07 Março 2016
"O que causa apreensão é que não se trata de um problema circunscrito a pequenas cidades, mas está instalado em grandes centros urbanos, que continuam despontando com coberturas irrisórias principalmente no Norte e Nordeste do país", escreve Sucena Shkrada Resk, jornalista e autora do Blog Cidadãos do Mundo, em artigo publicado por EcoDebate, 04-03-2016.
Eis o artigo.
Bactérias, vírus e parasitas, coliformes fecais, produtos químicos, metais pesados… Sinto muito dizer, mas 42% da população convivem com este contexto de saneamento, porque não têm acesso a um direito mínimo, que é a coleta de rede de esgoto. O endereço dessa realidade, em pleno século XXI, é o nosso país – Brasil.
Essa situação, de certa forma, foi institucionalizada com o passar das décadas. Quando o Governo Federal divulga, por meio Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento, do Ministério das Cidades, que ainda nos encontramos nestas condições na área urbana, é preciso parar e repensar quais são as premissas de um desenvolvimento sustentável e como a gestão pública desde a esfera municipal à federal coloca este tema na prioridade de ações, ou melhor, não coloca. Em ano de eleições municipais, nada mais salutar do que cobrar posicionamentos concretos de infraestrutura aos candidatos, para que o saneamento não fique mais uma vez colocado metaforicamente na porta dos fundos.
Ao analisar regionalmente o mapa do país, o resultado chega a ser mais estarrecedor pela discrepância de percentuais, que se repete ano a ano. Vivemos ainda literalmente em diferentes brasis. No Sudeste, há a cobertura de 83,3%, enquanto no Norte, somente 9,9%. Em alguns municípios é como se tivessem parado no século XIX. O que adianta o acesso à água potável e ao saneamento básico ser um direito humano essencial (aprovado pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 2010), se na prática, isso acaba ficando esquecido.
Já pensaram onde todo este esgoto vai parar e como isto está relacionado à qualidade de nossas águas e da saúde? O quanto isso acarreta nas contas do Sistema Único de Saúde e nos casos mais extremos, em internações ou mortes por doenças de fundo hídrico? Todos os tipos, por sinal, estão relacionados à falta de coleta e tratamento de esgoto: Chlamydia trachomatis, cólera, hepatite A, piolhos ou escabiose, ascaridíase e outras verminoses.
Ainda há pessoas, principalmente crianças menores de cinco anos, que chegam a morrer em decorrência da diarreia. Sim, esse é um dos resultados mais perversos dessa negligência sanitária, que é responsável por mais de 80% desses casos. Só para se ter uma ideia, segundo o Estudo “Impactos na Saúde e no Sistema Único de Saúde Decorrentes de Agravos Relacionados ao Esgotamento Sanitário Inadequado dos 100 Maiores Municípios no Período 2008-2011”, do Instituto Trata Brasil, a cada R$ 1 investido em saneamento haveria a economia de cerca de R$ 40 nos custos de internação por esta doença.
O retrato sanitário do Brasil na atualidade exige mais compromisso de nossos governantes. O diagnóstico sobre o Esgoto, do Ministério das Cidades, foi feito com dados de 2014, em 4.030 municípios (72,4%), com população urbana de 158,5 milhões de habitantes (92,5%). Neste universo, são atendidos 96,8 milhões de habitantes, o que corresponde a 3,5 milhões a mais que 2013 (3,7%) e o restante pode-se dizer que é invisibilizado pela máquina administrativa, que se pauta mais em números, do que em gente. Se a coleta ainda está neste caos, imagine quando o assunto é o tratamento deste esgoto, aí a questão fica mais complexa. De acordo com o levantamento, o volume de esgotos tratados passou de 3,624 bilhões de m3 em 2013 para 3,764 bilhões de m3 em 2014 (3,9%). Para se chegar a este patamar pífio, segundo o Ministério das Cidades, foram investidos 46% de uma verba de R$ 99,7 bilhões.
Apesar de parecer redundante, talvez seja necessário repetidamente lembrar que saneamento é investimento e não, gasto. A relação de custo-benefício é incalculável. A palavra desenvolvimento só ganha sentido, quando esses princípios básicos têm cobertura em uma nação. A questão é: qual é a capacidade orçamentária, gestão operacional, manutenção e lisura na aplicação das verbas, além da capacidade técnica?
Segundo a Associação de Engenharia Ambiental (ABES), no relatório “Entraves ao Investimentos em Saneamento”, em 2013, uma das explicações para o baixo nível dos investimentos é o fato de que dentre 26 companhias estaduais, a maioria não possui condições adequadas para acessar financiamentos de longo prazo.
Entre as principais medidas, a entidade recomenda que haja um desenvolvimento macrossetorial coordenado pelo Governo Federal e a isenção de tributos sobre investimentos em saneamento. Como também, investimentos públicos e privados e um sistema tarifário justo e equilibrado, além da intensificação das parcerias público-privadas e público-público, atraindo capital e tecnologia para o setor, exigindo mecanismos de transparência. Será este o caminho viável? É uma questão que ainda gera muito debate.
O que causa apreensão é que não se trata de um problema circunscrito a pequenas cidades, mas está instalado em grandes centros urbanos, que continuam despontando com coberturas irrisórias principalmente no Norte e Nordeste do país. No “Ranking do Saneamento Básico (base SNIS 2013)”, publicado pelo Instituto Trata Brasil (ITB) em parceria com a GO Associados, em 2015, os 100 maiores municípios brasileiros foram avaliados e os resultados revelam essas discrepâncias. A realidade mais caótica de saneamento é apresentada nos seguintes municípios: Ananindeua e Santarém (PA), Porto Velho (RO), Macapá (AP), Jaboatão dos Guararapes (PE), Belém (PA), Manaus (AM), Várzea Grande (MT), Teresina (PI) e Joinvile (SC).
A meta estipulada pelo Plano Nacional de Saneamento Básico é atender 93% de toda população brasileira até 2033, como também em relação à coleta e destinação adequada de resíduos sólidos. É factível chegar a esses resultados, neste horizonte de 17 anos, tendo este avanço tão lento ao longo dos anos? Um banho de água fria já foi dado pelo secretário nacional de Saneamento Ambiental, Paulo Ferreira, que afirmou à imprensa que é difícil atingir este resultado, na atual conjuntura.
Então, o que fazer para sair desse ciclo vicioso? Talvez, uma das oportunidades esteja na pressão nas urnas, exigir uma postura dos candidatos em cartas de compromissos com o saneamento, exercer uma fiscalização contínua no cumprimento do papel da gestão pública quanto aos Planos Municipais de Saneamento. Isso engloba desde o legislativo ao executivo. Ficar de olho e acompanhar o orçamento governamental, se for necessário exigir a intervenção do Ministério Público, se houver improbidade administrativa. Não é possível considerar normal que o esgotamento sanitário seja menosprezado na agenda pública. E não é por acaso que a Campanha da Fraternidade deste ano tem como foco central Saneamento Básico.
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Esgotamento sanitário mais uma vez relegado a segundo plano no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU