07 Janeiro 2017
Sobre a Síria: “Se no futuro houver um plano para a reconstrução, os sírios voltarão, mas hoje o país está balcanizado, faltam condições de segurança”.
Sobre a África: “Está em curso uma revolução dos jovens africanos que querem uma vida melhor e fogem da guerra”.
Sobre a Europa: ”Existe uma crença infundada de se considerar invadido pelos refugiados. Na realidade, não ter assumido como prioritária a paz na Síria, foi um erro e um sinal de fraqueza da União europeia”.
Aos 66 anos, historiador, ministro da Cooperação pelo governo Monti, Andrea Riccardi desempenhou um papel de mediador em numerosos conflitos no passado, tanto africanos como outros. Um “herói moderno” pela revista Time, mas, principalmente, o fundador em 1968 da Comunidade de Santo Egídio com a qual, junto à Federação das igrejas evangélicas e à Tavola Valdense, organizou corredores humanitários que permitiram até o momento trazer para a Itália 350 refugiados sírios e palestinos vindos do Líbano. “Um sucesso ao qual, em 2017, irá participar também a França”, ele afirma.
A entrevista é de Carlo Lania, publicada por Il manifesto, 31-12-2016. Tradução de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Professor, o que se espera para 2017?
No que se refere à imigração, os principais problemas ainda estarão relacionados com a Síria e a África.
A Síria é a mãe dos refugiados. Existe uma crença europeia de se considerar invadidos pelos refugiados sírios, que ao contrário estão principalmente na Turquia, Jordânia e Líbano. Seis anos de conflito sírio durante os quais nós, como europeus, não intervimos ou fizemos isso muito mal. E aqui reside a primeira contradição: não foi vivido o primado da busca pela paz, acreditando que a guerra dos outros não fosse nosso problema ou que, de alguma forma, fosse possível isolá-la. Não ter colocado como prioritário isso foi um erro e ao mesmo tempo a fraqueza da União europeia. Agora existe esse acordo russo-turco-iraniano que, contudo, não acredito irá limitar o fluxo dos refugiados.
Depois, ainda tem a África, um continente em movimento.
Àquela africana é uma imigração em parte ambiental, em parte econômica e em parte devida à instabilidade. A ideia de bloqueá-los na fronteira ou de descarregá-los em países de primeiro acolhimento é insana.
O governo aposta nos migration compact, o senhor concorda com isso?
É uma política justa. Sempre tive a convicção que existe uma irresponsabilidade dos governantes africanos em relação aos seus migrantes. Você já viu um presidente africano ajoelhar-se aqui em Lampedusa frente às próprias vítimas? A imigração é uma válvula de escape para esses países, inclusive porque os migrantes financiam uma parte das economias locais com suas remessas. Os resultados dos investimentos prometidos nos países africanos não serão percebidos antes de uma, talvez duas, gerações.
Enquanto isso, contudo, pede-se para estancar imediatamente as migrações. Serei mais otimista. Não falo que os migration compact são a solução, mas é preciso multiplicar a cooperação e responsabilizar os governos africanos pela sensibilização das gerações mais jovens.
Na África vive-se um permanente 1968 e os jovens sem emprego são um elemento de instabilidade para os governos, para os quais a melhor solução é mandá-los embora. Mas esse é um sistema antidemocrático que coloca em risco a vida das pessoas. Conheço jovens africanos e sei que a escolha de ir embora, de atravessar o deserto, representa uma espécie de revolta contra nações que são madrastas, porque querem viver melhor de como vivem. É a revolta dos jovens.
Sem esquecer que existem também muitas pessoas que são obrigadas a fugir. Basta pensar na Nigéria, no Chifre da África, na Somália, ali estão fugindo da guerra. Essa revolução não vai parar em um ano, mas uma política europeia de cooperação é uma direção correta. Europa e África não têm destinos separados e o destino da África vai nos afetar. A reforma de Dublin será uma das primeiras questões que a União Europeia deverá enfrentar em 2017. Por enquanto não se vislumbra nada de bom. Estamos num momento em que a União Europeia custa a existir. Dublin como está agora é substancialmente o acordo de quem não vive o espírito da União.
Por outro canto, muitos estados entenderam que é em relação à imigração que se vencem ou perdem eleições, portanto não querem socializar um problema como este. É essa a crise dramática da Europa. Mas não é só Dublin que preocupa, reforma míope, mas os muros do leste europeu a partir da Hungria. Quando em março iremos celebrar os Tratados de Roma teremos que dizer o que é para nós a Europa.
Enquanto isso, a crise dos migrantes tem produzido o avanço prepotente dos populismos na Europa. Isso ocorreu principalmente porque no passado uma política de esquerda ou de centro-esquerda quis esconder a questão dos migrantes, pensando que fosse melhor não falar a respeito para não perder votos. É verdade, votos são perdidos, mas é preciso ter a coragem de falar com toda clareza que nós precisamos dos migrantes porque temos um vazio demográfico inacreditável. Países que se fecham como a Hungria, daqui a poucos anos serão velhos e terão que convidar migrantes para própria terra. Não terão mais, contudo, a capacidade de integração porque serão países de idosos, portanto serão conquistados.
No que se refere aos migrantes, a única notícia boa de 2016 são os corredores humanitários que Santo Egídio organiza junto com a Federação das igrejas evangélicas e a Tavola Valdense.
É uma experiência de sucesso a custo zero para o país, porque são as famílias, as comunidades que assumem para si a manutenção dos sírios e de alguns palestinos que chegam à Itália. Estamos negociando um acordo com a França para um novo corredor humanitário para 300 refugiados. Temos certeza que se trata de uma solução justa, mesmo no interesse daqueles países que logo serão demasiadamente velhos e terão que implorar a entrada de migrantes. Mas esse será o seu suicídio e, concomitantemente, a perda de sua história.
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“É o 1968 dos jovens africanos, os muros não os deterão” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU