13 Setembro 2016
“O texto é muito bom e explicita cabalmente o sentido do capítulo VIII da Amoris Laetitia. Não há outras interpretações”. São palavras textuais da resposta do Papa Francisco à nota sobre o Capítulo VIII da Amoris Laetitia, que a Região Pastoral de Buenos Aires enviou a seus sacerdotes com os critérios a seguir diante do possível acesso dos “divorciados em nova união” aos sacramentos.
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 11-09-2016. A tradução é do Cepat.
O que confere, pois, um especial interesse a esta nota é que foi enviada ao Papa Francisco, que respondeu com uma carta onde afirma: “O texto é muito bom e explicita cabalmente o sentido do capítulo VIII da Amoris Laetitia. Não há outras interpretações”.
Portanto, a nota dos Bispos permite reconhecer sem ambiguidades a interpretação correta do documento papal a respeito do verdadeiro alcance do capítulo VIII. Por outro lado, o Papa também pediu aos prelados argentinos que ajudem a difundir o documento inteiro, que convida a consolidar os matrimônios.
Como se faz notar explicitamente no texto, os critérios da Região Pastoral de Buenos Aires são uma base de consenso de mínimos, que cada bispo em sua diocese poderá completar e ampliar. Não se trata, pois, de critérios provisionais, mas de uma base mínima acordada, que conta com o aval do Papa, que confere ao texto um valor especialíssimo.
A Região Pastoral Buenos Aires (Argentina), a qual pertencia o cardeal Bergoglio, abrange a cidade de Buenos Aires e várias cidades vizinhas, e soma um total de mais de 13 milhões de habitantes. A Região é integrada por mais de 20 bispos.
Publicamos, abaixo, na íntegra, os dois documentos aos quais Religión Digital teve acesso: A nota dos bispos da Região Pastoral de Buenos Aires, bem como a resposta do Papa Francisco.
Eis os dois documentos.
Estimados sacerdotes,
recebemos com alegria a exortação Amoris Laetitia, que nos chama antes de mais nada a fazer crescer o amor dos casais e a motivar os jovens para que optem pelo matrimônio e a família. Esses são os grandes temas que nunca deveriam ser descuidados, nem ficar ofuscados por outras questões. Francisco abriu várias portas na pastoral familiar e somos chamados a aproveitar este tempo de misericórdia, para assumir como Igreja peregrina a riqueza que a Exortação Apostólica nos oferece em seus diferentes capítulos.
No momento, vamos nos deter apenas no capítulo VIII, já que faz referência a “orientações do Bispo” (300) para discernir sobre o possível acesso de alguns “divorciados em nova união” aos sacramentos. Acreditamos ser conveniente, como Bispos de uma mesma Região pastoral, acordar alguns critérios mínimos. Nós os oferecemos sem prejuízo da autoridade que cada Bispos tem em sua própria Diocese para precisá-los, completá-los ou abalizá-los.
1) Em primeiro lugar, recordamos que não convém falar de “permissões” para aceder aos sacramentos, mas de um processo de discernimento acompanhado por um pastor. É um discernimento “pessoal e pastoral” (300).
2) Neste caminho, o pastor deveria acentuar o anúncio fundamental, o kerigma que estimule ou renove o encontro pessoal com Jesus Cristo vivo (cf. 58).
3) O acompanhamento pastoral é um exercício da via caritatis. É um convite a seguir “o caminho de Jesus, o da misericórdia e da integração” (296). Este itinerário reivindica a caridade pastoral do sacerdote que acolhe o penitente, escuta-o atentamente e mostra o rosto materno da Igreja, ao mesmo tempo em que aceita sua reta intenção e seu bom propósito de colocar a vida inteira à luz do Evangelho e de praticar a caridade (cf. 306).
4) Este caminho não acaba necessariamente nos sacramentos, mas pode se orientar para outras formas de se integrar mais à vida da Igreja: uma maior presença na comunidade, a participação em grupos de oração e reflexão, o compromisso em diversos serviços eclesiais, etc. (cf. 299).
5) Quando as circunstâncias concretas de um casal a torne factível, especialmente quando ambos sejam cristãos com uma caminhada de fé, é possível propor o empenho de viver na continência. A Amoris Laetitia não ignora as dificuldades desta opção (cf. nota 329) e deixa aberta a possibilidade de aceder ao sacramento da Reconciliação quando se fracasse nesse propósito (cf. nota 364, segundo o ensinamento de São João Paulo II ao Cardeal W. Baum, de 22/03/1996).
6) Em outras circunstâncias mais complexas, e quando não se pode obter uma declaração de nulidade, a opção mencionada pode, de fato, não ser factível. Não obstante, também é possível um caminho de discernimento. Caso se chegue a reconhecer que em um caso concreto há limitações que atenuam a responsabilidade e a culpabilidade (cf. 301-302), especialmente quando uma pessoa considere que cairia em uma posterior falta, prejudicando os filhos da nova união, Amoris Laetitia abre a possibilidade do acesso aos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia (cf. notas 336 e 351). Por sua vez, estes dispõem a pessoa a seguir amadurecendo e crescendo com a força da graça.
7) Contudo, é preciso evitar entender esta possibilidade como um acesso irrestrito aos sacramentos, ou como se qualquer situação o justificasse. O que se propõe é um discernimento que distinga adequadamente cada caso. Por exemplo, especial cuidado requer “uma nova união que vem de um recente divórcio” ou “a situação de alguém que reiteradamente fracassou em seus compromissos familiares” (298). Também quando há uma espécie de apologia ou de ostentação da própria situação “como se fosse parte do ideal cristão” (297). Nestes casos mais difíceis, nós, pastores, devemos acompanhar com paciência, procurando algum caminho de integração (cf. 297, 299).
8) Sempre é importante orientar as pessoas a se colocar com sua consciência diante de Deus, e para isso é útil o “exame de consciência” proposto pela Amoris Laetitia 300, especialmente no que se refere a “como se comportaram com seus filhos” ou com o cônjuge abandonado. Quando houve injustiças não resolvidas, o acesso aos sacramentos é particularmente escandaloso.
9) Pode ser conveniente que um eventual acesso aos sacramentos seja realizado de maneira reservada, sobretudo quando se prevejam situações conflitivas. Mas, ao mesmo tempo, não se deve deixar de acompanhar a comunidade para que cresça em um espírito de compreensão e de acolhida, sem que isso implique criar confusões ao ensino da Igreja sobre o matrimônio indissolúvel. A comunidade é instrumento da misericórdia que é “imerecida, incondicional e gratuita” (297).
10) O discernimento não se encerra, porque “é dinâmico e deve permanecer sempre aberto a novas etapas de crescimento e a novas decisões que permitam realizar o ideal de maneira mais plena” (303), segundo a “lei da gradualidade” (295) e confiando na ajuda da graça.
Somos antes de mais nada pastores. Por isso, queremos acolher estas palavras do Papa: “Convido os pastores a escutar com afeto e serenidade, com o desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender seu ponto de vista, para as ajudar viver melhor e reconhecer seu próprio lugar na Igreja” (312).
Com afeto em Cristo,
Bispos da Região
05 de setembro de 2016
A Dom Sergio Alfredo Fenoy, Delegado da Região
Querido Irmão,
recebi a nota da Região Pastoral Buenos Aires: “Critérios básicos para a aplicação do capítulo VIII da Amoris Laetitia”. Muito obrigado por a ter me enviado e os parabenizo pelo trabalho que fizeram: um verdadeiro exemplo de acompanhamento aos sacerdotes... e todos sabemos o quanto é preciso esta proximidade do bispo com seu clero e do clero com o bispo. O próximo “mais próximo” do bispo é o sacerdote, e o mandamento de amar ao próximo como a si mesmo, para nós bispos, começa precisamente com os nossos padres.
O texto é muito bom e explicita cabalmente o sentido do capítulo VIII da Amoris Laetitia. Não há outras interpretações. E estou certo de que fará muito bem.
Que o Senhor lhes retribua este esforço de caridade pastoral. E é exatamente a caridade pastoral que nos move a sair para encontrar os distanciados e, uma vez encontrados, a iniciar um caminho de acolhida, acompanhamento, discernimento e integração na comunidade eclesial. Sabemos que isto é fadigoso, trata-se de uma pastoral “corpo a corpo”, não satisfeita com mediações programáticas, organizativas ou legais, embora necessárias. Simplesmente: acolher, acompanhar, discernir, integrar.
Destas quatro atitudes pastorais, a menos cultivada e praticada é o discernimento; e considero urgente a formação no discernimento, pessoal e comunitário, em nossos Seminários e Presbitérios. Finalmente, gostaria de recordar que a Amoris Laetitia foi o fruto do trabalho e oração de toda a Igreja, com a mediação dos Sínodos e do Papa. Por isso, recomendo-lhes uma catequese completa da Exortação que certamente ajudará no crescimento, consolidação e santidade da família. Novamente, agradeço-lhes pelo trabalho realizado e os animo a seguir adiante, nas diversas comunidades da diocese, com o estudo e a catequese da Amoris Laetitia. Por favor, não se esqueçam de rezar e fazer rezar por mim.
Que Jesus os abençoe e a Virgem Santa os proteja.
Fraternalmente,
FRANCISCO
Vaticano, 05 de setembro de 2016
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Bispos da Região de Buenos Aires dão orientações, com o aval do Papa, sobre os “divorciados em nova união” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU