Por: João Vitor Santos | 20 Outubro 2018
Daqui a um ano, em outubro de 2019, será realizado no Vaticano, em Roma, o primeiro Sínodo Pan-Amazônico. O objetivo é discutir o futuro da Floresta Amazônica e de todos os povos e ecossistemas que a compõem. O chamado ao debate foi feito pelo papa Francisco, ainda em outubro de 2017, e em janeiro deste ano, em visita ao Peru, falou a habitantes da Amazônia sobre a importância de novos caminhos para a evangelização. Vista dessa forma, a ideia pode parecer algo estritamente eclesiástico. Mas o próprio Francisco disse, ainda por ocasião da visita a Puerto Maldonado, no Peru, que a Floresta está ameaçada e por isso é necessária uma reação. Assim, repensar o que é ser Igreja nesse território se configura também no engajamento de lutas pela preservação da vida na Amazônia.
Foi nessa perspectiva que o padre Ricardo Gonçalves Castro, da Arquidiocese de Manaus, apresentou o Sínodo, durante a 3ª Semana de Estudos Amazônicos - Semea. O evento ocorreu no Campus São Leopoldo da Unisinos, entre os dias 16 e 18 de outubro, e teve por objetivo trazer à luz temas do universo amazônico, mas que dizem respeito a todas as comunidades, não necessariamente somente a quem vive na ou da Floresta. O religioso destaca que o Sínodo tem o espírito da Encíclica Laudato Si', em que o Papa provoca a refletir sobre a necessidade de todos mudarem os hábitos em prol da casa comum, o planeta. “É por isso que, na preparação do Sínodo, começamos com o aprofundamento dessas questões propostas na Laudato”, explica.
Ao ler que o objetivo é a busca de novos caminhos para evangelização, quem não conhece os meandros das ações pastorais de hoje pode achar que a Igreja busca novas estratégias para solidificar seu poder na região. Mas, diferente do que havia à época da chegada dos primeiros religiosos europeus na América, atualmente as ações inspiradas por Francisco querem repensar o papel e o que é ser Igreja nessas comunidades. “Queremos é despertar, ouvir e conhecer mais, nos aproximar das formas de vida da Amazônia. Isso não é descobrir nada novo, mas sim, por exemplo, ouvir os povos da floresta que nos inspiram a pensar em outras formas de relação com a natureza, coisa que esses povos já fazem há muito tempo”, pontua Ricardo.
Um Sínodo se constitui na reunião de bispos. Entretanto, e especialmente no pontificado de Francisco, esse conceito tem passado por transformações, porque antes de se reunirem na Cúria Romana os religiosos precisam se movimentar sobre a realidade a qual vão discutir. No caso no Sínodo Pan-Amazônico, na prática, significa ter de incursionar pelas periferias das dioceses e ver de perto como se dá a relação da Igreja com os saberes dos povos da floresta, as comunidades mais isoladas e as formas de vida que se integram aos ecossistemas locais. “E percebo que isso já vem acontecendo. Os bispos não querem chegar lá, diante do Papa, serem questionados sobre as suas comunidades sem saber o que responder. Conheci bispos de Mato Grosso que não sabiam a realidade de muitas comunidades e foram até lá. Já estão sendo convertidos pelo Sínodo”, aponta a socióloga Moema Miranda, que integra a Rede Pan-Amazônica, a Repam.
Ricardo: "Queremos é despertar, ouvir e conhecer mais, nos aproximar das formas de vida da Amazônia" (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Moema compõe um dos grupos que, assim como o padre Ricardo, tem trabalhado nas etapas preparatórias do Sínodo. E, se por um lado há essa preparação dos bispos, por outro também há a preparação das comunidades. Afinal, uma das preocupações da Igreja é a de que, mesmo somente bispos tendo assento nesse fórum, todos participem do debate. É por isso que Ricardo e seus grupos têm percorrido os confins da Floresta. “Precisamos não só conhecer, mas reconhecer a Amazônia. Existem inúmeras pesquisas sobre a Amazônia, mas de fato não a reconhecemos. Precisamos nos aproximar dessas formas de vida e aprendermos com eles como sermos floresta”, reflete Ricardo.
Assim, tomando como base o chamado Documento Preparatório do Sínodo, as comunidades vão conhecendo, se reconhecendo e trocando experiências nessas relações que estabelecem com a Amazônia. Para Ricardo, trabalhar esse Documento é também ter clareza do que consiste essa ideia de novos caminhos para evangelização. “E para isso o texto vai se apoiar em três questões fundamentais”, adianta. A primeira delas é chamada “sujeitos e protagonistas”. Trata-se de ouvir esses sujeitos que são os protagonistas nas formas de vida da floresta. “Muita gente critica a presença só de bispos no Sínodo. Sim, é um problema, é a tal crise da representatividade que vivemos. Porém, essas discussões que promovemos já estão nos colocando em Sínodo também. É um processo em que temos a possibilidade de discutir e dialogar em processo sinodal”, avalia.
A segunda questão é a “construção da Igreja com rosto pan-amazônico”. Para Ricardo, isso passa por discutir o que é esse “rosto” diante de tanta diversidade de povos que há na floresta. “Esse é um grande desafio, ainda acentuado pelas questões das imigrações, como no caso da Venezuela”, acrescenta, lembrando que o fundamental nesse ponto é pensar a Igreja local, e não imposta desde Roma ou mesmo de grandes cidades da região, como Manaus.
A terceira questão é, para Ricardo, a mais central: “adotar um novo estilo de vida para todos”. É um caminho que se cruza com o convite do Papa, em Laudato Si', de todos cuidarem da casa comum. “E nesse ponto é ainda mais fundamental a participação dos povos indígenas, que podem nos ajudar a fazer a conversão ecológica”, aponta. Segundo o padre, isso se dá por meio dos diálogos, da interconexão entre quem tem sua origem na floresta e quem vem de fora. “Não é fazer evangelização colonial e dualizada, mas sim unir, pensando na Ecologia Integral que o Papa propõe”, detalha.
O padre Ricardo não esconde o entusiasmo ao falar dos encontros de que tem participado. Para ele, as discussões que se emprega vão além das comunidades. “É um momento de aprender a conviver com a Amazônia. Essas ações terão repercussão na Igreja e também no mundo todo”, avalia. Para ele, essa repercussão consiste no debate acerca da evangelização, mas também da ecologia, da convivência e dos cuidados sobre os povos indígenas. “A Amazônia é indígena. Para compreender a Amazônia profundamente, precisamos conhecer os povos indígenas. São eles que nos darão a chave para esse entendimento, são o DNA da Amazônia”, reitera.
Moema Miranda concorda e enfatiza que entre os desafios nesses movimentos do Sínodo está o de levar essas questões em todos os espaços. “Só mesmo um ‘papa do fim do mundo’ para provocar isso”, brinca. “Essa atitude do papa Francisco, de se colocar em escuta, vai impelindo todos a fazerem a escuta. Não é um processo fácil, mas tem de ser enfrentado”, acrescenta. Ricardo ainda completa: “precisamos exercitar a escuta recíproca entre todos e, especialmente, precisamos nos deixar evangelizar pelas múltiplas culturas dos povos da floresta”.
Moema: "Essa atitude do papa Francisco, de se colocar em escuta, vai impelindo todos a fazerem a escuta. Não é um processo fácil, mas tem de ser enfrentado" (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Ainda nas suas primeiras manifestações acerca da necessidade de se promover toda essa discussão sobre a Amazônia, o papa Francisco sempre deixou claro que o tema é urgente porque a região está sob ameaça. Para Moema, além de todos os desafios que se tem, é preciso ter clareza disso. “Precisamos tomar consciência e assumir que essa é uma região que está em disputa e grande ameaça. E precisamos identificar quem está na parte mais fraca dessa disputa. Todos esses movimentos são importantes, mas precisamos tomar cuidado para não perder o foco nisso”, diz, ao lembrar que o cenário eleitoral do Brasil ainda revela um agravamento dessas disputas. Moema insiste nesse ponto porque, segundo ela, essas mudanças de hábito podem parecer algo como uma sociedade fraterna e alternativa, desconsiderando a necessidade da resistência e, até mesmo, de luta.
Moema também faz uma crítica ao movimento. “Há uma questão que está ausente no Documento Preparatório e em todo esse processo preparatório do Sínodo: a presença das mulheres”, aponta. Para ela, esse quadro precisa ser revertido. “Realmente não entendo. As mulheres da floresta têm centralidade, mas não aparecem. Às vezes, penso que parece mais fácil aceitar o adverso do que a presença feminina”, lamenta.
Para orientadores do processo sinodal, é preciso aprender e apreender com os saberes dos povos da floresta
(Foto: indígenas na Unisinos, durante 3ª Semea | João Vitor Santos/IHU)
Segundo a socióloga, somente numa questão, a de número 11 da terceira parte do documento, as mulheres são citadas. Para Moema, são sinais de que ainda não se reconhece que a mulher já é parte desse processo, tanto na Igreja como nas comunidades indígenas. “Precisamos conhecer e reconhecer, como diz o Ricardo, essa questão também”, destaca.
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O Sínodo Pan-Amazônico e a necessidade de sermos a Floresta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU