10 Janeiro 2013
Este é um domingo de articulação que faz a passagem da vida escondida do Cristo para a sua vida pública. É uma passagem importante: sobre as águas do Jordão, o Cristo manifestou-se como Filho do Pai, enviado para a libertação de mulheres e homens. E aprendemos que todos somos filhas e filhos de Deus.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio croire, comentando as leituras do Domingo do Batismo do Senhor. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1a leitura: Is 42, 1-4.6-7
2a leitura: At 10,34-38
Evangelho: Lc 3,15-16.21-22
Jesus identificado como Filho
O episódio do batismo de Jesus evoca já o fim da história: sua passagem pela morte e sua ressurreição. Estamos aqui no limiar da “vida pública” de Jesus. É daqui que ele parte para anunciar o Evangelho do Reino. Os evangelistas introduzem os seus relatos com cenas que recapitulam os grandes momentos do périplo do Cristo; um pouco como na abertura de uma sinfonia que antecipa os temas principais. É assim que a cena das Tentações anuncia a renúncia de Jesus a um messianismo de glória e de poder, estando a cruz evidentemente em perspectiva. Caná é a maneira pela qual João prefigura a glória do Cristo, todo dedicado às suas bodas pascais com a humanidade. Cada uma destas cenas revela o que Jesus é e o que irá cumprir. Seu Batismo faz parte deste conjunto, ao qual os Evangelhos da Infância também pertencem. É, pois, uma revelação. Aqui, “uma voz que veio do céu” nos revela a identidade de Jesus. Somente o Pai pode dizer: “Tu és meu Filho amado; em ti ponho todo o meu amor.” São as mesmas palavras que foram ditas na Transfiguração (Mt 17), ou seja, imediatamente antes de sua partida para Jerusalém onde será crucificado. A menção ao “até que ressuscite dos mortos” (17,9) mostra bem que este episódio tem a Páscoa em perspectiva. Tanto assim que está situado entre dois anúncios da Paixão. E não será o mesmo para o Batismo?
No horizonte, a Páscoa
Poderíamos mostrar que o Batismo de Jesus renova e cumpre inúmeras profecias bíblicas. A primeira leitura, aliás, é um eloquente testemunho. Mas olhemos à frente, o que está por vir. O Batismo, como sabemos, é inicialmente um rito de purificação, uma espécie de banho espiritual, se quisermos. Com João Batista, trata-se mais de uma transformação, de uma mudança de vida. Já com Jesus, o Batismo “no Espírito e no fogo” irá significar, seguindo o seu itinerário, a passagem pela morte e o acesso à sua ressurreição. Por isso, em Mc 10,38, Ele fala do Batismo com o qual deve ser batizado e do cálice de que deve beber; expressão que é retomada no Getsêmani. Em Rm 6,4-5, Paulo fala da imersão nas águas batismais como de uma imersão na morte do Cristo em vista de uma emergência no universo da ressurreição. Enfim, chamá-lo de “Filho bem amado” é uma expressão pós-pascal. Lembremos o início da carta aos Romanos, em que Paulo anuncia ter sido escolhido para proclamar “o Evangelho de Deus que também diz respeito a seu Filho, nascido da estirpe de Davi, segundo a carne, estabelecido Filho de Deus com poder por sua ressurreição dos mortos, segundo o Espírito de santidade.” Lembremos que a água profunda na qual se pode morrer afogado é, na Bíblia, um símbolo de morte que remete ao “grande abismo” de Gênesis 1, figura do nada.
Para além da justiça
João oferece um batismo “em remissão dos pecados” (Lc 3,3) o que é corroborado pelo que Mateus diz da pregação do precursor. Ora, Jesus, que vem pedir este batismo, é o único justo da história, o único que não se pode reconhecer culpado de qualquer pecado. Mesmo assim, toma lugar na fila entre os culpados, descendo até as águas do Jordão. João ficou chocado porque, se está no limiar do Reino, não entrou ainda na Nova Aliança (Mt 11,11). Está sob o regime da Lei, ou seja, da justiça. E o justo seria que Jesus o batizasse; que Jesus se faça batizar “em remissão dos pecados” é injusto. A resposta de Jesus, tantas vezes mal traduzida, convida a que saiamos deste regime do justo e do injusto: “Deixa estar, por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça.” No Novo Testamento, cumprir significa completar ultrapassando, “superar”, se quisermos. O que supera a justiça é o amor (ver Rm 13,8-10). O dono da vinha de Mt 20,1-16 é perfeitamente justo ao pagar os operários da primeira hora conforme o contrato. Ele passa da justiça ao amor quando paga a mesma quantia aos últimos contratados. Tudo isso remete à Páscoa, na qual toda a justiça será descartada. Jesus tomará lugar no rol dos malfeitores e perdoará os que o crucificam: o perdão é sempre uma negação da justiça, um dom feito a quem não tem nenhum direito.
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Cristo, o bem-amado do Pai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU