27 Setembro 2012
Aquele que dá o copo d’água, mesmo que não seja em nome do Cristo, não estará no caminho que leva a nomeá-lo, portanto, à fé? Pois, mesmo que não chegue nunca a uma fé claramente formulada, ele a vive pelo menos de modo equivalente. O que lhe falta para fazê-lo em nome de Deus? Talvez, que nós também saibamos oferecer-lhe o “copo d’água”.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 26° Domingo do Tempo Comum (30 de setembro de 2012). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Num 11,25-29
2ª leitura: Tiago 5,1-6
Evangelho: Mc 9,38-43.45.47-48
Quem é de Cristo?
Pertencer a Cristo é fazer o bem em seu nome. Mais vale perder um olho ou a mão do que fazer mal a quem quer que seja. Nem há tanto tempo assim, um político dizia substancialmente o seguinte: “Se, na guerra da Argélia, meus superiores tivessem me ordenado realizar “interrogatórios mediante coação”, não teria hesitado: confio em meus superiores.” Este mesmo argumento está nas respostas dos torturadores nazistas, no processo de Nuremberg, bem como nas justificativas dos executores dos expurgos stalinistas ou dos torturadores das ditaduras sul-americanas. Em todo caso, por trás da obediência cega e da confiança incondicional ao sistema, há o medo das consequências: “se me recusasse a executar tal ordem, perderia meu posto ou, pior, acabaria tendo o mesmo destino dos que, conforme me exigiam, devia sacrificar.” Vou assim perder “pé”, “mão”, “olho”... Felizmente, não estamos todos os dias diante de escolhas deste tipo. Além disso, quem não teve de passar por isto, não tem nada a dizer, pois não sabe como teria reagido em tais circunstâncias. No entanto, em nossa vida cotidiana acontecem muitas coisas deste mesmo teor: quem já não “uivou com os lobos”, para não deixar de estar solidário com o grupo em que se sente acolhido? Quem já não aprovou decisões injustas de seu chefe de serviço, simplesmente para evitar maiores problemas?
O que faz mal
Quando lemos ou dizemos a palavra “pecado”, logo pensamos em algo que faz mal a alguém, que o lesa ou exclui. O que “escandaliza”, o que leva à queda, pequena ou grande, do irmão? Quanto a isto, é preciso levar a sério a segunda leitura. Quando Jesus diz “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem em mim...” deve-se compreender: “Quem faz um destes pequeninos perderem a fé em mim...” O pecado, assim como Tiago o descreve e como acabo de comentar, é um assassinato em três níveis: primeiro, lesa uma pessoa humana em seu direito de viver e, por isso, é um assassinato; segundo, destrói em quem o comete a imagem do Deus que faz viver e, por isso, é des-criador; terceiro, incita a vítima a não mais crer no Deus Amor e a rejeitar o Cristo de quem reivindicamos a exclusividade. Levamos o nome de Cristo, seja como igreja seja individualmente, e o comprometemos através de tudo o que fazemos. Todo comportamento destruidor induz os outros à tentação de não mais crer. Todo pecado é, pois, a uma só vez, contra si, contra o próximo e contra Deus.
O copo d’água
Tudo isto, que é muito verdadeiro, é bastante negativo. Esquecemos até mesmo que “Evangelho” significa “boa notícia”. Mas voltemos ao início de nosso texto. Vemos aí nossa paisagem se alargar. Nem todos os que proferem uma palavra vinda de Deus figuram entre os profetas oficiais. Expulsar demônios, os nossos demônios, é obra divina: ora, os autênticos exorcistas, os que expulsam os demônios, não estão todos em nossas fileiras. É muitas vezes difícil reconhecer o bem entre aqueles que não são “dos nossos”. Entre os muçulmanos, os discípulos de Buda, ou mesmo entre os ateus. No entanto, a cada vez que se produz algo de “válido”, Deus está aí, o Cristo está aí. Mas não é suficiente admitir que Deus esteja aí. É preciso também amar, louvar, imitar. Estas pessoas, sem saber, estão “conosco”. Sim, já sei: o texto insiste no “em meu nome” e, ao falar no copo d’água, acrescenta as seguintes palavras: “porque sois de Cristo”. Deus é aqui, nomeado e reconhecido. No entanto, é Mt 25 que nos fará dar um passo além: só depois de todo o percurso é que se reconhecerá o Cristo na pessoa daquele a quem se socorreu e que, portanto, Deus poderá ser nomeado.
Do copo d’água à fé
Mesmo assim, levemos a sério a necessidade de se nomear Jesus. Encontramo-nos diante de dois “atores”: quem oferece o copo d’água e quem o recebe. Este que recebe poderá, certamente, sem grande dificuldade, identificar a presença de Deus neste gesto fraterno, poderá nomear o Cristo. Mas podemos perguntar se aquele que dá o copo d’água, mesmo que não seja em nome do Cristo, não estará no caminho que leva a nomeá-lo, portanto, à fé? Pois, mesmo que não chegue nunca a uma fé claramente formulada, ele a vive pelo menos de modo equivalente. O que lhe falta para fazê-lo em nome de Deus? Talvez, que nós também saibamos oferecer-lhe o “copo d’água”.
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