16 Janeiro 2017
Em diretrizes para a aplicação de Amoris Laetitia, documento do Papa Francisco sobre a família, os bispos de Malta dizem que os católicos divorciados e recasados que, com “uma consciência informada e iluminada”, creem estar em paz com Deus, “não podem ser impedidos de participar dos sacramentos”.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 13-01-20-17. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Os bispos de Malta, pequeno país insular que, em termos percentuais, está entre os mais católicos da terra, seguiram os seus iguais de Buenos Aires, arquidiocese de origem do pontífice, na abordagem que deram ao documento do Papa Francisco sobre a família, a exortação apostólica Amoris Laetitia.
Como os colegas latino-americanos, os bispos malteses produziram um conjunto de diretrizes que afirmam claramente que está aberta a porta da Sagrada Comunhão aos fiéis que se divorciaram e voltaram a se casar no civil.
“Se, como uma consequência do processo de discernimento”, escrevem os bispos, “uma pessoa separada ou divorciada que esteja vivendo um outro relacionamento consegue, com uma consciência informada e iluminada, reconhecer e acreditar que ele, ou ela, está em paz com Deus, esta pessoa não pode ser impedida de participar dos sacramentos da Reconciliação e Eucaristia”.
Isto quer dizer que, se uma pessoa, em boa consciência, crê que tem o direito comungar, os padres em Malta não podem excluí-la de acessar o sacramento.
O documento “Criteria for the Application of Chapter VIII of ‘Amoris Laetitia’” (Critérios para a aplicação do Capítulo VIII de ‘Amoris Laetitia’) foi assinado em 8 de janeiro por Dom Charles Scicluna, de Malta, e Dom Mario Grech, de Gozo. Divulgado em 13 de janeiro no sítio eletrônico dos bispos, o documento enviado aos padres do país incluía um exemplar do capítulo VIII ao final.
Nas diretrizes, os bispos escrevem que quando um padre encontra pessoas que se encontram em situações “irregulares”, ele deve “entrar em diálogo com elas e vir a conhecê-las em espírito de caridade autêntica”.
“Se, posteriormente, estas pessoas mostrarem um desejo genuíno ou aceitarem se envolver em um processo sério de discernimento pessoal sobre a situação que vivem, deveremos acompanhá-las com disposição nesta caminhada, com respeito, cuidado e atenção verdadeiros”, escrevem.
Os católicos que estão nessas situações, continua o documento citando Amoris Laetitia, “não só não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da Igreja”.
Ao longo de todo este processo de acompanhamento de quem está discernindo sua situação, o papel do padre – ou do bispo – não é o de “conceder permissão para que estas pessoas recebam os sacramentos, oferecer ‘receitas fáceis’ ou substituir suas consciências. O nosso papel é pacientemente ajudá-las a formar e iluminar suas consciências, a fim de que elas próprias possam ter condições de tomar uma decisão honesta diante de Deus”.
O primeiro passo neste processo, escrevem Scicluna e Grech, sempre deve ser a reafirmação do ensinamento católico sobre a indissolubilidade do matrimônio. Em seguida, a situação específica do casal deveria ser examinada para determinar se a primeira anterior foi um matrimônio válido e se dúvidas razoáveis surgir, elas deveriam ser encorajadas a solicitar uma declaração de anulação.
“No exercício do nosso ministério, devemos ser cuidadosos para evitar caírmos em extremos: no extremo rigor, por um lado; no laxismo, por outro”, lê-se nas orientações.
“Este processo deve ser um convite a promover certas atitudes, tais como a caridade pastoral, a castidade, a honestidade, a discrição, uma conversão contínua e o amor pela Igreja e o seu ensino”.
Os prelados encerram os critérios apresentados reconhecendo que, assim como o Papa Francisco, eles sabem que existem algumas pessoas que preferem um “acompanhamento pastoral mais rigoroso”.
No entanto, novamente citando as palavras de Amoris Laetitia, os bispos malteses dizem acreditar que “Jesus quer uma Igreja atenta à bondade que o Espírito Santo semeia no seio da fraqueza humana, uma Mãe que, claramente expressando o seu ensino objetivo, ‘sempre faz o que bem que pode, mesmo se no processo os seus calçados ficam sujos com a lama da rua’”.
Embora os dois prelados não tenham recebido uma carta de Francisco recomendando a abordagem adotada, como receberam os bispos argentinos, as diretrizes maltesas foram publicadas na sexta-feira pelo jornal do Vaticano L’Osservatore Romano, sinalizando que possuem a total aprovação de Roma.
Assim como a maioria das orientações episcopais até o agora, o documento basicamente aborda o Capítulo VIII de Amoris Laetitia, que se volta aos casais em situações irregulares.
Os bispos que produzem as diretrizes para a aplicação de Amoris Laetitia assim o fazem seguindo uma solicitação de Francisco. No entanto, as interpretações estão sendo variadas, com muitos prelados dizendo que o documento abre a porta à Comunhão para pessoas que voltaram a se casar no civil, e com outros afirmando que não, que fazer isso contradiz o ensino e a tradição da Igreja.
O cardeal sul-africano Wilfred Napier, ávido usuário do Twitter, vem compartilhando trechos do documento e algumas reflexões suas, em geral apoiando a exortação apostólica. Em 5 de janeiro, todavia, ele perguntou se “A fé ensinada pelos missionários, isto é, que a poligamia é moralmente errada porque as Escrituras ensinam um homem e uma esposa para toda a vida, está completamente errada?”
Scicluna, que foi mandado de volta a Malta por Francisco depois de 17 anos trabalhando na Congregação para a Doutrina da Fé, atuou como promotor de justiça sob o comando do Cardeal Joseph Ratzinger, quem o manteve no cargo quando se tornou Papa Bento XVI.
Perito em Direito Canônico, Scicluna é creditado como o responsável por construir as normas universais de 2010 que estenderam o tempo de prescrição para os casos de abuso sexual na Igreja.
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Bispos malteses: católicos recasados “em paz” podem comungar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU