17 Junho 2014
Segundo o presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, a questão-chave para os bispos católicos do país é: como eles podem encorajar uns aos outros no seu ministério, respeitando os diferentes papéis de liderança?
A entrevista foi realizada por Joshua J. McElwee e Brian Roewe, publicada no sítio do National Catholic Reporter, 13-06-2014. A tradução é de Cláudia Sbardelotto.
O arcebispo Joseph Kurtz, de Louisville, Kentucky, disse que está analisando a seguinte pergunta: "O que significa para cada um de nós, bispos, sermos instrumentos de incentivo uns para os outros?".
"Eu acho que a Conferência não pretende tomar o lugar de liderança dos bispos, mas sim apoiar essa liderança", disse Kurtz, que foi eleito para liderar a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos em novembro passado e está atuando em um mandato de três anos.
"A liderança de um bispo em uma diocese não pretende tomar o lugar da liderança dos fiéis batizados e dos sacerdotes que ali servem, mas está destinada a inspirar e a ser um catalisador", continuou ele.
Kurtz falou em entrevista ao NCR na quinta-feira, 12 de junho, ao final da assembleia plenária de primavera dos bispos, realizada em Nova Orleans. A assembleia iniciou na quarta-feira com os bispos abordando 17 questões em ritmo alucinante, antes de ouvir uma série de palestrantes na quinta-feira, e encerrando os trabalhos na sexta de manhã com um momento de oração.
Além de falar sobre o seu papel como presidente da Conferência dos Bispos dos EUA, Kurtz também abordou as mudanças que a Igreja tem visto desde a eleição do Papa Francisco no ano passado e as expectativas de um próximo encontro global de bispos no Vaticano, em outubro, conhecido como sínodo, e cujo tema é a questão da vida familiar.
Como presidente dos bispos dos EUA, Kurtz será um dos únicos prelados norte-americanos a participar do sínodo, que tem aumentado as expectativas de que Francisco poderá considerar alterações em algumas práticas da Igreja, especialmente em relação aos católicos divorciados e recasados.
Perguntado se ele estava preocupado com essas expectativas, Kurtz respondeu: "Eu não estou preocupado. Jesus disse: 'Não tenham medo'".
"Eu acho que as expectativas nos alertam para o interesse", disse Kurtz. "E essa parte eu acho que é muito boa".
"Eu acho que, teoricamente, poderá haver algumas desvantagens, pois as pessoas têm essas expectativas e depois elas podem se decepcionar", continuou ele. "Eu não sei".
O Papa Francisco, disse Kurtz, "realmente (...) mostra sua liderança por meio de gestos".
"Seus gestos são as coisas que a maioria das pessoas comentam", disse o arcebispo. "Ele também, eu acho, está adotando uma abordagem bem ponderada. Ele está dizendo: "Eu quero me aproximar das pessoas, aquecer seus corações e curar as feridas".
Eis a entrevista.
O que vem acontecendo nos últimos dias? Como você avalia o trabalho em que os bispos têm se empenhado?
Acima de tudo, o papel do presidente: eu vejo isso realmente como um ato de serviço. Um ato de serviço para continuar a unir nossos bispos, para prepará-los corporativamente a fim de ajudarem-se uns aos outros ao mesmo tempo em que eles servem em suas respectivas dioceses.
E eu acho que nesse nível eu vi muitas boas trocas de informações, um monte de coisas boas acontecendo. Estou ansioso para ver as avaliações [da assembleia de bispos], porque uma coisa é aquilo que eu acho que está bem, e outra coisa é ouvir os outros.
Eu acho que a interação que tivemos sobre o tema da pobreza e da evangelização, o tema do casamento e da economia - ambos eram temas que são uma parte muito importante das prioridades que foram definidas pela Conferência dos Bispos e, obviamente, as prioridades do Papa Francisco.
Essa foi a primeira coisa. Eu acho que, em segundo lugar, parte do nosso papel como conferência é ser capaz de ver como podemos resolver questões de ordem pública e as questões que estão fora do âmbito de uma diocese também.
Você viu as apresentações que tivemos com o Catholic Relief Services nas Filipinas. Espero que tenha sido instrutivo para os próprios bispos, para que eles tenham um pouco de orgulho saudável de que a Conferência Episcopal está procurando apoiar as pessoas que estão feridas e especialmente vulneráveis. É também uma forma de agradecer às pessoas que estão sendo especialmente generosas.
Você mencionou como as apresentações de quinta-feira abordaram temas que o Papa Francisco tem enfatizado, como casamento, pobreza, economia. Nós fizemos alguma cobertura nos últimos meses – sobre o cardeal Rodriguez, na Flórida, o arcebispo Tobin, na Pensilvânia - de como há um novo estilo de missão com Francisco e como alguns bispos não sabem como interpretá-lo. Como você vê isso?
Bem, você não acha que vamos aprender muito com a forma como as coisas vão se desenrolar com o sínodo? Porque uma das coisas que o nosso Santo Padre tem dito muito claramente - ele, na verdade, de certa forma, mostra liderança por meio de gestos, não é? Seus gestos são as coisas que a maioria das pessoas comentam. E eu vou ser honesto com você: os gestos são as coisas que vêm à minha mente quando penso sobre a liderança do Papa Francisco.
Ele também, eu acho, está adotando uma abordagem bem ponderada. Ele está dizendo: "Eu quero me aproximar das pessoas, aquecer seus corações e curar as feridas". Não foi no Rio que ele perguntou: 'Será que a Igreja perdeu sua capacidade de aquecer corações?'
Eu acho que, por meio dessa abordagem, ele está dizendo, 'Vamos fazer isso'. Mas ele também está dizendo: 'Eu quero aumentar a colegialidade, eu quero realmente ter a certeza de que estou ouvindo as vozes de todo o mundo.'
E assim, o breve resumo das respostas [ao questionário] que eu fui capaz de fornecer para o sínodo é algo que provavelmente vai chamar a atenção das pessoas em todo os Estados Unidos, mais do que qualquer outra preparação para um sínodo.
Eu suspeito que quando o Instrumentum laboris, o documento de trabalho, for emitido, haverá mais do que o número médio de pessoas interessadas em lê-lo.
Por ser um sínodo extraordinário, você será um dos únicos bispos dos EUA que poderá participar. Como você vê esse papel?
Eu acho que houve apenas um ou talvez dois outros sínodos extraordinários, e, geralmente, você volta no passado e diz: "Bem, deixe-me ver como aconteceu da última vez". Então nós não temos, em certo sentido, a mesma história - e eu suspeito que esse sínodo terá uma forte impressão digital do Papa Francisco.
Então, eu vou ter que ser um pouco flexível e aberto para a maneira pela qual o papa está dizendo que gostaria de mais diálogo, de muito mais oportunidades para ouvir.
Os sínodos anteriores – e eu fui somente a um - consistiram em intervenções dadas por cada bispo que era delegado. Agora, todo mundo acha que sua própria ideia é a mais interessante, mas não é que houvesse realmente muito diálogo. O Papa Bento XVI, há talvez quatro ou cinco anos, introduziu a ideia de que a cada noite do sínodo houvesse um momento livre e aberto. E isso foi novidade.
Eu estou supondo - e meu palpite é provavelmente tão bom quanto o seu - que provavelmente haverá algumas oportunidades para uma maior interação. A interação que nós tivemos e que eu gostei foi aquela feita em pequenos grupos. Porque os pequenos grupos estavam separados por idioma, e, talvez, havia 11 ou mais grupos, e dois ou três eram em inglês.
Eu, pessoalmente, descobri que esses grupos foram muito enriquecedores, porque você tinha pessoas, neste caso, que falavam inglês, todas, mas de praticamente todos os continentes, e aí você vê a riqueza do sínodo. Eu acho que foi muito importante, na medida do possível.
Eu vou levar muito a sério o Instrumentum Laboris e, obviamente, qualquer consulta que eu ainda venha a receber. Minha esperança é que em Louisville eu tenha algumas oportunidades para alguns grupos focais.
Fizemos isso há dois anos, em preparação para o Sínodo sobre a Nova Evangelização, e eu tinha cerca de quatro ou cinco tipos diferentes de grupos focais. Tivemos grupos focais novamente em preparação para a pesquisa em Louisville e tivemos uma quantidade similar, mas foi muito rápido, porque nós não tivemos muito tempo.
Na análise geral que você deu aos bispos sobre a consulta para o sínodo, você disse algo sobre como ele revelou a necessidade de olhar para a forma como os bispos explicam ou ensinam os ensinamentos da Igreja. Mas muitos bispos disseram que há quase uma expectativa de que algo vai mudar em outubro, que algo vai acontecer para além do exame, apenas, da forma de ensinar. Como você lida com isso? Você está preocupado com as expectativas?
Eu não estou preocupado. Jesus disse: "Não tenham medo".
Vivemos em uma cultura, especialmente nos Estados Unidos, de expectativas elevadas. Para cada área que olhamos, há todos os tipos de expectativas. Então, você está certo, nenhum sínodo é capaz de cumprir todas as expectativas que cada um tem. Eu entendo isso.
Mas eu acho que as expectativas nos alertam para o interesse. E essa parte eu acho que é muito boa. Eu acho que o que isso significa é que as pessoas vão se interessar. Não seria uma vergonha se você tivesse um documento do sínodo e ele ficasse parado em uma prateleira? Para mim, eu acho que essa preparação é boa.
Eu acho que, teoricamente, poderá haver algumas desvantagens, pois as pessoas têm essas expectativas e depois podem se decepcionar. Eu não sei.
Mas eu acho que, em geral, é muito mais para o lado positivo, de ver como nós vamos olhar para os desafios da família à luz da tradição do ensino da Igreja, como é que vamos olhar para os desafios contemporâneos como o Papa Francisco está se referindo.
Esta é a sua primeira reunião plenária. Qual é o seu estilo de liderança? Que características únicas você traz para a conferência nesse papel?
Bem, eu não sei. Acho que isso é algo que eu vou ter de ouvir [de outros bispos], os dons que eu trago. Espero que seja aquele em que há uma maior clareza na apresentação de quais são os problemas. Espero que haja uma escuta sempre presente. E também espero uma certa disciplina que nos permita nos mover ao longo de um caminho salutar. Eu acho que há uma necessidade de fazer as coisas andarem bem, mas de uma forma que não sufoque.
Muitos bispos disseram que acharam útil a homilia da missa da noite passada, e eu pensei que algumas das coisas que foram expressadas - que vieram a partir das leituras da Sagrada Escritura e da festa de São Barnabé - eram prioridades que eu espero que sejam efetuadas na minha própria vida.
Existem questões que você já enxerga que não obtiveram a devida atenção pela conferência, ou talvez tenham sido esquecidas, mas que você gostaria de priorizar?
Eu acho que tenho me concentrado tanto com o que está no horizonte, que essa é provavelmente uma pergunta que vou precisar ter um pouco mais de tempo para responder.
Eu tenho buscado responder, como disse na minha homilia na noite passada, o que significa para nós, bispos, sermos instrumentos de incentivo uns para os outros. Porque eu acho que a conferência não pretende tomar o lugar da liderança dos bispos, mas sim apoiar essa liderança.
A liderança de um bispo em uma diocese não pretende tomar o lugar da liderança dos fiéis batizados e dos sacerdotes que ali servem, mas está destinada a inspirar e a ser um catalisador.
Minha esperança é de que isso se realize na medida em que eu sou responsável pelos bispos. A outra parte à qual dedicamos algum tempo foi o aspecto da defesa e da política pública, e, por sua própria natureza, esse horizonte muda constantemente. Basta olhar como ele foi mudando dia após dia na questão da reforma da imigração, por exemplo.
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Arcebispo Kurtz fala sobre reunião dos bispos dos EUA, Papa Francisco e Sínodo da família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU