21 Junho 2017
Sete meses depois das “dubia”, em meados desta primavera, o Papa Francisco recebeu outra carta dos mesmos quatro cardeais, escrita por Carlo Caffarra em nome dos outros três: Walter Brandmüller, Raymond L. Burke e Joachim Meisner.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Settimo Cielo, 20-06-2017. A tradução é de André Langer.
E como já tinha acontecido com as “dubia”, também esta carta não obteve resposta.
Nela, os quatro cardeais pedem ao Papa para serem recebidos em audiência. Para falar com ele sobre as divisões provocadas pela Amoris Laetitia e a consequente “situação de confusão e desorientação” em grande parte da Igreja.
A carta está nas mãos de Francisco desde o dia 06 de maio passado. Mas a prolongada ausência de resposta ampliou a natureza. Como já aconteceu com as “dubia”, os quatro cardeais consideram ser justo que a carta seja proposta à reflexão de todo o “povo de Deus”, do qual sai o pedido de esclarecimento do qual eles são os porta-vozes.
A íntegra da carta, traduzida do original italiano, é reproduzida mais abaixo.
Mas também é útil assinalar que nos 45 dias transcorridos entre a entrega da carta ao Papa e sua publicação, a Babel das interpretações da Amoris Laetitia – mas não apenas isso – só aumentou.
Podemos mencionar, a este respeito, os seguintes fatos:
– Na Polônia, a Conferência Episcopal anunciou que em outubro próximo publicará as diretrizes para a aplicação da Amoris Laetitia que manterão firmes, sem exceções, o ensinamento de João Paulo II sobre os divorciados recasados, que poderão receber a comunhão apenas se se comprometerem a viver “como irmão e irmã”.
– Na Itália, a Conferência Episcopal da região da Sicília publicou as Orientações Pastorais sobre o capítulo oitavo da Amoris Laetitia que preveem “soluções práticas diferenciadas de acordo com as situações”, incluindo a absolvição e a comunhão para os divorciados recasados que vivem “more uxorio”.
– Também na Bélgica os bispos deram sinal verde, em uma Carta Pastoral, à comunhão para os divorciados recasados, embora simplesmente “decidida em consciência”.
– Na Argentina, na diocese de Reconquista, o bispo Ángel José Macín, incardinado ali pelo Papa Francisco em 2013, festejou publicamente a plena readmissão na Igreja de quase 30 casais de divorciados recasados que seguem vivendo “more uxório” e declarou ter-lhes dado a comunhão ao final de um caminho coletivo de preparação com base nas indicações da Amoris Laetitia e da posterior carta escrita pelo Papa aos bispos da região do Rio da Prata.
– Também na Itália, o teólogo Maurizio Chiodi publicou no último número da conhecida Rivista del Clero Italiano um ensaio no qual defende, à luz da Amoris Laetitia, a possibilidade da comunhão para os divorciados recasados, com base em “uma teoria da consciência que ultrapassa a alternativa da norma”. A Rivista del Clero Italiano é editada pela Universidade Católica de Milão, sob a direção de três bispos: Gianni Ambrosio, Franco Giulio Brambilla e Claudio Giuliodori. E há poucos dias, Chiodi foi nomeado pelo Papa Francisco membro ordinário da renovada Academia para a Vida.
– Sempre na Itália, em Turim, o padre católico Fredo Olivero confirmou que o grupo interconfessional Spezzare in pane [Partir o pão], do qual participa, reúne-se uma vez por mês para celebrar a Eucaristia, tanto no rito católico como no protestante, em que todos os presentes comungam. Ele se diz persuadido de que se trata do verdadeiro “pensamento pessoal” do Papa Francisco, de acordo com o que declarou no dia 15 de novembro de 2015 durante a visita à igreja luterana de Roma. Acrescentou que é necessário reler o dogma da transubstanciação em chave “espiritual” e que, se se está em Jesus, a missa poderia ser celebrada por qualquer pessoa, e não apenas por um ministro ordenado. Olivero fez esta “excursão” no último número de Riforma, o semanário da Igreja valdense.
– E por último, no Vaticano, parece que a comissão encarregada de “reinterpretar”, à luz da Amoris Laetitia, a encíclica de Paulo VI sobre a anticoncepção, a Humanae Vitae, foi instituída. Fazem parte desta comissão Pierangelo Sequeri, diretor do Pontifício Instituto João Paulo II para os Estudos sobre o Matrimônio e a Família; Angelo Maffeis, diretor do Instituto Paulo VI, da Brescia; e Philippe Chenaux, professor de História da Igreja na Pontifícia Universidade Lateranense. O coordenador é Gilfredo Marengo, professor de Antropologia Teológica no mencionado instituto fundado por João Paulo II e partidário de longa data das teses revisionistas.
Este é o estado dos fatos. E esta é a carta ao Papa de quatro cardeais que não se conformam.
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Santo Padre,
É com uma certa inquietação que me dirijo a Sua Santidade nestes dias do tempo pascal. Faço-o em nome das suas eminências os cardeais Walter Brandmüller, Raymond L. Burke, Joachim Meisner, e em meu próprio nome.
Nós desejamos, antes de mais nada, renovar a nossa absoluta dedicação e o nosso amor incondicional à Cátedra de Pedro e à Sua augusta pessoa, na qual reconhecemos o Sucessor de Pedro e o Vigário de Jesus: o “doce Cristo na terra”, como gostava de dizer Santa Catarina de Sena. Nós não compartilhamos em absoluto aquela posição de quantos consideram que a Sede de Pedro está vacante, nem a de quem pretende atribuir também a outros a responsabilidade indivisível do “munus” petrino. Anima-nos tão-somente a consciência da grave responsabilidade que provém do “munus” cardinalício: ser conselheiros do Sucessor de Pedro no seu ministério soberano, assim como do Sacramento do Episcopado, que “nos constituiu como bispos para apascentar a Igreja, por Ele adquirida com o seu próprio sangue” (At 20, 28).
Em 19 de setembro de 2016, entregamos a Sua Santidade e à Congregação para a Doutrina da Fé cinco “dubia”, pedindo-lhe que dirimisse incertezas e clareasse alguns pontos da Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia.
Não tendo recebido qualquer resposta da parte de Sua Santidade, chegamos a decisão de lhe pedir, respeitosa e humildemente, uma audiência, conjunta, se assim lhe aprouver. Nós juntamos, como é de praxe, uma Folha de Audiência em que expomos os dois pontos que desejaríamos poder tratar com Sua Santidade.
Santo Padre,
Já se passou um ano desde a publicação da Amoris Laetitia. Neste período, várias interpretações de algumas passagens objetivamente ambíguas da Exortação pós-sinodal, foram apresentadas publicamente, não divergentes, mas contrárias ao permanente Magistério da Igreja. Embora o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé tenha declarado mais de uma vez que a doutrina da Igreja não mudou, apareceram numerosas declarações de bispos, cardeais e até mesmo de Conferências Episcopais, que aprovam o que o Magistério da Igreja jamais aprovou. Não somente o acesso à Santa Eucaristia daqueles que vivem objetiva e publicamente numa situação de pecado grave e pretendem nela continuar, mas também uma concepção da consciência moral contrária à Tradição da Igreja. Acontece assim – oh, e como é doloroso constatá-lo! – que o que é pecado na Polônia é bom na Alemanha, o que é proibido na Arquidiocese da Filadélfia é lícito em Malta, e assim por diante. Vem-nos à mente a amarga constatação de Blaise Pascal: “Justiça do lado de cá dos Pireneus, injustiça do lado de lá; justiça na margem esquerda do rio, injustiça na margem direita”.
Numerosos leigos competentes, que amam profundamente a Igreja e são firmemente leais à Sé Apostólica, dirigiram-se aos seus Pastores e a Sua Santidade, para serem confirmados na Santa Doutrina no que diz respeito aos três sacramentos do Matrimônio, da Confissão e da Eucaristia. E justamente nestes últimos dias, em Roma, seis leigos provenientes de todos os continentes propuseram um seminário de estudo que contou com a participação de grande número de participantes e que teve o significativo título: “Esclarecer”.
Diante de tão grave situação, que está dividindo muitas comunidades cristãs, sentimos o peso da nossa responsabilidade, e a nossa consciência nos obriga a pedir humilde e respeitosamente uma audiência.
Pedimos a Sua Santidade para que se digne recordar de nós nas suas orações, como nós lhe asseguramos que o faremos nas nossas. E lhe pedimos o dom da sua bênção apostólica.
Carlo Card. Caffarra
Roma, 25 de abril de 2017.
Festa de São Marcos Evangelista
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1. Pedido de esclarecimento dos cinco pontos indicados nos “dubia”; razões para tal pedido.
2. Situação de confusão e desorientação, sobretudo entre os pastores de almas, os párocos "in primis".
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Outra carta dos quatro cardeais ao Papa. Agora pedem uma audiência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU