12 Setembro 2016
Donald Trump e Hillary Clinton não concordam em muitas coisas. Quando se trata do futuro da economia mundial, esses ferozes rivais presidenciais formam, entretanto, uma aliança improvável contra uma tradição que manteve os Estados Unidos no comando das regras por mais de 70 anos.
A reportagem é publicada por Dan Robert e Ryan Felton, publicada por The Observer e reproduzida por CartaCapital, 12-09-2016.
A tradição foi considerada fato consumado em Washington por tanto tempo que raramente chamava muita atenção, mesmo na imprensa econômica, quanto mais para dominar todo um ciclo eleitoral. Mas 2016 é diferente. É o ano em que a fé dos Estados Unidos no livre-comércio tornou-se a polêmica mais quente.
Ambos os lados da discussão se preparavam para afastar a letargia do verão neste fim de semana com turnês nacionais ruidosas e concorrentes, eventualmente em estranha companhia. De um lado, astros do rock liderados pelo guitarrista Tom Morello, da banda Rage Against the Machine, começaram uma série de shows em Portland, no Oregon, para se revoltar contra o Tratado Transpacífico. O TPP (sigla em inglês do acordo) tornou-se um para-raios para a discórdia sobre se a constante liberalização do comércio é boa para a economia dos EUA, em particular para sua classe média em dificuldades.
Campanhas como Rock Contra a TPP seguem as pegadas do candidato democrata de esquerda Bernie Sanders, que também encheu estádios neste ano para advertir sobre os danos que tais acordos podem causar à indústria nacional e aos níveis salariais. Tão eficaz foi esse desafio, e um semelhante e mais bem-sucedido grito de Trump à direita, que até Hillary foi obrigada a repensar o seu antes leal apoio à proposta do acordo comercial asiático.
O resultado foi que o acordo gigante entre 12 países ao redor do Pacífico parece ter batido em um muro de oposição política insuperável entre legisladores que haviam quase concluído seu processo de ratificação. Negociações paralelas entre os Estados Unidos e a Europa, conhecidas como o Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento, o TTIP, estão subitamente ainda mais atrasadas, manietadas por uma oposição política semelhante e a necessidade de considerar acordos bilaterais depois do Brexit.
Mas esses são os interesses percebidos de se manter um sistema de acordos multilaterais, de modo geral inventado pelos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, que a Casa Branca não abandonou. Antes de partir para as férias de verão em Martha’s Vineyard, Barack Obama prometeu fazer uma última tentativa de ratificar o TPP na sessão “pato manco” do Congresso, isto é, no espaço de tempo entre a vitória de Hillary ou de Trump – em uma eleição em que ambos declararam sua oposição ao acordo – e sua saída do cargo.
“Nós fazemos parte da economia global. Não estamos revertendo isso”, disse Obama em uma entrevista coletiva com o primeiro-ministro de Cingapura. Salvar o TPP estará quase no topo de sua agenda remanescente, com 30 eventos planejados pela administração por todo o país para ajudar a convencer legisladores hesitantes.
Mas quando Hillary Clinton subiu ao palco em uma fábrica num subúrbio de Detroit este mês, tinha uma mensagem muito diferente para uma sala de 500 trabalhadores sindicalizados e apoiadores. Em uma instalação onde estão sendo construídas peças para um foguete de uma futura missão da Nasa a Marte, a ex-secretária de Estado manifestou sua mais forte rejeição ao TPP.
“É verdade que, com frequência, antigos acordos comerciais foram vendidos à população americana com cenários cor-de-rosa que não deram certo”, disse ela a uma multidão elétrica. “Essas promessas hoje soam vazias em muitas comunidades em Michigan e em nosso país, que viram fábricas fecharem e empregos desaparecerem. Muitas empresas fizeram lobby por acordos comerciais para que pudessem vender produtos no exterior, mas depois elas se mudaram para o exterior e venderam de volta aos EUA.
“Por isso, minha mensagem a cada trabalhador de Michigan e de todos os EUA é esta: bloquearei qualquer acordo comercial que mate empregos ou mantenha os salários baixos, inclusive o TPP. Sou contra hoje, serei contra depois da eleição e serei contra como presidente”, disse a candidata.
A declaração marcou uma mudança drástica em Hillary, que era uma antiga apoiadora do acordo e ajudou a orquestrar as negociações como secretária de Estado. Como seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, promoveu o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte, o Nafta, nos anos 1990, ela também foi obrigada a enfrentar perguntas duras sobre esse acordo, principalmente vindas de Trump.
Nunca os dois principais candidatos presidenciais haviam rompido a ortodoxia que diz que a globalização é sempre boa para os americanos. Hillary agora enfrenta a pressão de se opor ao acordo comercial de Obama com a Ásia, não apenas em princípio, mas na prática, se houver uma votação na sessão do “pato manco”. É uma batalha não apenas para a alma do Partido Democrata, mas possivelmente para todo o sistema econômico mundial.
“É potencialmente um ponto de inflexão muito perigoso”, disse Edward Alden, importante especialista em comércio no Conselho de Relações Exteriores em Washington.
Alguns sugerem uma “teoria da bicicleta” dos acordos comerciais: eles têm de continuar se movimentando para adiante ou oscilarão e cairão. Para Alden, o processo tem mais a ver com o desafio representado pela China, que busca seu próprio acordo com os participantes do TPP se os EUA não conseguirem cumprir sua promessa. “Seguir adiante tem a ver com a arquitetura”, disse Alden.
“A China gostaria de ver um conjunto de regras comerciais muito diferente. Se o TPP falhar, os demais países da Ásia não terão opção a não ser ir na direção que a China quiser. A ironia de tudo é que se opor ao TPP provavelmente ajudará mais a China.”
Para a Casa Branca, esse é o maior motivo para continuar batalhando contra a corrente pelo TPP. Se a China tomar o controle da agenda comercial asiática, provavelmente virá a dominação política e de segurança, e toda a “virada” de Obama para a região ficará em frangalhos.
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EUA: Um olho no eleitor, outro na China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU