26 Setembro 2018
A primeira leitura e o evangelho insistem na ação do Espírito Santo no coração de todo homem. O Espírito não pertence somente aos crentes; ele sopra onde quer.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 26º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo B (27 de setembro de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta!» (Números 11,25-29)
Salmo: 18(19) - R/ A lei do Senhor Deus é perfeita, alegria ao coração.
2ª leitura: «Vossa riqueza está apodrecendo...» (Tiago 5,1-6)
Evangelho: «Quem não é contra nós é a nosso favor.. Se tua mão te leva a pecar, corta-a» (Marcos 9,38-43.45.47-48)
O que vale mais? O que vale menos? Esta questão aparece quatro vezes no evangelho de hoje. Está presente também em toda a segunda leitura, ainda que não com as mesmas palavras. Este, no fundo, é um problema muito antigo: o do conhecimento do bem e do mal. Gênesis 2 e 3 o colocam, antes de qualquer questão religiosa, como o maior desafio da vida humana. Confundir bem e mal, o que nos faz bem e o que nos faz mal, envenena a existência de cada um e de todos nós, do ponto de vista individual, social e político. A droga: é boa ou má? Pode fazer bem, como pode dopar e viciar; é benéfica à sobrevivência dos camponeses bolivianos e colombianos, entre outros. Gera empregos? Sim, mas... E a guerra? É um bem ou um mal? Em Gênesis 3, da árvore sobre a qual Deus dissera que não comessem senão iriam morrer, o ser humano declara ser “boa ao apetite”, “formosa à vista” e “desejável para adquirir discernimento”. E isto continua até hoje. O mal pode nos aparecer sob aparência do bem e o anjo das trevas disfarça-se em anjo da luz. Daí a necessidade de resistirmos aos entusiasmos irrefletidos e reservarmos um tempo para discernir, para pesar os prós e os contra. Para os crentes, isto se pratica num contexto de oração, o que nos torna disponíveis diante da decisão a tomar, da atitude a assumir. É um empreendimento sempre difícil, porque "só um é bom": nada nem qualquer outro é totalmente bom ou totalmente mal. Daí o uso do comparativo: "mais vale..."
Como discípulos de Cristo, temos um ponto de referência para este discernimento. Ele é que ilumina os nossos passos: é a "luz do mundo" e quem o segue não anda nas trevas. Mas as palavras que lemos hoje não são nada fáceis de aceitar. A princípio, mais vale ter dois pés, dois braços e dois olhos do que ser estropiado, manco ou zarolho. Jesus diz, no entanto, que existe algo melhor do que a integridade física, apesar de esta dever ser sacrificada, se estiver impedindo aquele "melhor". É evidente que, aqui, temos uma parábola, ou uma hipérbole: por braços, pés e olhos, Jesus quer significar o que mais nos atém ao corpo, ao coração. Outros textos irão dizer que existe algo mais importante do que esta nossa vida atual, algo que pode e que deve ser sacrificado por um bem maior, pelo "melhor". E sabemos o que é este bem maior, maior do que tudo: entrar na vida de Deus, que é eterna. Tudo mais se apaga diante deste bem absoluto. O texto orienta o nosso olhar para a alternativa a esta realização necessária: não há via do meio, ou é a vida de Deus ou o absolutamente nada. Face ao ganho absoluto, a perda absoluta, figurada pelo verme e pelo fogo. É tudo ou nada. Não há aqui qualquer resquício de penumbra entre luz e trevas. Esta é a radicalidade da escolha proposta. Outros textos irão falar com certeza sobre o perdão, concedido por todas as nossas más escolhas, mas seria perversidade duplicada "permanecer no pecado a fim de que a graça se multiplique" (Romanos 6,1).
A segunda leitura nos dá uma interpretação mais concreta para mãos, pés e olhos; refere-se àquelas coisas que consideramos tão preciosas que somos tentados a nelas colocar nossa confiança. E a elas nos atemos tanto quanto à pupila dos nossos olhos. É verdade que Tiago ataca somente as riquezas ilegítimas, mas parece que, para ele, qualquer enriquecimento só se dá a expensas de algum outro, ponto de vista, aliás, ao qual não falta pertinência. "Quando comem o seu pão, é ao meu povo que devoram", diz o Salmo 14 (versículo 4). Por certo, muitos assalariados terão dificuldade em se convencer de que vivem da subsistência de outros.
Este texto parece ter sido escrito para os aproveitadores, os especuladores, os exploradores. Com certeza? E quem é que, de uma forma ou outra, não participa disto? Mas há mais: toda riqueza, legítima ou não, é podre, imprópria à nutrição. Ora, tudo pode ser considerado como riqueza prometida às traças e ao fogo. O sucesso em nossa atividade profissional, um título de mestre, de doutor, tudo isso é alguma coisa, assim como nossas contas bancárias ou eventuais aparições na grande imprensa. Pois todas estas coisas são apenas vestimentas que usamos para melhorar a nossa aparência, mas destinadas às traças. Um dia, cada um de nós vai abrir os olhos para se reconhecer nu; e sozinho. Nada nos servirá de socorro. Alegremo-nos: neste momento, vamos ouvir a voz de Deus que vem em nossa busca: "Adão, onde estás?" Tendo comido da árvore, descobriremos que todo o nosso valor reside tão somente neste chamamento do Amor.
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