Por: Patricia Fachin | 09 Mai 2018
As 20 maiores cidades brasileiras que alcançaram melhor desempenho no Ranking do Saneamento 2018, feito pelo Instituto Trata Brasil e a GO Associados, foram as que fizeram maiores investimentos no setor. Segundo Pedro Scazufca, um dos responsáveis pelo estudo, “o investimento médio anual por habitante dos vinte melhores municípios está em R$ 85 e dos vinte piores está em R$ 29. Se aproximarmos os dados, veremos que o investimento foi três vezes maior nos vinte municípios com melhor desempenho”, informa à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.
Além disso, frisa, “esses são municípios que têm uma urbanização mais organizada, que possuem um nível de renda per capita acima da média nacional, como no interior de São Paulo e do Paraná. Então, são municípios que identificaram um problema no abastecimento e verificaram que uma forma de resolver isso seria fazer uma concessão para o setor privado, como foi o caso de Niterói, que tinha um indicador baixo anos atrás e perdas elevadas, e com a concessão melhorou os seus indicadores; ou são municípios que definiram uma operação com a concessionária estadual e conseguiram obter bons indicadores, como é o caso de Franca e Cascavel; ou casos de municípios que conseguiram dar conta dos seus problemas. Todos os municípios que tiveram um bom planejamento, uma boa regulação e operação, conseguiram universalizar os seus serviços”.
Na entrevista a seguir, Scazufca também explica que a discrepância entre o acesso universal ao abastecimento de água potável e a coleta e tratamento de esgoto está diretamente relacionada às políticas públicas e ao modo como a população reage diante desses serviços. “O abastecimento de água foi uma prioridade de política pública desde o final dos anos 1960, quando foi criado o Plano Nacional de Saneamento – Planasa.
A partir desse plano se criaram as grandes companhias estaduais de abastecimento de água, como a Sabesp em São Paulo, a Corsan no Rio Grande do Sul — cada estado tem a sua companhia estadual —, as quais tiveram recursos do governo federal para investimento maciço em água, ou seja, houve uma prioridade de política pública para o atendimento de água. (...) Em relação à questão do esgotamento sanitário (...) muitas vezes a própria população não se conecta àquela rede. Isso porque ao se conectar à rede de esgotamento sanitário, a conta vai aumentar”, relata. De acordo com Pedro Scazufca, metade dos brasileiros, cerca de 120 milhões de pessoas, ainda não tem acesso a tratamento de esgoto.
Pedro Scazufca | Foto: Go Associados
Pedro Scazufca é mestre em Economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo - USP e bacharel em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP. É um dos organizadores do livro A Economia do Saneamento no Brasil (Ed. Singular, 2009). Atualmente também atua como consultor do Instituto Trata Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Quais são as novidades do novo ranking do Saneamento Básico 2018 em relação ao ranking do ano passado, sobre a situação do saneamento nas 100 maiores cidades brasileiras? Pode nos dar um panorama sobre qual é a situação em relação ao percentual de água potável, de coleta e tratamento de esgoto no país?
Pedro Scazufca — A situação do saneamento no Brasil tem andado num ritmo muito lento. Apesar de registrarmos algum avanço, ele ainda está muito aquém da necessidade do país. Em números mais gerais, sabemos que no Brasil existe uma situação um pouco melhor em relação ao atendimento de água, que chega próximo a 90% nas regiões urbanas, mas na área de esgotamento sanitário o atendimento ainda é muito deficitário. Em termos de coleta de esgoto, aproximadamente metade da população — ou seja, cerca de 100 milhões de brasileiros — não tem acesso a esse serviço, e o tratamento de esgoto é ainda menor: 120 milhões de pessoas não têm acesso.
Ainda nessa visão geral, sabemos que houve um avanço: de todo esgoto gerado, somente 45% é tratado, mas em 2011 esse indicador era de 37,5%. Ou seja, entre 2011 e 2016 houve uma evolução de 37,5% para 45%. Porém, esse ainda é um ritmo lento de avanço, porque segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico, de 2013, a previsão é que se alcance a universalização dos serviços em 20 anos, isto é, em 2033. A nossa estimativa, considerando o ritmo com que o avanço tem se dado e o atual patamar de investimento em relação ao que seria necessário para alcançar a universalização, é de que ela irá atrasar mais 20 anos, ou seja, a universalização só chegará depois de 2050.
IHU On-Line — Segundo o ranking do saneamento, os índices de esgoto tratado variam de 0% a 20% em algumas cidades, mas chega a 80 e 100% em outras. Quais são as dificuldades dos municípios em relação à realização do tratamento de esgoto e por que a coleta e o tratamento são os problemas mais sensíveis no país quando se trata de saneamento, em relação ao tratamento da água, por exemplo?
Pedro Scazufca — O abastecimento de água foi uma prioridade de política pública desde o final dos anos 1960, quando foi criado o Plano Nacional de Saneamento – Planasa. A partir desse plano se criaram as grandes companhias estaduais de abastecimento de água, como a Sabesp em São Paulo, a Corsan no Rio Grande do Sul — cada estado tem a sua companhia estadual —, as quais tiveram recursos do governo federal para investimento maciço em água, ou seja, houve uma prioridade de política pública para o atendimento de água.
Além disso, há uma questão que não pode ser deixada de lado: o atendimento de água é uma demanda da população e quando se tem um problema de abastecimento, isso gera visibilidade e tem um clamor social muito grande. Um indicador do IBGE mostra que no Distrito Federal, por exemplo, num lugar em que não havia problemas de falta de água, nos últimos anos, com a crise hídrica, cerca de metade da população diz não ter água todos os dias. Quando esse tipo de problema acontece, a sociedade se mobiliza porque ela sente no seu dia a dia as dificuldades de não ter acesso à água todo tempo. Mesmo em São Paulo, em 2014 e 2015, também com a crise hídrica, houve um movimento das famílias de reduzir seu consumo de água e uma mobilização social para que esse problema fosse minimizado. Então, o abastecimento de água avançou mais porque tem sido uma prioridade de política pública e tem um apelo social.
Em relação à questão do esgotamento sanitário, embora seja verdade que quando são publicados os indicadores sobre a situação, a mídia dá bastante atenção e a sociedade, de modo geral, reclama, também é verdade que quando se constrói uma rede de esgotamento sanitário, muitas vezes a própria população não se conecta àquela rede. Isso porque ao se conectar à rede de esgotamento sanitário, a conta vai aumentar. Então, ainda falta uma consciência de todos de que tanto o acesso à água quanto ao tratamento de esgoto faz parte de um ciclo.
O avanço do saneamento depende de três dimensões: planejamento, ou seja, ter um plano municipal adequado — e em muitos municípios esse plano não existe; uma regulação eficiente, isto é, uma agência reguladora independente para regular a prestação de serviços de água e esgoto, que seja capaz de definir uma tarifa que remunere os investimentos feitos pela concessionária e também possa ser suficiente para cobrir todos os custos operacionais; e, além disso, a operação dos serviços em si tem que ter mais eficiência. Hoje no país a operação tem perdas na média de 38%, ou seja, de cada 100 litros de água que as concessionárias do país produzem, em média 38 litros não são cobrados, seja porque houve perda em razão de vazamentos, seja porque teve perdas comerciais. Então, é preciso melhorar nessas três dimensões.
IHU On-Line — Quando você menciona a necessidade de planejamento, o que deve ser considerado? Por que os municípios têm dificuldade nessa área? Problemas financeiros dificultam que os municípios tenham um planejamento adequado ou as dificuldades são de outra ordem?
Pedro Scazufca — Existe uma ferramenta de planejamento chamada Plano Municipal de Saneamento, que deve ser feita a cada quatro anos pelo município. Então, o município deveria estabelecer as metas que tem para universalizar os serviços. O Plano Nacional de Saneamento diz que a universalização deve ser alcançada em 2033, então os municípios deveriam aderir a essa meta. Essa ferramenta de planejamento é importante, por exemplo, quando o município quer fazer uma concessão de serviços ou obter financiamentos, ou seja, toda a estruturação e expansão dos serviços passa por esse planejamento. O que acontece é que muitos municípios não têm condições técnicas e financeiras para fazer esse tipo de planejamento. Por conta disso, alguns estados têm feito convênios com os municípios e o próprio estado desenvolve os planos de saneamento. No estado de São Paulo foi isso que aconteceu, por exemplo. Então, não necessariamente o problema é de ordem financeira. É justamente o planejamento e o diagnóstico de cada município que vão identificar quais são os problemas.
O que sabemos é que, muitas vezes, após fazer o plano de saneamento, vários municípios avaliaram que a melhor alternativa para resolver os seus problemas e expandir os serviços foi por meio de concessão ao setor privado, seja uma concessão integral dos serviços de água e esgoto, seja uma concessão só dos serviços de esgoto, pois às vezes se tem um serviço de água bastante avançado, mas uma demanda do serviço de esgoto que ainda não foi feita.
IHU On-Line — Por que os melhores índices de saneamento se concentram na região Sudeste? O que os diversos relatórios mostram acerca do modo como essa região lida com a questão do saneamento, diferentemente de outros estados? Você diria que o sucesso do estado de São Paulo e de outros estados do Sudeste se explicam porque houve parcerias entre estados e municípios, parcerias entre o poder público e o privado, ou outros fatores têm contribuído?
Pedro Scazufca — Quando se olha a situação dos municípios dessa região, se percebe que existem tanto municípios operados por concessionárias estaduais, que é o caso do primeiro colocado, Franca, em São Paulo, que é operado pela Fabesp, como municípios que têm operações privadas, como é o caso de Limeira, em São Paulo, que é operado pela BRK Ambiental. Também há municípios que são operados por concessionárias ou autarquias municipais, como é o caso de Uberaba, em Minas Gerais.
Além disso, não podemos desconsiderar que em geral esses são municípios que têm uma urbanização mais organizada, que possuem um nível de renda per capita acima da média nacional, como no interior de São Paulo e do Paraná. Então, são municípios que identificaram um problema no abastecimento e verificaram que uma forma de resolver isso seria fazer uma concessão para o setor privado, como foi o caso de Niterói, que tinha um indicador baixo anos atrás e perdas elevadas, e com a concessão melhorou os seus indicadores; ou são municípios que definiram uma operação com a concessionária estadual e conseguiram obter bons indicadores, como é o caso de Franca e Cascavel; ou casos de municípios que conseguiram dar conta dos seus problemas. Todos os municípios que tiveram um bom planejamento, uma boa regulação e operação, conseguiram universalizar os seus serviços. É um desafio possível. O que diferencia esses municípios de outros é que eles já encararam o desafio de ter uma boa prestação de serviços, de ter um bom planejamento e uma boa regulação.
IHU On-Line — O ranking também avaliou a média dos investimentos feitos em tratamento de água e esgotos comparativamente aos valores arrecadados nos últimos cinco anos. Quais são as conclusões sobre o quanto foi investido e arrecadado nesse período?
Pedro Scazufca — Um dado que nos chamou atenção em relação aos investimentos foi o investimento por habitante quando comparamos os vinte melhores e os vinte piores municípios no ranking. O investimento médio anual por habitante dos vinte melhores está em R$ 85 e dos vinte piores está em R$ 29. Se aproximarmos os dados, veremos que o investimento foi três vezes maior nos vinte municípios com melhor desempenho e, além disso, eles já têm os serviços universalizados. Então o natural seria acontecer o contrário: quem tem maior déficit deveria estar investindo mais para alcançar os indicadores dos vinte melhores.
A tendência, ao olhar esses números, é de que haja um distanciamento cada vez maior, porque os municípios que já estão bem, estão investindo muito mais do que aqueles que estão numa situação pior. Isso gera uma preocupação grande, porque, de um lado, se tem um conjunto de municípios que está evoluindo e demonstra uma organização e ações para evoluir ainda mais e, de outro lado, um conjunto de municípios que está numa inércia e não está melhorando.
IHU On-Line — Outro ponto do ranking do saneamento informa que o desperdício de água também aumentou. Na última entrevista que nos concedeu, em 2015, o senhor disse que o Brasil poderia demorar 65 anos para resolver os problemas relativos ao desperdício de água. Esse diagnóstico mudou com a atualização dos dados?
Pedro Scazufca — Estamos atualizando o estudo de perdas que foi feito no ano retrasado e depois teremos um diagnóstico mais apurado sobre isso. O que temos visto é que esse indicador tem oscilado, mas dificilmente cai abaixo do patamar de 38%. O que temos são casos isolados de melhoria, mas o indicador, olhado em perspectiva, está em estagnação: tem ano que melhora um pouco e tem ano que volta a piorar. Se não for feito um trabalho intenso, a tendência é essa mesmo, porque as perdas físicas dependem também da idade da rede de abastecimento de água e da manutenção que é feita. Se a manutenção não for adequada, a tendência é que aumente o número de vazamentos. A mesma coisa em relação às perdas comerciais: se os hidrômetros não são trocados com a frequência adequada, é possível que essa perda aumente.
O que temos visto nos últimos anos é uma tendência de estagnação: melhora em algumas cidades, piora em outras, mas não existe uma mudança mais estrutural. Por isso não conseguimos ter uma perspectiva de que efetivamente teremos uma melhora nesse indicador, pois se olharmos agora, com base no último ano, a tendência é até de piorar.
IHU On-Line — Um dos debates que existe hoje no país é em relação à capacidade do Estado diante do investimento público e sobre a privatização de alguns setores importantes. Em relação ao saneamento, considerando os indicadores dos municípios, é possível apontar se seria melhor os municípios optarem pelo investimento público, pelo privado ou por parcerias público-privadas?
Pedro Scazufca — O saneamento sempre será uma concessão de serviço público. O município é o titular dos serviços e é ele quem irá decidir qual é o perfil de operadora que deseja ter. O que temos observado nos últimos anos é que algumas companhias públicas estaduais têm feito um investimento significativo. Eu destacaria pelo menos três companhias: Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp, Companhia de Saneamento do Paraná - Sanepar e Companhia de Saneamento de Minas Gerais – Copasa. Mas, de outro lado, um grupo grande de companhias tem feito investimentos muito baixos e não tem tido capacidade de alavancar seus investimentos. Além disso, alguns municípios também têm tido dificuldades para investir.
O capital privado é bem-vindo. Hoje, se considerarmos uma média do que temos em água e esgoto, o capital privado representa cerca de 10% dos participantes do mercado. Mais de 70% do serviço é feito pelas companhias estaduais e 20% por companhias municipais. Não teremos 100% das concessões com o capital privado, mas há uma tendência para aumentar essa participação, tanto porque já temos bons resultados observados, quanto pela dificuldade de alguns estados e municípios de realizar os investimentos necessários.
O que visualizamos é que se continue com essa pluralidade de agentes — agentes privados e agentes que são companhias estaduais e autarquias municipais.
IHU On-Line — Tem se discutido no Congresso a possibilidade de mudar as regras da Lei 11.445/2007, conhecida como Lei Nacional do Saneamento Básico. Em que consiste essa proposta de mudança?
Pedro Scazufca — Não sabemos qual é o último texto desta Medida Provisória - MP. O fortalecimento da regulação é um tema relevante e é o tema mais consensual e que tem uma chance de avançar. Além disso, a lei de saneamento já tem 11 anos e não seria substituída, mas sim algumas emendas seriam alteradas. Se fosse para destacar um ponto, destacaria o aspecto do fortalecimento da regulação, porque é algo que é bom para todos os prestadores.
IHU On-Line - Nos próximos meses teremos eleições presidenciais no país. Que questões fundamentais precisariam estar presentes em relação ao saneamento? O que é mais urgente de se discutir em relação ao saneamento básico no Brasil?
Pedro Scazufca – Há essa MP em discussão sobre o saneamento. O fortalecimento da regulação é um tema estratégico, e há uma discussão sobre um eventual fortalecimento da agência federal em ter uma participação maior para apoiar agências estaduais e municipais — esse é um tema importante. Há, também, um tema importante para estimular o investimento no saneamento: havia um projeto de lei que previa isenção ou redução da base de PIS e Cofins para as empresas que aumentassem os investimentos em saneamento. De forma geral, é importante que se coloque na pauta o objetivo de ter metas realistas para ampliar o atendimento em esgotamento sanitário. Sabemos que isso não é algo para quatro ou oito anos, que são os períodos de governo, mas é fundamental que se consiga, no período inicialmente planejado até 2033, ter a universalização dos serviços e que se retome essa meta para que se tenha, em um período razoável, um esgotamento sanitário para toda a população.
Esse é um serviço que traz diversos benefícios, não só em termos de melhoria do meio ambiente, mas também em termos de saúde para a população. É um investimento que compensa; compensa investir em esgotamento sanitário porque se tem o retorno em outras áreas.
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Saneamento básico. Planejamento, regulação e operação: os critérios para a sua universalização. Entrevista especial com Pedro Scazufca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU