23 Agosto 2018
Depois de quase dois meses de jejum em pesquisas eleitorais, três levantamentos nacionais foram lançados nesta última semana: CNT/MDA, Ibope e Datafolha. Em comum, os institutos mostram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) isolados nas primeiras posições, enquanto os demais candidatos não chegam a dois dígitos. Quando o ex-presidente não concorre, Bolsonaro lidera, seguido de Marina Silva (Rede).
A reportagem é de Amanda Rossi e Mariana Sanches, publicada por BBC News Brasil, 23-08-2018.
A introdução do nome de Lula nas pesquisas foi motivo de controvérsia. Mas ela é obrigatória. Segundo a lei eleitoral, todas as pesquisas para as eleições 2018 devem conter os nomes de todos os candidatos registrados no TSE. É o caso de Lula.
No último dia 15, o PT pediu o registro da candidatura do ex-presidente. Assim, ele é oficialmente candidato, até que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgue sua situação. Por estar condenado em segunda instância, em tese o petista está barrado de concorrer pela Lei da Ficha Limpa.
Ibope e Datafolha testaram também cenário de pleito em que Lula é substituído pelo ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
A BBC News Brasil avaliou os relatórios das três pesquisas e destaca abaixo alguns dos aspectos mais interessantes dos números.
Os eleitores de Lula são os mais convictos: apenas 18% dizem que podem mudar o voto, segundo o MDA. No caso de Marina Silva, Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, o percentual é acima de 60% - são eleitores propensos a trocar de opinião.
Mas, caso o ex-presidente Lula seja impedido de concorrer, como votariam seus eleitores? Segundo o MDA, hoje metade se dividiria entre outros candidatos - 17,3% para Haddad, 11,9% para Marina, 9,6% para Ciro, 6,2% para Bolsonaro. A outra metade, por enquanto, se perde - são eleitores indecisos ou que dizem votar branco/nulo.
Na prática, isso significa que, por enquanto, Lula só transferiria 6,5 pontos percentuais para Haddad - pouco mais do que transferiria para Marina, 4,5 pontos percentuais.
"Ainda é cedo, no entanto, para avaliar se esses votos serão mesmo transferidos ou não porque até agora o Haddad sequer é o candidato oficial do PT. Teremos que esperar para ver como os eleitores reagirão à propaganda de TV", diz Fernando Antônio de Azevedo, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).
A propaganda na TV começa no final de agosto. Nela, o PT vai mirar os 30% de eleitores que dizem que certamente seguiriam a indicação de Lula e os outros 17% que talvez seguissem, segundo o Datafolha. Hoje, Haddad tem 4% de intenções de voto nas pesquisas e um perfil eleitoral bastante diferente de seu padrinho: seu melhor desempenho acontece entre os mais escolarizados e nas capitais. Mais uma evidência de que o público lulista ainda não foi sensibilizado pelo nome do ex-prefeito de SãoUniversidade Fe Paulo.
Os eleitores do Bolsonaro são o segundo grupo mais convicto: apenas 29% deles admitem mudar de ideia, de acordo com a pesquisa MDA.
Outro indicador da definição do voto em Bolsonaro é o resultado da pesquisa espontânea, quando o entrevistado diz em quem vai votar sem antes ver uma lista de candidatos. São pessoas que já tem o nome do candidato na ponta da língua e não sentem que precisam escolher entre as opções. É, assim, o grupo mais decidido do eleitorado. Nessa pesquisa, Bolsonaro tem 15% dos votos, segundo os três institutos de pesquisa. É uma cifra que poderia pavimentar seu caminho ao segundo turno. Além dele, só Lula é muito lembrado na espontânea. Os demais não chegam nem a 2%.
O destaque de Bolsonaro na pesquisa espontânea são homens, pessoas com ensino superior, renda alta, evangélicos, brancos, moradores das regiões Norte e Sul. Esse é o núcleo duro do deputado.
"O eleitor do Bolsonaro, que na média é mais de alta renda e alta escolaridade, tende a ser menos volátil do que os demais grupos de eleitores. É gente que já se informou, formou uma convicção e dificilmente deve mudar em massa", diz Márcia Cavallari, do Ibope.
Por outro lado, Bolsonaro está tendo dificuldade de subir. Na pesquisa estimulada (quando o entrevistado escolhe o candidato entre uma lista de nomes), em cenário com Lula, ele surge com 19% das respostas, segundo o Datafolha. Já em novembro do ano passado, ele aparecia com 18% dos votos, também em cenário com Lula, de acordo com o mesmo instituto de pesquisa. A variação ocorre dentro da margem de erro.
Uma das explicações está na resistência do eleitorado feminino ao nome do deputado do PSL. De acordo com o Ibope, em um cenário sem Lula, se entre os homens Bolsonaro atinge 28% das preferências, entre as mulheres ele amealha apenas 13% das intenções de voto.
Além disso, conforme se torna mais conhecido dos eleitores, Bolsonaro tem elevado sua taxa de rejeição. Segundo o Ibope, 37% dizem que não votariam nele de jeito nenhum - 5 pontos percentuais a mais do que em junho. Nenhum outro candidato é mais rejeitado. Outros pontos fracos são os eleitores do Nordeste, de renda baixa e baixa escolaridade.
O Nordeste é a região do Brasil mais aderente a Lula. De cada 10 nordestinos, 6 dizem votar no ex-presidente. O que ocorre no cenário em que Lula não é candidato?
O primeiro efeito é que os votos brancos e nulos mais que triplicam na região. Passam de 9% para 28%, segundo o Datafolha.
Além disso, Ciro Gomes passa a se destacar na região. Quando Lula é candidato, a intenção de voto em Ciro no Nordeste é de 5% - exatamente igual à sua pontuação nacional. Já sem Lula, Ciro ganha nove pontos percentuais e chega a 14% da intenção de voto do Nordeste. É onde desponta melhor nas pesquisas.
Marina Silva também cresce no Nordeste sem Lula - sobe 8 pontos, atingindo 19%.
Já Fernando Haddad absorve apenas 5% dos votos dos nordestinos. Um dos maiores desafios de sua campanha é justamente tentar agregar em torno de si os eleitores de Lula no Nordeste. As primeiras agendas de campanha têm sido nessa região.
O tucano Geraldo Alckmin está atrás de Bolsonaro inclusive na região Sudeste, onde é mais conhecido, por ter governado o Estado de São Paulo por quatro mandatos.
Segundo o Ibope, em cenário sem Lula, Alckmin tem 11% de intenção de voto no Sudeste, contra 21% do deputado federal. Já com Lula, Alckmin também fica atrás de Bolsonaro: 9% versus 19%.
A distância é ainda maior em outras regiões do país. No Norte e Centro-Oeste, por exemplo, Bolsonaro tem pelo menos 28 pontos percentuais a mais que Alckmin - com ou sem Lula.
Os dados mostram a dificuldade da candidatura de Alckmin de decolar. A expectativa do partido é que o candidato cresça com o início da propaganda eleitoral na TV, recuperando eleitores que antes votavam no PSDB e agora aderiram à campanha de Bolsonaro. O tucano tem o maior tempo de exposição - mais de 11 minutos por dia - devido à ampla coligação partidária que construiu.
Alckmin enfrenta desgaste com denúncias de corrupção que alvejaram seu partido. O último presidenciável do PSDB, Aécio Neves é réu no âmbito da Operação Lava Jato. Alckmin tem que se desvencilhar ainda do peso de ter seu partido na base governista de Michel Temer, um dos governos mais impopulares da história - apenas 3% dos brasileiros consideram sua gestão ótima ou boa, de acordo com o Ibope.
De acordo com levantamento do Ibope, 45% dos eleitores entre 16 e 24 anos de idade diz votar em Lula. O percentual surpreende porque está fora do perfil de eleitor lulista, gente que melhorou de vida no período entre 2002 e 2010, quando Lula esteve no poder.
Já o grupo de eleitores jovens atuais tinha entre 8 e 16 anos de idade quando o governo do petista acabou, e sequer havia entrado na população economicamente ativa.
Com a ressalva de que seria preciso uma pesquisa qualitativa para ouvir esses jovens e entender seus motivos, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil levantam algumas hipóteses para explicar o fenômeno. Uma delas seria o fato de esse grupo ser menos conservador em relação a costumes e estar mais propenso a aderir a candidatos de esquerda.
Outra possibilidade é que Lula esteja conseguindo transmitir a ideia de que é oposição ao governo Temer. "O jovem pode enxergar expectativas de futuro mais atraentes com o Lula, pelo que ouvem de outras pessoas, em relação à situação atual, de pouco emprego, de dificuldade para obter financiamento estudantil ou bolsa acadêmica", diz Azevedo.
Quando duelam entre si regionalmente, Lula e Bolsonaro empatam tecnicamente no Norte e Centro-Oeste, regiões pesquisadas em conjunto pelos institutos por terem uma população menor. Lula aparece com 33% e Bolsonaro, com 29% das intenções de votos, de acordo com o Ibope. São as regiões do país onde o deputado federal se sai melhor.
Sem Lula, Bolsonaro lidera isolado no Norte e Centro-Oeste, com 30% de intenção de voto. É o dobro da segunda colocada, Marina Silva.
"Bolsonaro é muito mais ouvido em região de fronteira, com conflito de terra e questão indígena. São os temas principais dele", diz Hilton Fernandes, professor da Faculdade Escola de Sociologia e Política, de São Paulo.
Bolsonaro chegou a visitar Roraima, que vive uma crise migratória sem precedentes com a entrada de venezuelanos que buscam fugir da crise em seu país. "Olha a nossa querida Roraima, Boa Vista e Pacaraima. Eu estive lá. Hoje em dia calculam que Boa Vista tem em torno de 40 mil venezuelanos. (...) Primeiro, tem que revogar essa lei de imigração aí. Outra, fazer campo de refugiados", afirmou em entrevista para o Estadão, em março.
Em Roraima, Bolsonaro teria 45% dos votos válidos, contra 26% de Lula, segundo pesquisa Ibope realizada no Estado entre 13 e 16 de agosto. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, para mais ou menos.
Entre os Estados pesquisados pelo instituto, é onde Bolsonaro se sai melhor.
Por enquanto, Marina é quem mais ganha com a saída de Lula. Sem o ex-presidente, segundo a pesquisa Ibope, a intenção de voto na ex-ministra sobe 6 pontos percentuais - de 6% para 12%.
É ela, por exemplo, quem recebe os votos dos jovens em Lula. Quando o ex-presidente está concorrendo, Marina não tem
enhum destaque nessa faixa etária - tem os mesmos 6% de intenção de voto registrados entre a população em geral. Já sem Lula, Marina triplica entre os jovens, com 18%. É a única candidata que cresce nessa faixa etária.
Com a saída de Lula, Marina também sobe no Nordeste e entre os mais pobres.
Um dos motivos para o crescimento de Marina é o chamado "recall" - quando os eleitores optam por nomes que já conhecem. Segundo o Datafolha, depois de Lula, Marina é a candidata mais conhecida, por 93% dos entrevistados.
"Marina tem um ótimo recall por ter sido duas vezes candidata à Presidência. Ela aparece como o segundo nome, já que o nome de Haddad ainda não está posto na esquerda. Mas essa situação não encontrará sustentação ao longo da campanha", arrisca Fernandes.
Segundo o Datafolha, 41% dos eleitores não conhecem Fernando Haddad. É o mesmo percentual encontrado há cerca de um ano.
Por um lado, esse número representa um desafio difícil para o PT: o partido tem menos de 50 dias e 5 minutos de propaganda na TV por dia para apresentar Haddad para os eleitores de Lula - o que não conseguiu fazer no último ano. Por outro, é uma oportunidade para o partido: há espaço para apresentar o vice de Lula e tentar crescer. "Apresentar Haddad talvez não seja tão simples. Até o nome dele é difícil para uma parte dos eleitores, que chega a chama-lo de 'Andrade'", diz Fernandes.
Bolsonaro também tem uma oportunidade. Ainda é desconhecido por 21% dos entrevistados pelo Datafolha e tem espaço para disputar esses votos. Já seus concorrentes Marina, Alckmin e Ciro são mais conhecidos.
Se um candidato for a favor da liberação do porte de armas, como isso influencia sua chance de votar nele para Presidente da República? Essa foi uma das perguntas feitas pelo MDA.
O resultado é que defender a liberação do porte de armas é mais nocivo do que benéfico para as candidaturas. Se o candidato for a favor, 24% dos entrevistados dizem que aumenta a chance de votar nele. Outros 20% dizem que não influencia o voto. Mas 50% dizem que diminui a chance de votar nele.
"A defesa do porte de armas é uma agenda de nicho, de uma parcela da população. Funciona muito bem como estratégia para conquistar uma fração dos eleitores, mas pode complicar para expandir esse eleitorado no segundo turno", diz Fernandes.
A depender do instituto de pesquisa, o ex-presidente tem agora entre 37% e 39% das intenções de votos. Mas, para efeitos eleitorais, vale a conta sobre votos válidos: os brancos e nulos são desconsiderados do cálculo final para saber quem foi eleito.
Segundo as pesquisas dessa semana, em torno de 20% do eleitorado diz votar branco ou nulo. Assim, se as eleições fossem hoje, Lula teria cerca de metade dos votos válidos - na medição do Ibope, seriam exatamente 47%.
É perto do total de votos necessário para se eleger em primeiro turno - 50% mais um.
No Nordeste, o percentual de votos válidos de Lula chega a 71%, ainda segundo o Ibope.
"Lula estava com uma imagem muito ruim no ano passado, mas o processo todo de crise com o governo Temer reabilitou um pouco a figura do candidato, o que ajuda a explicar a resiliência dessa candidatura", diz Fernandes.
A situação jurídica das eleições ficaria em perigo nesse caso. Uma das estratégias do PT é empurrar o julgamento do registro da candidatura de Lula pelo TSE até meados de setembro, o que possibilitaria que o nome do candidato estivesse nas urnas eletrônicas.
Nesse cenário, ainda que o TSE considere Lula inelegível antes da data do pleito, em outubro, o eleitor poderia votar em Lula.
Segundo resolução do TSE, caso ele obtivesse mais de 50% dos votos, a eleição teria que ser anulada e refeita imediatamente. Se não atingir mais do que 50% dos votos, o segundo e o terceiro colocado seriam enviados para a disputa de segundo turno.
"Essa é a primeira vez que acontece uma situação dessas em âmbito nacional, então estamos falando com base no que já aconteceu em disputas para prefeituras. Mas, acreditamos que o TSE deve dar uma resposta para a situação com rapidez até porque os custos financeiros de se fazer uma nova eleição presidencial seriam altíssimos", diz a advogada especialista em direito eleitoral Karina Kufa, do Instituto de Direito Público de São Paulo.
O MDA questionou quais características do candidato o entrevistado vai levar em consideração na hora de votar para presidente. A principal escolhida foi honestidade, com 76% de menções. Os mesmos eleitores declararam maior preferência por Lula, com 37% das intenções de voto. O petista está condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso tríplex.
"Você tem uma orientação normativa ao expressar valores, mas se move de maneira pragmática na hora de fazer escolha. O eleitor pode até considerar que Lula foi corrupto, mas olha também para o bem-estar que ele pode ter trazido durante o governo", diz Azevedo.
Para Márcia Cavallari, do Ibope, a impressão generalizada entre os eleitores de que todos os políticos cometeram algum tipo de malfeito também pode ter mudado o modo como a escolha é feita. "À medida que a Lava Jato foi avançando sobre diversos partidos, colocou as lideranças todas na mesma página. Isso faz com que o eleitor desconsidere esse aspecto e passe a usar outros critérios na escolha."
Informações técnicas sobre as pesquisas:
– A pesquisa CNT/MDA foi realizada entre 15 e 18 de agosto, com 2.002 entrevistas, em 137 municípios. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, com 95% de nível de confiança. Está registrada no TSE com o número BR-09086/2018.
– A pesquisa Ibope foi realizada entre 17 e 19 de agosto, com 2.002 entrevistas, em 142 municípios. A margem de erro máxima estimada é de 2 pontos percentuais, com 95% de nível de confiança. Está registrada no TSE com o número BR-01665/2018.
– A pesquisa Datafolha foi realizada entre 20 e 21 de agosto, com 8.433 entrevistas, em 313 municípios. A margem de erro máxima é de 2 pontos percentuais, com nível de confiança de 95%. Está registrada o TSE com o número BR-04023/2018.
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Eleições 2018: Lula líder entre jovens, Bolsonaro à frente no Centro-Oeste e Norte e outros 9 destaques das pesquisas eleitorais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU