples 'clique', em todo o mundo", disse Antonazzo.
O padre católico Paolo Bennati, autor de vários artigos sobre biotecnologia e inovação, disse que "a tecnologia não é nossa inimiga", embora seja essencial tentar preservar a humanidade ao navegar no mundo digital.
Ele comparou mamutes antigos, que tiveram de esperar por uma nova geração sem pelos para poder migrar para a Ásia ou a África, e os seres humanos, que não esperaram seus filhos estarem preparados para colocá-los na "tundra congelada" da era digital.
Hoje, disse Bennati, o "conhecimento se inverteu”, pois em vez de ser passado de geração em geração agora os jovens é que ensinam os adultos a se adaptar às novas tecnologias.
"Esta revolução nasceu de um grupo de piratas", acrescentou, referindo-se aos jovens dos anos 60 que fundaram a Apple, a Microsoft e a Google, de forma que já não há "uma autoridade ou fonte credenciada”.
O principal objetivo agora, afirmou, é aprender a habitar este "continente digital que é a vida dos nossos filhos".
O rabino Benedetto Carducci Viterbi, diretor das escolas judaicas de Roma e professor de exegese bíblica na Universidade Gregoriana, definiu-se como "nem totalmente integrador nem apocalíptico". A palavra "web", disse, tem uma dupla natureza, que implica não apenas "conectar, colocar em relação", mas também "pegar, aprisionar", ou seja, a chave torna-se "como melhor desenvolver e utilizar a mecânica da web" e ao mesmo tempo "nos proteger dos perigos".
A partir do primeiro versículo de Levítico, quando Deus fala com Adão, ele traz um modelo de conversa que pode ser aplicado para analisar todas as formas de comunicação, bem como as redes sociais.
"Toda vez que Deus fala, Ele chama pelo nome primeiro", disse Viterbi. "Ao chamar [Moisés] pelo nome, Ele expressa seu afeto a ele. A partir disso, os mestres afirmam que para falar com alguém se deve primeiro chamar pelo nome e, assim, prepará-los para ouvir."
O rabino disse que ainda que a web permita individualidade "muitas vezes nos encontramos perante redes sociais que nos inundam sem o nosso consentimento". No que se refere a empatia, ele observou que "é um aspecto mais problemático, porque necessariamente tem que passar pela presença física", mas ao mesmo tempo enfatizou que as redes sociais ampliam radicalmente as possibilidades de relação.
"Como os apocalípticos em última análise devem desistir e proibir [as redes sociais] é insustentável, devemos optar pelo plano B", que é a redução da influência das redes sociais na nossa vida, disse Naso.
De acordo com a Mondo, que se descreve como uma mãe de três filhos "que vivem na web", os professores e educadores são essenciais na promoção de uma cultura que não esteja envolta pelas redes sociais. "As crianças nunca ouvem seus pais, geralmente ouvem mais os educadores, professores e outros adultos", disse ela, acrescentando que as famílias hoje "são liquefeitas e desagregadas".
Mondo disse aos participantes do congresso que proíbe seus filhos de usar o celular na mesa de jantar e tenta limitá-los tanto quanto possível.
Viterbi afirmou que em sua família a refeição semanal do Shabat não tem nenhum telefone - e internet. No final, disse, seus cinco filhos vão correndo ver o telefone ou tablet para saber "o que perderam."
"O elemento corretivo tem que vir de nós. Precisamos nos perguntar como responder como seres humanos", afirmou.
Inspirado na comunicação entre Deus e Moisés, os grandes professor e aluno, Viterbi disse que a necessidade compulsiva dos jovens de chamar a atenção nas redes sociais pode ser corrigida, pois "pode advir do fato de que ninguém os escuta realmente".
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Católicos encontram seu caminho entre apocalípticos e integradores no mundo digital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU