19 Fevereiro 2018
O Papa Francisco renovou o mandato da sua comissão de proteção contra abusos sexuais do clero no dia 17 de fevereiro, dois meses após a lacuna do grupo, que ficou em inatividade, ter levado defensores das vítimas a questionares se a tutela dos menores estava sendo realmente priorizada na Igreja Católica.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 17-02-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O pontífice voltou a nomear oito dos membros anteriores da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores e acrescentou outras nove novas pessoas. O cardeal de Boston, Sean O'Malley, retorna ao posto de presidente do grupo, e o padre de Boston Mons. Robert Oliver volta a ser secretário.
Embora nenhum dos membros da comissão seja publicamente conhecido como vítima de abuso, o grupo declarou, em um comunicado, que alguns deles são vítimas que ainda não se identificaram publicamente. A comissão afirma que "acredita que sua privacidade neste assunto deve ser respeitada".
Seis antigos membros da comissão não foram nomeados por Francisco, como algumas das figuras mais conhecidas do grupo, tais como: A psicoterapeuta francesa Catherine Bonnet, a baronesa britânica Sheila Hollins, a autoridade da Igreja da Nova Zelândia, Bill Kilgallon, e a conselheira de uma congregação religiosa Krysten Winter-Green.
Marie Collins, vítima de abuso irlandesa que se demitiu por estar frustrada com a comissão, em março do ano passado, disse que algumas das pessoas que não voltaram a ser nomeadas estavam entre os membros mais ativos do grupo. Ela disse que três eram líderes de seis grupos de trabalho da comissão.
"Estou chocada com o descarte de alguns dos membros mais ativos e independentes da comissão", disse Collins. "Alguns dos que saíram eram os mais ativos e tinham mais experiência no trabalho com a proteção das crianças e no trabalho direto com as vítimas”.
O mandato de três anos dos membros da comissão havia expirado em 17 de dezembro.
A nomeação de novos membros por Francisco ao seu corpo consultivo vem no momento em que ele enfrenta algumas das críticas mais pesadas de seu papado sobre a forma de lidar com acusações contra um bispo chileno acusado de encobrir abusos quando era padre, nos anos 80 e 90.
Depois de menosprezar as acusações, considerando-as “calúnia” no mês passado, o Papa voltou atrás no dia 30 de janeiro, enviando o Arcebispo Maltês Charles Scicluna, um dos mais respeitados investigadores da Igreja em assuntos de abusos do clero, para examinar as declarações das vítimas.
Scicluna deveria ouvir os depoimentos de um dos acusadores do bispo Juan Barros no dia 17 de fevereiro, num encontro em Nova York com Juan Carlos Cruz, vítima de abuso que afirma que Barros testemunhou o abuso cometido pelo Pe. Fernando Karadima.
Bonnet disse que ela decidiu demitir-se da comissão em junho passado após perder a esperança que tinha em relação ao trabalho do grupo por duas vezes. Ela disse que tinha esperança que as vítimas ou grupos de defesa fossem convidados para serem ouvidos pela comissão, para que pudesse contribuir com o seu trabalho antes ou na ocasião da última reunião plenária, em setembro de 2017.
A outra esperança que tinha era que a comissão votasse enquanto grupo por recomendar que Francisco declarasse que os líderes da Igreja ao redor do mundo fossem obrigados a denunciar suspeitas de abusos a autoridades civis, a fim de "reduzir o sofrimento das crianças, para que não tenham que esperar anos e anos para que os abusos sejam denunciados".
Os outros dois membros da comissão que não voltaram a ser nomeados por Francisco são o jesuíta argentino Pe. Humberto Yanez, diretor do departamento de teologia moral da Pontifícia Universidade Gregoriana; e a australiana Kathleen McCormack, autoridade da Igreja.
Os nove novos membros da comissão vêm de vários lugares, como: Etiópia, Índia, Tonga, Brasil, Austrália e Holanda. Entre eles, está também Teresa Kettelkamp, ex-diretora executiva do Bureau de Proteção à Infância e à Juventude da Conferência dos Bispos dos EUA e ex-coronel da polícia de Illinois.
A comissão disse, em seu comunicado de imprensa, que espera que os novos membros tenham ideias que "reflitam o alcance global da Igreja e o desafio de criar estruturas de proteção em diversos contextos culturais".
O grupo também disse que sua próxima plenária, que deve ser realizada em abril, começaria com uma reunião com algumas vítimas de abuso sexual. A declaração acrescentou ainda que "há discussões em andamento" para a criação de um novo painel consultivo de pessoas que sofreram abuso.
Os outros oito novos membros da comissão são:
Benyam Mezmur, que leciona Direito no Instituto Dullah Omar, na Etiópia;
Arina Gonsalves, Irmã Religiosa de Jesus e Maria, vice-provincial de sua ordem na Índia;
Neville Owen, antigo juiz do Tribunal de Recursos da Suprema Corte da Austrália Ocidental;
Sinaelelea Fe'ao, coordenadora de educação religiosa das dioceses de Tonga e Niue;
Myriam Wijlens, professora de Direito Canônico da Universidade de Erfurt, na Alemanha;
Ernesto Caffo, professor de psiquiatria infantil e adolescente na Itália, na Universidade de Módena e Reggio Emilia;
A Irmã Missionária Franciscana da Divina Maternidade Jane Bertelsen, líder congregacional da sua ordem; e Nelson Giovanelli, fundador de um centro brasileiro de reabilitação de usuários de drogas.
A comissão esteve cada vez mais em foco público desde que Francisco a criou, em março de 2014.
Collins renunciou no dia 1º de março, expressando frustração com funcionários do Vaticano por sua resistência em cooperar com o trabalho da comissão para proteger as crianças. Ela citou estar particularmente insatisfeita com a recusa de um escritório do Vaticano em atender a um pedido da comissão, aprovado pelo Papa, de que todas as cartas enviadas ao Vaticano por vítimas de abuso fossem respondidas.
Também citou o pedido da comissão, aprovado pelo Papa, de que o Vaticano criasse um novo tribunal para julgar os bispos que atuam de forma inadequada em casos de abuso sexual. Apesar de ter sido anunciado por O'Malley em junho de 2015, o tribunal nunca foi criado.
No lugar do tribunal proposto, Francisco assinou uma nova lei universal para a Igreja em junho de 2016 especificando que em caso de negligência ao responder a casos de abuso sexual clerical, os bispos podem ser afastados do cargo. Desde então, não ficou claro de que forma os processos descritos na lei estão sendo aplicados ou seguidos.
Winter-Green, membro da antiga comissão, declarou, em uma entrevista em agosto do ano passado, que um problema que o grupo enfrentava era a falta de pessoal e o excesso de trabalho.
"Temos um trabalho terrível e um orçamento muito apertado”, disse, na época, classificando a "falta de transparências nas informações sobre os recursos orçamentais" como um "grande desafio".
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Francisco renova comissão sobre abuso sexual, mas não volta a nomear seis membros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU