14 Setembro 2016
"Independentemente de quem vencer, a dinâmica da corrida presidencial 2016 ilustra inegavelmente algumas tendências preocupantes da vida americana", escreve John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 12-09-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
A dinâmica da corrida presidencial 2016 ilustra algumas tendências preocupantes da vida americana, incluindo divisões cada vez mais profundas e níveis de fúria cada vez mais altos. Visto sob um olhar católico, no entanto, tais tendências também sugerem um potencial bastante singular para que o catolicismo aja como “perita em humanidade”.
Embora haja tempo para que as coisas mudem entre hoje e 8 de novembro, a maioria das pesquisas parecem sugerir que Hillary Clinton tem um caminho menos complicado para a presidência do que Donald Trump, especialmente em termos de colégio eleitoral.
No entanto, em época de eleição na qual o que antes era inconcebível se tornou o normal, previsões de qualquer espécie não devem ser levadas muito a sério.
Aqui apresento um dado que não é uma previsão, mas um fato assentado: independentemente do que acontecer, esta eleição estará entre as mais turbulentas e improváveis da história americana. Ou iremos eleger a nossa primeira presidenta, com um histórico na área social reconhecido por muitos como um anátema, ou iremos eleger um magnata populista e personalidade televisivo visto por uma parcela igualmente grande da população como a pessoa errada para governar.
Isso tudo tem de nos ensinar algo sobre em que pé as coisas estão neste país, em particular neste início de século XXI. Quais exatamente são estas lições é o que será dissecado e debatido em tempos futuros, independentemente do que aconteça a daqui dois meses. Mas, pelo menos, três pontos já parecem um tanto claros.
Visto sob lentes católicas, cada um deles parece sugerir grandes desafios, mas também que a Igreja nos EUA tem um potencial bastante singular para fazer a diferença.
Não é novidade que existam divisões profundas neste país, porém um aspecto marcante da corrida presidencial 2016 é que elas sugerem o quão profundo se tornou este distanciamento.
De um lado, muitos americanos conservadores irão, com relutância, ficar ao lado de Trump porque acham inconcebível votar em Clinton e naquilo que acham que ela representa. O mesmo, evidentemente, é verdadeiro para muitos eleitores de Clinton em relação a Trump.
Em outras palavras, esta eleição irá provavelmente se decidir na base do que as pessoas têm como oposição (e não como primeira opção propriamente).
Numa cultura polarizada como esta, algo marcante quanto à Igreja Católica é que ela é uma das poucas instituições nacionais que contêm grandes populações em ambos os lados, e cuja principal liderança reflete temperamentos e opções muito diferentes.
Os conservadores, por exemplo, veem figuras como o arcebispo da Filadélfia, Dom Charles Chaput, como heróis, enquanto os conservadores alegram-se com a ascensão do arcebispo de Chicago, Dom Blaise Cupich. Os centristas, até onde eles existem na cultura americana, têm no Cardeal Donald Wuerl, de Washington, um ponto de referência.
Ou seja, a Igreja possui um interlocutor para praticamente todo mundo, o que a coloca como um dos poucos ambientes em que pode ocorrer um diálogo pós-eleição sobre como avançar daí em diante.
Se Trump perder, sem dúvida o consenso será que a sua grande impopularidade entre os hispânicos se constitua como um fator-chave. Se vencer, analistas e formadores de opinião dirão que o convencimento dos hispânicos de que ele quer ser o presidente deles também estará entre os seus desafios imediatos.
Essas reações refletem a importância crescente do eleitorado hispânico na vida americana, impulsionada por motivos tanto demográficos (isto é, imigração e índices de natalidade diferenciados) como também socioeconômicos (o surgimento de uma classe média hispânica forte).
Em linhas gerais, eis uma boa nova para os bispos católicos nos EUA, quem, nas últimas décadas, vem se colocando como defensores dos imigrantes e de minorias étnicas, especialmente os hispânicos – em parte por causa de uma convicção moral genuína, em parte pelo simples motivo de que os hispânicos são desproporcionalmente católicos e, como pastores, os bispos não podem deixar de estar atentos às suas preocupações.
A ascensão do fator hispânico sugere, pois, um futuro no qual a Igreja Católica e suas lideranças nos EUA serão, cada vez mais, relevantes. Com este poder, é claro, virão uma responsabilidade e expectativas proporcionais.
A ira contra a máquina talvez seja a história predominante nos EUA este ano, desde os tiroteios envolvendo a polícia contra afro-americanos, fomentando uma percepção de preconceito, até o ressentimento de uma classe trabalhadora branca quanto a emprego e mudanças culturais que, em geral, formam a base do discurso de Trump.
Tudo isso, naturalmente, é exacerbado pela explosão das mídias sociais e de ataques online, onde se degrada e demoniza algumas pessoas com as quais há uma discordância.
O bispo auxiliar Robert Barron, de Los Angeles, me disse recentemente acreditar que a ascensão das mídias sociais é a revolução comunicacional mais importante desde a prensa de Gutemberg, maior que a invenção do rádio e televisão, por causa do modo como estão transformando a maneira de as pessoas interagir.
A questão da ira acima mencionada é que não se trata apenas de uma instância política. É uma reação emocional e psicológica, que sugere não poder ser resolvida apenas com respostas normativas. É preciso também uma cura em níveis mais profundos e íntimos, que tende a ser o reino dos políticos e formadores de opinião, mas não de pastores de almas.
O catolicismo, por falar a língua de praticamente todos os partidos existentes – seja uma linguagem metafórica que reflita ideologias e situações socioeconômicas diferentes, seja literal, como a distinção entre inglês e espanhol –, pode ter o corpo pastoral do país que se encontra melhor postado para resolver a nossa ira rapidamente transformadora.
Independentemente de quem vencer, a dinâmica da corrida presidencial 2016 ilustra inegavelmente algumas tendências preocupantes da vida americana. No entanto, elas também sugerem que se o catolicismo puder utilizar com sabedoria os seus recursos, ele conta com uma chance bastante singular de ser nos EUA aquela “perita em humanidade” que o Papa Paulo VI há tempos disse aspirar a ser para o mundo inteiro.
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Trump x Clinton sob um olhar católico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU