29 Janeiro 2018
Por uma coincidência do destino, o Papa Francisco e o Arcebispo de Canterbury, Justin Welby, estão no centro de dois problemas distintos. Os dois casos dizem respeito a um bispo, e em ambos a questão é o abuso sexual infantil. As situações instauradas refletem um juízo equivocado de ambos os líderes religiosos. Indicam uma negligência institucional para com as exigências da justiça natural.
A informação é publicada por The Tablet, 25-01-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No caso do Papa Francisco, ele encontrou um jeito de limitar o dano autoinfligido, enquanto que Welby, até agora pelo menos, se recusou a ceder. Consequentemente, na próxima assembleia do Sínodo Geral haverá pedidos para que renuncie. Dos dois episódios, o concernente ao papa é o mais significativo, pois levanta uma série de dúvidas relacionadas ao atual tratamento dado pela Igreja Católica à crise de pedofilia. O bispo anglicano Bell morreu em 1958. O bispo católico Barros é atualmente o responsável pela Diocese de Osorno, no Chile, posto ao qual foi nomeado pelo Papa Francisco.
Além da questão de Barros, a visita papal na semana passada ao Chile e ao Peru foi um exemplo excelente do estilo público de Francisco. Ele criticou os ricos e abraçou os pobres, especialmente os povos indígenas da América Latina que têm vivido situações difíceis, e foi duro com os que exploram e abusam o meio ambiente. À parte do seu tratamento no caso de Barros, portanto, a visita poderia ser considerada um grande sucesso.
Mas o caso de Barros em particular acabou lançando uma sombra contra todo o resto. Aqueles que se interessam em descartar as suas admoestações em nome da justiça social tiveram uma desculpa para assim agir. Muitos dos seus apoiadores agora se perguntam se as esperanças que tinham, de um “paradigma pastoral” inovador e revigorante por trás deste papado, podem estar perigo.
Barros foi nomeado pelo Papa Francisco apesar da associação no Chile de que ele era pessoa próxima do carismático padre Fernando Karadima, quem mais tarde fora desmascarado como um pedófilo em série. Algumas das vítimas do abusador foram mais longe e alegaram que Barros foi cúmplice do abusador. Perguntado sobre o caso, Francisco repetiu o posicionamento vaticano oficial de que estas acusações – as quais o bispo sempre negou com veemência – haviam sido investigadas e encerradas. O papa descreveu tais acusações como uma calúnia feita a um inocente. “No dia em que me apresentarem uma prova contra Dom Barros, falarei com vocês. Não há uma única prova contra ele. É calúnia. Está claro?”, declarou ele a um grupo de jornalistas chilenos.
Prontamente ele foi repreendido pelo Cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Boston e presidente da comissão papal dedicada à questão dos abusos sexuais na Igreja, quem disse que tais palavras foram “fonte de grande dor para os sobreviventes de abuso sexual”. O papa havia deixado implícito que, a menos que as vítimas tenham provas, não se deve acreditar nelas. Mas isto vai ao encontro de um grande erro da Igreja, feito inúmeras vezes em todo o mundo, de dificilmente levar a sério o suficiente as acusações de pedofilia clerical. Mesmo quando, mais tarde, o papa retirou as palavras proferidas e se desculpou, alegando que deveria ter usado a palavra “evidência” em vez de “prova”, o que este incidente revela sobre a sua mentalidade é preocupante.
Por trás disso tudo está a ausência, no Vaticano, de um fórum ou tribunal próprio para lidar com acusações contra os bispos. Por causa disso, sem mencionar os seus acusadores, ao próprio Barros lhe está sendo negada a justiça natural. Prometeu-se um tribunal para esta finalidade, mas até agora nada apareceu. Investigações secretas do Vaticano não passam no primeiro teste de justiça: que não devem somente serem feitas, mas também serem vistas. Dois membros da comissão papal sobre abuso sexual renunciaram porque tiveram a sensação de que o problema está sendo marginalizado no Vaticano, e o processo para a nomeação de seus sucessores não recebeu nenhuma urgência. Eles e outros membros da comissão teceram duras críticas à nomeação de Barros.
Este bispo está hoje pessoalmente responsável pela segurança das crianças em sua diocese. É razoável esperar que os pais confiem nele? Dado o dano psicológico profundo e permanente que o abuso infantil pode causar, a Igreja não pode se dar ao luxo de correr quaisquer riscos nesse setor. Quando as acusações contra Karadima surgiram, Barros o defendeu. A relação próxima de Barros a Karadima deveria ser mais que o suficiente para não nomeá-lo a uma diocese.
É característico do abuso infantil que os abusadores muitas vezes pareçam pessoas retas, até mesmo pessoas distintas, àqueles que os conhecem bem. Tende-se a achar impossível pensar coisas ruins de uma tal pessoa. Esta é a defesa apresentada por Welby, quem se recusou a reconhecer que o tratamento dado pela Igreja da Inglaterra a uma queixa póstuma contra o Bispo George Bell, de Chichester, foi um completo fracasso.
Uma investigação feita pelo conselheiro da rainha, o Lorde Carlile, concluiu que a reputação de Bell fora “prejudicada errônea e desnecessariamente pela Igreja”.
Welby disse, depois que a investigação de Carlile fora publicada, que, apesar do que se descobriu, “uma nuvem significativa” ainda continuava existindo em torno da memória de Bell. Isso levou a uma campanha para persuadi-lo no sentido de retirar o que disse, coisa a que se negou a fazer. “Em vários sentidos, Bell foi um herói”, disse. “Ele também é acusado de uma grande maldade. Boas ações não diminuem os atos maléficos, tampouco os erros tornam correto esquecer os acertos”. Isto implica Welby achar que ações más foram, de fato, cometidas, e que as pessoas têm se recusado a acreditar nisso.
Para gerações de anglicanos, Bell fora um exemplo brilhante de coragem profética, sem contar a sua denúncia do bombardeio de saturação, pela Força Aérea Real, a cidades alemãs a um custo de milhares de vidas inocentes. Bell foi também um exemplo para o movimento de resistência ao nazismo na Alemanha. Teria sido o sucessor natural de William Temple como Arcebispo de Canterbury não fosse a oposição do então primeiro-ministro, Winston Churchill.
Uma única alegação de abuso sexual contra ele foi feita, pela primeira vez, 38 anos após a sua morte, e os apoiadores de Bell dizem que a explicação mais provável é que se trata de uma confusão de identidades. A Igreja da Inglaterra chegou rápido demais, sem nada que se assemelhasse a um devido processo legal, à conclusão de que o religioso foi culpado. Da mesma forma, o Papa Francisco chegou demasiadamente rápido à conclusão de que Barros é inocente.
Em nenhum dos casos se fez justiça, ou se viu ela ser feita. Tampouco a causa da proteção infantil – e da confiança pública ao tratamento dispensado pela Igreja ao tema – fora fortalecida. Este não pode ser o fim de nenhum dos casos atuais. Ambas as igrejas têm mais explicações a dar.
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Papa e Primaz Anglicano estão em erro em casos de pedofilia relativos a bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU