09 Fevereiro 2018
'É uma situação que o Papa não soube administrar, e foi de mal a pior', disse Collins ao The Tablet.
A reportagem foi publicada por The Tablet, 07-02-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Uma respeitada defensora de vítimas de abuso sexual disse que estava chocada, perplexa e confusa com a resposta do Papa Francisco a um bispo chileno acusado de fazer vista grossa a crimes.
Marie Collins, vítima de abuso que atuou na comissão do Papa para proteção a menores, falou depois do relato de que Francisco tinha tido acesso à carta de uma vítima do padre Fernando Karadima detalhando tanto o abuso como o fato de ter sido testemunhado por Juan Barros, que o Papa nomeou bispo de Osorno em 2015.
Karadima, condenado a uma vida de oração e penitência pelo Vaticano em 2011, foi mentor do futuro bispo e a carta escrita por Juan Carlos Cruz diz que o jovem Barros esteva presente durante os abusos de Karadima, que aconteceram depois de o próprio padre havia sido beijado e acariciado por Karadima. O surgimento da carta - que segundo a Associated Press foi entregue a Francisco pelo cardeal Sean O'Malley - desafia as alegações de Francisco de que "ninguém se pronunciou” ou deu qualquer evidência de encobrimento por parte do bispo Barros. Foi Collins quem entregou o testemunho de Cruz ao cardeal O'Malley, o principal conselheiro papal sobre questões de abuso, para que ele desse a carta ao Papa em 2015.
“É uma situação que o Papa não soube administrar, e foi de mal a pior”, disse Collins ao The Tablet. "E é uma pena que ele não tenha dado mais atenção à carta que recebeu nem enviado Scicluna para investigar antes".
O pontífice latino-americano de 81 anos agora ordenou que o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, viaje ao Chile e investigue o caso de Barros. O arcebispo Scicluna, ex-promotor-chefe do Vaticano, é amplamente considerado o principal investigador de casos de abuso e de possíveis encobrimentos.
Mas foi a resposta do Papa às vítimas de Karadima que mais surpreendeu Collins. Ainda no Chile, Francisco disse que as acusações de encobrimento por parte do bispo Barros - muitos dos quais vinham das pessoas abusadas por Karadima - eram "calúnia" porque não tinha sido apresentada nenhuma "prova". Isso levou à rara repreensão do cardeal O'Malley, que disse que as palavras de Francisco causaram "muita dor”. O Papa então pediu desculpas por qualquer mal que tenha causado, mas repetiu as afirmações de que nenhuma evidência contra o bispo Barros havia sido apresentada a ele.
"Me surpreendeu, porque eu tinha uma fé razoável no Papa, e ele realmente parecia ter uma compreensão da dor das vítimas. Estou me sentindo confusa em geral”, explicou.
"Não teria sido tão chocante se ele não tivesse falado de forma tão severa com as vítimas, e é difícil de entender por que ele falou dessa forma. Ele também esteve no Chile e poderia ter conhecido essas vítimas enquanto estava lá." Embora o Papa tenha se reunido com vítimas de abuso durante sua visita ao Chile, as vítimas de Karadima não estavam incluídas.
Apesar de ter criado a primeira comissão papal de proteção a menores e ter se comprometido a ter "tolerância zero" em casos de abuso, Francisco tem enfrentado críticas por não priorizar o escândalo o suficiente. Em relação a isso, Collins citou a contínua falta de novos membros para a Pontifícia Comissão para Tutela de Menores. No ano passado, ela se demitiu da comissão por estar frustrada com as tentativas de impedir a reforma do órgão doutrinal do Vaticano - a Congregação para a Doutrina da Fé -, que desempenha um papel crucial na abordagem de casos de abuso.
"A outra coisa chocante é que a comissão foi deixada à deriva e que não foram nomeados novos membros", disse ela. "A próxima reunião é em abril, e o trabalho deve continuar entre elas, mas não sem membros. As coisas não podem ser deixadas como estão."
Embora o Vaticano não tenha respondido aos acontecimentos mais recentes, fontes apontam para a nomeação do arcebispo Scicluna como sinal de uma disposição para tomar medidas difíceis.
Não obstante, tem-se pedido que Francisco preste mais atenção a escândalos de abuso agora. A questão-chave, que Collins e outros já identificaram, é a igreja se concentrar nas necessidades das vítimas e prevenir futuros abusos.
No caso do bispo Barros, Francisco não está sendo acusado de encobrir - como vários líderes da Igreja foram acusados -, mas de responder às vítimas de forma inadequada e de nomear um líder religioso acusado de não ser capaz de reconhecer casos de abuso.
O bispo Barros, que nega as alegações de encobrimento, é citado na carta apresentada ao Papa como testemunhando o abuso de Karadima, enquanto o jovem Barros também foi visto sendo beijado e acariciado por Karadima.
Entretanto, algumas pessoas no Vaticano veem o abuso clerical como um problema do passado, enquanto o Papa tem lutado para implementar estruturas na Cúria Romana que responsabilizem os bispos por lidar com os abusos de forma inadequada.
Agora o escândalo ameaça voltar à agenda neste verão, quando Francisco deve viajar para Dublin para o Encontro Mundial das Famílias em agosto.
"A Irlanda é um país que foi dizimado pela questão do abuso - muitos foram embora", disse Collins. "Agora temos um clero que está envelhecendo e poucas novas vocações. Não foi tanto o fato de terem acontecido casos de abuso que causou isso, mas a forma terrível com que se lidou com isso".
Acrescentou, ainda: "Na Irlanda, a esperança tinha sido renovada com Francisco, mas algumas dessas esperanças foram frustradas nos últimos tempos".
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Marie Collins 'confusa' com a resposta do Papa Francisco a casos de abuso no Chile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU