11 Janeiro 2019
De Isaías e seus discípulos até João Batista, numerosas e potentes foram as vozes dos profetas que contribuíram para preparar, aplainar ou redirecionar as veredas do Senhor. Até o dia em que Jesus, ele mesmo, torna-se «o caminho» para o Pai. Este domingo é como que um domingo de articulação: faz a passagem da vida escondida de Cristo, em Nazaré, à sua vida pública. Passagem importante: Cristo, nas águas do Jordão, nos foi apresentado como o Filho de Deus Pai, enviado ao mundo para a libertação da humanidade. E, assim, ficamos sabendo que somos todos filhos e filhas de Deus.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Festa do Batismo de Jesus. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Eis o meu servo: ele não clama nem levanta a voz; não quebra uma cana rachada nem apaga um pavio ainda fumegante» (Isaías 42,1-4.6-7)
Salmo: Sl 28(29) - R/ Que o Senhor abençoe, com a paz, o seu povo!
2ª leitura: «Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder» (Atos 10,34-38)
Evangelho: «Enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus» (Lucas 3,15-16.21-22)
Estamos, à primeira vista, diante de uma incoerência: Jesus que se submete a um rito destinado a preparar a sua própria vinda. E mais, o batismo de João é «um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados» (Lucas 3,3). Quem, no entanto, pode reconhecer o Cristo como culpado de qualquer pecado?
Para compreender isto, é preciso levar em conta o simbolismo do Batismo: a imersão na água, morta e mortífera, e o soerguimento para fora do «abismo», fazendo-nos repetir os cenários da nossa criação e do nosso nascimento, passando-se este por aquele. Também é preciso superpor a isto a nossa travessia da morte, através da Paixão e da Ressurreição do Cristo.
Para resumir, Jesus se fez batizar por João porque acabara de se fazer solidário com os pecadores, prefigurando por meio deste rito a hora em que iria assumir a face das nossas dores e do nosso mal. «Deus o fez pecado», dirá Paulo (2 Coríntios 5,21). Eis, portanto, logo de início anunciado no Evangelho, o termo final de seu percurso.
Estivera, então, fechado o céu até aquele momento? Em certo sentido, sim. O que este «céu» representa só vai se abrir na Ascensão e na vinda do Espírito Santo que naquele instante descia sobre Jesus. As presenças simultâneas do Espírito e da água (batismal) remetem-nos mais uma vez aos primeiros versículos do Gênesis, em que o Espírito de Deus sobrevoa (a palavra hebraica evoca o voo de um pássaro) o abismo. «Deus criou o céu e a terra» como duas realidades separadas. Daí em diante, mesmo se céu e terra guardem entre si as suas diferenças, ambos foram postos em comunicação.
Mas Jesus, em sua humanidade, só poderia ser declarado Filho depois de ter-se unido aos homens pecadores nas águas pascais. É característico que a citação do Salmo 2, «Eu hoje te gerei», seja usada ao mesmo tempo para o nascimento do Cristo, para o seu Batismo (segundo a versão mais provável) e para a Ressurreição (cf. Atos 13,33; Hebreus 1,5, etc.).
Paulo, em Romanos 1,4, dirá: «estabelecido Filho de Deus com poder por sua ressurreição dos mortos». Mas já não o era desde antes? Sim, só que foi preciso tornar-se Filho enquanto carregado de toda a nossa humanidade, na qual ele mesmo se enterrou, para fazer-nos atravessar as portas. Por ser o Filho desde toda a eternidade é que pode tornar-se o Filho na espessura do nosso tempo.
Pelo motivo de seu Batismo recapitular toda a obra da salvação e de antecipar o seu final glorioso é que, desde o início, pode ser declarado Filho, o «Primogênito» dentre os mortos (Colossenses 1,18). A palavra do Pai, «Tu és meu Filho», foi dita com vistas a nós, que, daí em diante, temos de ver nele o Único, o depositário do Amor e do Espírito. Mas também foi dita para Ele, que desde então poderá pôr-se a caminho para afrontar e superar todas as tentações do homem (Lucas 4).
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Vozes e veredas do Senhor: Festa do Batismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU