08 Setembro 2017
O papa argentino Jorge Mario Bergoglio chega, hoje, a Colômbia para uma delicada visita de cinco dias, que busca inspirar a paz e promover a reconciliação social em um país profundamente polarizado, apesar da recente assinatura do acordo de paz com a guerrilha das FARC e uma trégua com o ELN, que estão colocando fim a mais de 50 anos de conflito.
A reportagem é de Bernardo Barranco V., publicada por La Jornada, 06-09-2017. A tradução é do Cepat.
A dois dias de sua chegada, de Roma, Francisco enviou um vídeo onde estampa o selo de sua visita: ‘Irei como peregrino de esperança e de paz’. Francisco explica que escolheu como lema da viagem ‘Demos o primeiro passo’, porque nos recorda, disse, que sempre é necessário dar um primeiro passo para qualquer atividade e projeto. Também nos estimula a sermos os primeiros a amar, a criar pontes, a criar fraternidade.
O Papa sugere aos colombianos romper com o passado de violência e conflagração, e a se comprometer com tenacidade na construção da paz. Francisco estará em quatro cidades, em cinco dias: Bogotá, Villavicencio, Medellín e Cartagena das Índias, nas quais celebrará missas campais em um parque, em um complexo pecuário, um aeroporto e um porto. Pronunciará discursos e presidirá missas multitudinárias e se reunirá com vítimas e atores do conflito interno. Procederá assim em Villavicencio, onde está previsto um ato pela reconciliação nacional. Além disso, também uma confissão massiva em uma esplanada comercial.
Francisco é o terceiro pontífice a visitar a Colômbia, após Paulo VI, em 1968, e da apoteótica viagem de João Paulo II, em 1986. As gerações atuais não conhecem as novidades que representou a primeira visita de um Papa na América Latina, há quase 50 anos. Quando era muito raro que um pontífice viajasse e se deslocasse a um lugar tão distante de Roma. Assim como foi quando, ao descer o avião, Paulo VI, na manhã do dia 22 de agosto de 1968, beijou o solo americano, diante da visão atônita do então presidente colombiano Carlos Lleras Restrepo.
O Papa Giovanni Montini, erudito intelectual e austero, chegou à América Latina impregnado das novidades do recém-concluído Concílio Vaticano II. O principal objetivo foi inaugurar a reunião da terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (CELAM). Suas mensagens e discursos na Colômbia foram sociais e de denúncia, demandando justiça para os pobres, com conteúdos influenciados pela encíclica Populorum Progressio (1967), dedicada à cooperação entre os povos e ao problema dos países em vias de desenvolvimento. A atitude de Paulo VI, sem dúvida, teve influência nos trabalhos dos bispos que confluíram nos documentos de Medellín e na opção da Igreja pelos pobres. Medellín foi o epicentro do vasto movimento social das comunidades de base e da Teologia da Libertação.
Se há cinco décadas a Igreja católica era dona espiritual do continente, hoje, Francisco enfrenta uma Colômbia profundamente dividida e indignada pelos níveis cínicos de corrupção generalizada nas elites. Chega a uma região de conflito pela Venezuela, onde se coloca à prova a geopolítica do pontífice. Inclusive, está planejada uma reunião com a conferência de bispos venezuelanos.
A paz e a reconciliação serão os principais desafios de Francisco nesta viagem. Um setor colombiano conservador olha com desconfiança a pregação de Francisco em torno da conquista de uma paz duradoura. Há grupos que temem que a boa vontade do Papa argentino seja capitalizada pelas facções fiéis ao atual presidente Juan Manuel Santos. Apesar do clero colombiano ter reiterado que se trata de uma viagem pastoral, nos fatos a visita se politizou. Ou seja, Francisco chega a uma região não só de guerra militar, mas também política. O Papa anseia uma reconciliação, ao mesmo tempo em que as confrontadas elites de poder almejam tirar proveito dos pronunciamentos, gestos, metáforas e silêncios de Bergoglio.
A disputa do conservador ex-presidente Álvaro Uribe Vélez com seu sucessor, Manuel Santos, é antagônica e desgastante. Segundo Santos, “o Papa vem apoiando as negociações desde o início, desde quando o visitei pela primeira vez. Ele me disse: ‘Mantenha-se aí, não vá fraquejar’. Ao passo que a oposição, desde o plebiscito, não deixou de questionar o governo pela utilização legitimadora do Papa.
A poucas horas da chegada do Pontífice à Colômbia, Uribe escreveu uma mensagem ao Papa Francisco, com a finalidade de fixar uma posição: “Sua Santidade: Nunca nos opusemos à paz, no entanto, a impunidade total aos responsáveis de crimes atrozes, sua elegibilidade política, a autorização legal que receberam para gastar dinheiros ilícitos em suas atividades políticas, e outros pontos, são estímulos ao crime. A Colômbia teve uma democracia afetada pelo narcoterrorismo, não uma ditadura enfrentada por civis armados”.
Diante do enfrentamento pela busca da conformação da paz no pós-conflito colombiano, a Igreja não escapou das polarizações. No plebiscito sobre os acordos de paz da Colômbia, em outubro de 2016, houve bispos, como o de Cáli, que fez eco ao entusiasmo do Papa e apostou pelo sim, ao passo que a maioria dos bispos preferiu não se pronunciar, lavou as mãos, e deixou para a consciência dos fiéis responder. Por isso, a reflexão de Francisco de Roux, um jesuíta com muito reconhecimento moral é agora pertinente:
“O Papa não é ingênuo, não irá se enrolar entre os bandos políticos. Fica espantado com a nossa polarização. Porque abandonar as armas é possível negociar, mas a ruptura de um povo consigo mesmo não se compõe com mesas de diálogos, nem com comissões internacionais. Por isso, o afeto o leva a se colocar ao lado de cada um de nós, onde cada um está, para convidar a dar o primeiro passo para a reconciliação. Irá convocar a Igreja da Colômbia para ir mais além, para que aprofunde a audácia evangélica, ao lado de todas as vítimas e todos os excluídos, em grandes atos, afirmativos, de reconciliação e de justiça”.
A mensagem é clara, Francisco deve sair da asfixiante atmosfera interna, evitar o envolvimento com os bandos do poder e, assim, estimular alternativas sob outras lógicas. Veremos.
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A delicada visita de Francisco à Colômbia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU