17 Setembro 2014
Em uma entrevista concedida às principais revistas jesuítas, no ano passado, o Papa Francisco mostrou a sua determinação de mudar o foco da Igreja, dando menos ênfase às guerras culturais - contracepção, aborto, casamento homossexual e afins - e mais à pobreza e à desigualdade.
Será que o apelo do papa para "um novo equilíbrio" encontrou um público receptivo nos Estados Unidos?
A reportagem é de Michael O'Loughlin, publicada no sítio Crux, 13-09-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
A cada ano, durante o mês de agosto, cerca de 150 trabalhadores agrícolas, todos migrantes, se dirigem ao Centro Sin Fronteras, em El Paso, Texas. Lá, eles vão para a cama enquanto ainda é claro para poder acordar às 2:00 da manhã e embarcar em um ônibus que os leva até os campos de pimenta malagueta no Novo México.
Após longos dias debaixo do sol do sudoeste dos Estados Unidos, esses trabalhadores - a maioria homens - retornam, a cada final da tarde, para tomar banho, fazer uma checagem na clínica médica ou no centro de assistência jurídica e receber correspondências de seus entes queridos que ficaram em seus países de origem. Enquanto estiverem por lá, eles provavelmente vão acabar se encontrando com Fernie Bermudez, um antigo residente de El Paso e também um católico praticante que se voluntariou a trabalhar no movimento pela justiça social há quase duas décadas.
Bermudez, que faz parte do conselho do Sin Fronteras, também dirige uma pastoral na paróquia São Pio X da Igreja Católica em El Paso, trabalhando com pessoas que vivem na periferia da cidade, nas "colonias". As 500 famílias que o ministério serve cada ano vivem em casas sem água encanada; alguns conseguiram acesso à eletricidade apenas nos últimos dois anos.
Quando o Papa Francisco disse, em uma entrevista há um ano, que "os ministros da Igreja devem ser misericordiosos, tomar a seu cargo as pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, lima, levanta o seu próximo", ele poderia estar falando de Bermudez.
A entrevista, concedida às principais revistas jesuítas, o Papa Francisco mostrou a sua determinação de mudar o foco da Igreja, dando menos ênfase às guerras culturais - contracepção, aborto, casamento homossexual e afins - e mais à pobreza e à desigualdade.
Será que o apelo do papa para "um novo equilíbrio" encontrou um público receptivo nos Estados Unidos?
Alguns duvidaram disso quando, em junho, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos reuniu-se em Nova Orleans e renovou a sua ênfase no aborto, casamento gay e no Obamacare [mandato de cobertura de contraceptivos].
Patrick Carolan, diretor-executivo da Rede de Ação Franciscana em Washington, disse ao Crux que muita energia permanece direcionada para longe da justiça social, deixando passar em branco as estruturas que causam a pobreza.
"A Igreja Católica é, certamente, uma das principais organizações em termos de prestação de serviços aos pobres", disse ele. "Onde eu acho que está faltando ênfase é do outro lado da moeda, em abordar o problema da pobreza através da mudança e não apenas fornecer o alimento. Eu acho que nós temos que fazer as duas coisas, e a Igreja ficou para trás nisso".
A reforma da imigração, no entanto, é a área onde alguns católicos acreditam que a Igreja institucional dos EUA está mais focada e unida no que diz respeito às questões relacionadas com a pobreza.
"Enfrentar a questão da pobreza através da reforma migratória" é um refrão constante em muitas dioceses, disse Maria Elena Durazo, secretária-tesoureira executiva da Federação do Trabalho do condado de Los Angeles, uma organização que faz parcerias com muitas organizações católicas.
Outros apontam que as prioridades reais da Igreja nem sempre aderem à percepção do público.
"Dedicamos muito mais atenção e recursos financeiros para aqueles que são pobres e tem necessidades todos os dias", disse Blase Cupich, bispo de Spokane, Estado de Washington. "Estou muito bem convencido de que o valor que gastamos com essas outras questões é apenas uma pequena fração do que gastamos com a pobreza diariamente".
Cupich, no entanto, disse que o Papa Francisco "tem dado a nós, bispos desse país, uma oportunidade para recalibrar o que vamos destacar em nossos próprios esforços, colocando a pobreza no centro".
Em contraste com as declarações inequívocas do Vaticano - o papa chamou a desigualdade social de "a raiz de todos os males sociais" e o diretor da comissão de reforma da mídia do Vaticano disse que aqueles que não falam sobre os pobres estão "ignorando algumas das lições mais importantes do Novo Testamento" - a mensagem dos clérigos americanos, embora dificilmente um grupo monolítico, permanece confusa.
O cardeal de Nova York, Timothy Dolan, matizou as críticas do papa ao capitalismo em um artigo no The Wall Street Journal, em maio, afirmando que a economia de estilo americano não era necessariamente o alvo das críticas do papa argentino. "Os americanos precisam lembrar que o Santo Padre está falando para uma audiência global", escreveu Dolan.
Outros bispos, no entanto, vêem os comentários do papa como um desafio direto a todos os católicos, leigos e ordenados.
"Eu acho que as declarações do Papa Francisco sobre o desafio da pobreza mundial e da desigualdade oferecem uma oportunidade única para a comunidade católica de aprofundar seus recursos leigos institucionalizados", disse ao Cruz, Robert McElroy, bispo auxiliar da arquidiocese de San Francisco. "Essa é uma oportunidade única para um ressurgimento da rica tradição da nossa fé para a sociedade em uma época onde a desigualdade está crescendo, e eu vejo um ressurgimento começando".
Se a Igreja não está falando enfaticamente sobre a pobreza, alguns acreditam que isso é um reflexo da cultura de uma forma mais ampla.
"A comunidade católica nos EUA trabalha bastante para combater a pobreza e os seus efeitos em muitos aspectos, incluindo iniciativas estabelecidas pelos próprios bispos", disse ao Crux, Meghan Clark, professora assistente de estudos teológicos e religiosos na St. John's University, em Queens, Nova York. Mas, "talvez, o que falta é uma voz pública forte e clara que faça a conexão entre justiça e espiritualidade, de como esses esforços não fluem apenas de nossa fé, mas são exigidos por ela".
John Carr, ex-diretor do Departamento de Justiça, Paz e Desenvolvimento Humano da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos por mais de 20 anos, disse que a reticência da Igreja para falar sobre a pobreza reflete a falta de vontade mais ampla para combater a desigualdade.
Carr, porém, que agora dirige a Initiative on Catholic Social Thought and Public Life na Universidade de Georgetown, espera que a insistência do papa em manter viva a questão possa criar ondas em Washington.
"O silêncio sobre a pobreza é generalizado e perigoso", disse ele. "Esperamos que o silêncio esteja chegando ao fim, e o Papa Francisco deve receber muito crédito por levar isso adiante".
Tanto Clark quanto Carr disseram que a Igreja faz muito para combater a pobreza, mesmo que, para alguns, isso não pareça ser a principal prioridade.
Carr apontou exemplos como o lobby da conferência episcopal com os legisladores em Washington e a Campanha Católica para o Desenvolvimento Humano, a iniciativa anti-pobreza dos bispos que já concedeu mais de 14 milhões de dólares em doações para lideranças comunitárias esse ano.
Mas Clark acredita que a pobreza deve tornar-se mais central no diálogo público da Igreja, o que ela espera que possa estimular uma discussão mais ampla em torno da questão.
"Há muitas pessoas na Igreja que realmente querem priorizar a pobreza, mas a realidade é que elas não são as vozes mais altas", disse ela. "A questão que eu gostaria de ver abordada não é apenas a questão das prioridades católicas, mas como é que vamos estimular uma conversa mais ampla que simplesmente não está acontecendo?".
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A mensagem do Papa sobre um ''novo equilíbrio'' está sendo ouvida? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU