02 Abril 2013
“Talvez mais em 2014 do que em 2013, o país terá um crescimento econômico no patamar que o governo persegue, muito influenciado pelo calendário eleitoral, não tanto porque haverá um planejamento de médio prazo para conduzir a economia nessa direção”, afirma o economista.
Confira a entrevista.
Embora a inflação não seja um aspecto preocupante na economia brasileira, sua recuperação tem sido menos intensa do que o esperado “porque os investimentos necessários para fazer a economia crescer de forma mais sustentável estão parados”, pondera Guilherme Delgado à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone. Na avaliação do economista, a dificuldade em manter o PIB na meta perseguida de 4 a 5% se deve ao fato de que a indústria “não consegue se desenvolver porque o padrão de inserção brasileira no comércio internacional ocorre basicamente através das commodities”. Enquanto o cenário de incertezas nos investimentos públicos e privados se mantiver, o crescimento “será medíocre, nessa faixa de 1% a 2% ao ano”, lamenta.
Para ele, está correta a política do Banco Central de “baixar os juros e não cair na cantilena do canto fácil de voltar àquela tese de ‘vamos elevar os juros para combater a inflação”. Entretanto, aponta, “os outros elementos fundamentais da competição externa e do quadro de incentivos e do quadro de articulação para remontar o sistema produtivo, industrial, manufatureiro etc., ainda estão muito verdes, não desfrutaram”.
Guilherme Delgado (foto abaixo) é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Trabalhou durante 31 anos no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que avaliação o senhor faz da política econômica do governo Dilma, especialmente diante de um cenário de inflação e baixo crescimento? Concorda que há um conflito entre a estabilidade no curto prazo e o potencial de crescimento no longo prazo?
Guilherme Delgado – No que se refere à inflação, há um debate conjuntural conduzido pelos cadernos econômicos da mídia sobre as pressões inflacionárias, que supostamente estariam forçando ou induzindo uma mudança na taxa de juros. Trata-se de meias-verdades e manipulações de interesses. Primeiro, há alguma pressão inflacionária na conjuntura, mas não é uma pressão inflacionária que se resolva com política de elevação de juros. É basicamente uma pressão que não irá se manter, porque tem a ver com a pressão das commodities, ou seja, o preço de meia dúzia de artigos que são importantes na cesta básica, as carnes, o trigo, o açúcar.
No período de 2013, houve certa pressão que elevou um pouco o patamar da inflação para a faixa dos 6 e 6,2% ao ano. E esse tem sido, digamos, um cavalo de batalha da mídia para tentar forçar uma elevação de juros. O governo está tentando reaver uma política de estoques, ao mesmo tempo em que desonera a cesta básica, que é uma medida de caráter estrutural e que tem efeitos na conjuntura. O que não pode é voltar àquele patamar de ter a taxa de juros mais alta do mundo, sob o pressuposto de que nós temos de combater a inflação. Essa é uma falsa questão.
Em relação ao conflito entre instabilidade e crescimento, tendo pressões inflacionárias no campo das commodities e um processo de valorização externa nos preços delas, o processo de crescimento mais rápido tem algum impacto sobre a inflação, mas não é um impacto que seja impeditivo de dar certo balanceamento entre os dois objetivos. Não tem como fugir desse balanceamento entre o crescimento perseguido pelo governo, mas não alcançado, de 4 a 5%, e a inflação de no mínimo 6%. Isso é normal. A inflação ainda é baixa para os padrões brasileiros.
Não creio que um crescimento mais elevado seja viável sem uma inflação também mais elevada. Não é por problemas de escassez interna; o fato é que o padrão brasileiro de inserção mundial está fortemente atrelado a uma provisão internacional de commodities.
IHU On-Line – Por que a inflação apresentou piora no curto prazo e a recuperação tem sido menos intensa do que o esperado?
Guilherme Delgado – A recuperação tem sido menos intensa não por causa da pressão inflacionária, mas porque os investimentos, necessários para fazer a economia crescer de forma mais sustentável, estão parados. A economia cresce hoje basicamente por conta de exportações e despesas internas de consumo. O investimento, que dá a maior dinâmica ao processo e permite ampliar a capacidade, está precário. Enquanto se dá essa incerteza de projetos públicos e privados nas áreas de estratégia, no sentido de antecipar o futuro, o crescimento vai ser medíocre, na faixa de 1% a 2% ao ano. O crescimento é basicamente sustentado pelo consumo das famílias e pelas exportações de commodities: são duas variáveis de demanda efetiva que não têm potencial de transformar o sistema em algo mais sustentável, mais dinâmico para crescer.
IHU On-Line – Entre as políticas econômicas do governo Dilma, destaca-se a queda dos juros em 7,25%. Apesar disso, não há sinais de crescimento da indústria brasileira. Quais são os problemas? A queda dos juros não foi suficiente para alavancar o crescimento?
Guilherme Delgado – A indústria não consegue se desenvolver porque o padrão brasileiro de inserção no comércio internacional ocorre basicamente através das commodities. Numa tendência mais estrutural, elas se tornaram relativamente mais atrativas no comércio internacional, enquanto os preços dos manufaturados se tornaram mais baixos pela concorrência chinesa. Então, com o preço das commodities elevado e o preço dos manufaturados rebaixados, tira-se a competitividade externa da indústria brasileira e aumenta-se a competitividade externa das commodities. Trata-se de uma armação de inserção internacional ruim do ponto de vista de longo prazo. Ela resolve os problemas imediatos, mas não relança a capacidade manufatureira de competir externamente e nem se protege da concorrência predatória, não só dos produtos chineses como também de um conjunto de facilidades da inserção interna que torna os produtos brasileiros de exportação muito caros para competir lá fora, e os produtos de importação manufatureiros muito baratos para entrar aqui dentro.
Aí entram a política cambial, a política industrial, a concorrência desigual que a economia chinesa faz no mercado interno. Esses são elementos que estão nesse jogo de “para onde vai o crescimento”. Não pode haver um crescimento só no setor primário ou só na agricultura, na mineração e tudo que depende de recursos naturais; precisa haver, isto sim, um crescimento que permita inovações e reestruturação dos vários ramos manufatureiros, abrindo para uma melhoria tecnoprodutiva do setor de serviço etc. Nesse balanceamento o país ainda está perdendo. Está perdendo também na conjuntura com certa perda de qualidade nas próprias exportações de commodities. Do ano passado para cá, passou a nascer um grande exportador de milho. Ora, milho é um dos produtos mais baratos que tem no mercado mundial e, em geral, é exportado na forma de carnes. Exportar diretamente milho, soja, produtos primários sem praticamente nenhuma transformação reduz ainda mais a nossa competitividade no longo prazo.
IHU On-Line – A queda dos juros por si não pode pôr o Brasil num patamar de crescimento e competitividade internacional no médio e longo prazo? Que medidas econômicas podem colocar o Brasil nesse patamar?
Guilherme Delgado – A queda dos juros é um componente importante para desarmar esse jogo de desigualdade na competição externa, ou seja, quando se tem o juro mais alto do mundo, passa-se a ser um paraíso para a circulação financeira de caráter puramente especulativo, porque este juro gera um movimento de capitais para obter vantagens. Portanto, ele produz muito fluxo de capital externo, e, ao mesmo tempo, uma inibição para que se cresça, para que se venha a competir no mercado mundial e para que o câmbio seja supervalorizado.
Se a moeda nacional fica artificialmente supervalorizada, isso tira a competitividade externa. Assim, reduzir os juros é uma peça importante na desmontagem desse aparato de dependência, de perda de uma competição externa mais ligada a setores da inovação. Isso não é uma coisa mecânica, porque a competitividade é um conjunto de atributos do sistema produtivo, comercial etc., que não depende apenas de política monetária como também da política tecnológica, industrial, comercial etc. Esse arranjo requer juros moderados e baixos. Está certa a política do Banco Central de baixar os juros e não cair na cantilena do canto fácil de voltar àquela tese de “vamos elevar os juros para combater a inflação”. Isso não tem sentido. Mas os outros elementos fundamentais da competição externa e do quadro de incentivos e do quadro de articulação para remontar o sistema produtivo, industrial, manufatureiro etc., ainda estão muito verdes, não desfrutam. Todo mundo fica olhando qual é a próxima desoneração que o governo vai dar, qual é o próximo pacote de incentivos, qual é a próxima mudança de regulação etc., qual é o cenário externo que vai ocorrer que, de certa forma, viabilize um crescimento mais elevado. Até que se resolvam essas dúvidas e incertezas, o patamar de crescimento não vai ser muito diferente. Não vamos esperar o crescimento padrão chinês: o Brasil será sempre o último em termos de patamar de crescimento por conta de todos esses problemas que coloquei.
IHU On-Line – A antecipação da campanha eleitoral pode influenciar na condução da política econômica no sentido de adiar medidas que seriam necessárias?
Guilherme Delgado – Pode e nesse sentido já está tendo a antecipação da campanha eleitoral, tanto do governo federal quanto dos governos estaduais e municipais. Eles até criam uma atmosfera para o crescimento imediato. Talvez mais em 2014 do que em 2013, o país terá um crescimento econômico no patamar que o governo persegue, muito influenciado pelo calendário eleitoral, não tanto porque haverá um planejamento de médio prazo para conduzir a economia nessa direção.
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"Crescimento mais elevado não é viável sem uma inflação mais alta". Entrevista especial com Guilherme Delgado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU