23 Novembro 2016
“Agora, esperemos que o pecado do aborto não seja banalizado.” É difícil dizer outra coisa por parte daquela ala da Igreja, setores minoritários, mas, mesmo assim, bastante aguerridos, que não veem com bons olhos as tentativas de Francisco de privilegiar a graça sobre a lei, o espírito sobre a letra.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 22-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A publicação do documento Misericordia et misera amplia o fosso entre o papa e os conservadores. Entre ´”quem é obcecado pela perda dos ‘espaços’ de influência e quem – explica o filósofo Massimo Borghesi – confia em um testemunho livre ditado pelos ‘tempos’ de Deus”.
Borghesi diz ainda: “O processo de ideologização é aqui exatamente inverso ao dos anos 1970. Na época, a ideologia da fé dizia respeito à esquerda católica fascinada com o marxismo. Hoje, o processo de congelamento diz respeito à direita ‘cristianista’”.
Há uma “direita” dentro da Igreja Católica que não tolera de modo algum as aberturas do Papa Francisco. Uma “direita” conservadora e tradicionalista que, durante anos, combateu a sua batalha sobre as questões éticas. São diversos os teólogos morais que construíram carreiras importantes sobre a defesa de uma interpretação restritiva da encíclica Humanae vitae: “E essa oposição crítica continua ainda nos nossos dias”, escreve o padre Gianfranco Grieco, em Paolo VI. Ho visto e creduto (Lev), publicado às vésperas da beatificação de Montini.
E também em relação àquela é considerada por muitos como uma verdadeira traição do critério da hierarquia das verdades que foi caro ao Concílio Vaticano II. Muitos, diz a esse respeito Víctor Manuel Fernández, teólogo argentino próximo do papa, esqueceram que “deveria haver uma proporção adequada especialmente na frequência com que alguns assuntos ou ênfases são inseridos na pregação. Por exemplo, se um pároco, durante o ano litúrgico, fala dez vezes de moral sexual e apenas duas ou três vezes do amor fraterno ou da justiça, há uma desproporção. Igualmente, se ele fala muitas vezes contra o casamento entre homossexuais e pouco da beleza do casamento”.
É o que parecem não compreender os quatro cardeais – Walter Brandmüller, Raymond L. Burke, Carlo Caffara e Joachim Meisner – que decidiram tornar pública uma carta na qual pedem que o papa esclareça alguns pontos – segundo eles – controversos, contidos na Amoris laetitia sobre o matrimônio e a família.
Quatro eméritos que, evidentemente, reportam pensamentos dos quais também estão convencidos outros de seus coirmãos, mais temerosos de se exporem. Apenas há um ano, os quatro eram 13. Entre eles, eminências de primeiro plano no panorama eclesial: Thomas C. Collins, de Toronto; Timothy M. Dolan, de Nova York; Willem J. Eijk, de Utrecht; Gerhard L. Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé; Wilfrid Fox Napier, arcebispo de Durban; George Pell, prefeito da Secretaria para a Economia do Vaticano; Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos; Jorge L. Urosa Savino, arcebispo de Caracas; Daniel DiNardo, presidente dos bispos estadunidenses.
Os 13 submeteram à atenção do papa sérias “preocupações” sobre os procedimentos do Sínodo, na sua opinião “configuradas para facilitar resultados predeterminados sobre importantes questões controversas”. Hoje, com o Sínodo concluído, quatro deles expõem outras dúvidas, chegando a defender, como fez o cardeal Burke, que, se o papa não respondesse, seria o caso de “fazer um ato formal de correção de um sério erro”.
Além das palavras, chamam a atenção certos silêncios. Acima de tudo, o dos bispos italianos, que não conseguem, de forma pública, se distanciar dos quatro. E, depois, os silêncios dos órgãos oficiais da Igreja. Embora nessa segunda-feira, na verdade, foi o L’Osservatore Romano que se disse surpreso que “na Igreja nem todos entendem o significado pastoral e missionário das escolhas e do compromisso” do papa.
Além da Itália, a América do Norte é um terreno fértil de oposição ao papa, que, mais do que outros, deu voz àquela América Latina que não quer ser o quintal dos Estados Unidos. Uma semana atrás, os bispos estadunidenses elegeram a sua cúpula. O novo presidente é DiNardo, que assinou a carta dos 13.
Um expoente de destaque do episcopado é Charles J. Chaput, arcebispo da Filadélfia e presidente, nos Estados Unidos, da Comissão Episcopal para a Aplicação da Amoris laetitia. Foi Chaput que publicou, em meados do ano, para a sua diocese, diretrizes sobre a própria Amoris laetitia mais restritivas do que o próprio texto, não admitindo à comunhão os divorciados recasados, exceto se vivessem como irmão e irmã.
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Aborto: a batalha sobre as questões éticas e o desafio de Francisco aos bispos conservadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU