28 Março 2018
A pesquisadora Julia Ebner assinala que a extrema direita usa sofisticadas técnicas de manipulação e consegue modificar a atmosfera política. O importante será “educar o público para que saiba distinguir as notícias falsas das verdadeiras”.
A reportagem é publicada por Página|12, 27-03-2018. A tradução é de André Langer.
O fato de a extrema direita ter avançado consideravelmente nas eleições de vários países do mundo explica-se em parte pela manipulação que grupos especializados fazem nos networks ou em redes sociais como Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegram, Twitter, YouTube, entre outros. E os países latino-americanos podem não estar longe de um processo similar que coloca em risco a democracia. Esta foi, em síntese, o conteúdo de um encontro com a jornalista austríaca e pesquisadora Julia Ebner, que apresentou sua pesquisa sobre esse tema em Roma.
A questão adquire especial relevância e interesse depois do escândalo da companhia inglesa Cambridge Analytica, que usou milhares de contas no Facebook para descrever o comportamento e os desejos de seus proprietários, mas sem seu consentimento. No caso dos estadunidenses, esses resultados foram entregues aos autores da armação da campanha eleitoral a favor do presidente Donald Trump.
Ebner trabalha no Instituto para o Diálogo Estratégico de Londres (Institute for Strategic Dialogue), uma instituição que se define como um centro global “contra organizações extremistas que se dedica a fortalecer as novas gerações contra o ódio e o extremismo”. Ebner estudou jornalismo na London School of Economics and Political Science de Londres e acaba de publicar um livro em inglês e em alemão intitulado A Raiva, o círculo maligno do extremismo islâmico e da extrema direita.
A pesquisadora disse que desde as eleições que elegeram o presidente Donald Trump nos Estados Unidos prestou-se muito mais atenção à influência dos networks de direita nas eleições. Conseguimos identificar modelos de colaboração entre determinadas redes sociais e passamos a estudar como as mensagens da direita passam de portais de internet da extrema direita para o público em geral, ou seja, para a corrente dominante (que os especialistas chamam de “mainstream”) nos networks.
Um dos métodos usados pela extrema direita é também acessar plataformas de internet mais públicas, como o Facebook, o YouTube, etc. Ali eles “trocam mensagens com outras pessoas usando principalmente palavras e frases interessantes para os jovens, e tentam arrastá-los para as plataformas criptografadas. Mas antes de serem admitidos nessas plataformas, os candidatos são entrevistados e depois decide-se se eles são aceitos. Em caso positivo, trocam com eles literatura e todo tipo de informação de extrema direita”, disse Ebner.
O caso da Alemanha aparece como um dos mais claros. De acordo com a pesquisadora, nas últimas semanas antes das eleições de setembro passado, a direita invadiu plataformas como o Facebook, o Twitter e outras, com mensagens anti-Angela Merkel (que era e é novamente a primeira-ministra). “Em geral, a direita usa técnicas de manipulação sofisticadas e coordenadas dos meios de comunicação e técnicas perturbadoras dos social networks”, acrescentou a especialista, esclarecendo que as técnicas usadas por esses grupos de direita são semelhantes àquelas adotadas na comunidade internacional de jogos eletrônicos on-line. Porque é possível jogar com pessoas de qualquer país ou região e depois compartilhar com seu adversário outras coisas. “É possível que por trás dessas plataformas haja um esforço coordenado para influenciar as pessoas e levá-las para a direita. Mas isso, por enquanto, é apenas uma suspeita, não foi comprovado de forma eficaz”, disse.
Ela também contou que na Alemanha foi possível verificar que nas plataformas da extrema direita são trocados manuais militares de comportamento onde são dados conselhos para se infiltrar no chat do inimigo político e provocar distúrbios. Além disso, disse que eles conseguiram “manipular os algoritmos de busca na internet”, de modo que, quando se busca uma palavra, determinados textos favoráveis a eles são os primeiros a aparecerem. Alguns também usam “técnicas miméticas”: isto é, os ultras se mimetizam como se fossem moderados e se infiltram nos chat dos moderados de direita para levá-los a posições de extrema direita. E assim, introduzem suas mensagens nos chat comuns, transformando-os em temas de discussão entre pessoas comuns.
Outro caso foi a Itália, especialmente em relação ao grande problema dos migrantes que chegam aos milhares à costa italiana vindos da África. “Na internet, veio se falando muito sobre a Itália ultimamente, sobretudo exaltando uma guerra de raças”, disse. Um extremista que atentou contra migrantes sem nenhuma razão aparente, como um tal Traini na cidade de Macerata, foi apresentado na internet como um herói, como um símbolo da raça branca. “As pessoas que incitam campanhas contra os migrantes não usam seu verdadeiro nome nas mídias sociais, mas nomes falsos. Mas, certamente inspiram alguns ataques. Os ataques organizados são coordenados por plataformas criptografadas. As plataformas públicas podem inspirar ataques, mas não coordenar toda a ação”, precisou.
Você considera que tudo isso é uma ameaça à democracia?
Definitivamente sim, porque esta metodologia faz crer que determinados pontos de vista de extrema direita são compartilhados por muito mais pessoas, quando na verdade não são. Não devemos esquecer que uma mesma pessoa pode atuar em diferentes contas ou plataformas. Alguns estudos do setor mostraram, por exemplo, que na Alemanha, 5% das contas são responsáveis por mais de 50% das mensagens de ódio. Desta forma, tendem a influenciar os políticos (que têm equipes de pessoas que coletam esses dados) que acabam achando que há muitas pessoas que pensam de uma determinada maneira quando na realidade não é bem assim. E, assim, a extrema direita modifica a atmosfera política e dita a agenda dos políticos.
Esta metodologia também é aplicada por grupos de direita e políticos da América Latina?
É muito difícil afirmar isso com certeza, porque não estamos estudando especificamente a América Latina. Mas, de fato, há um aumento na influência internacional dessas coisas, motivo pelo qual, eventualmente, a América Latina também pode ser influenciada.
O que pode ser feito para controlar isso?
O mais importante é educar o público, para que as pessoas não sejam vítimas dessas campanhas de manipulação. Educar os jovens para que saibam distinguir as “fake news” (notícias falsas) das verdadeiras, saber como funcionam esses portais de propaganda, não se sentir intimidado por campanhas que parecem arrastar grandes massas, mas que na verdade são feitas por algumas dúzias ou centenas de pessoas.
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“Eles manipulam a agenda política”, diz pesquisadora, sobre estratégia da extrema direita na internet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU