10 Março 2012
Para Euli Marlene Necca Steffen, as políticas de gênero devem ser transversais a todas as áreas e níveis de governo.
Confira a entrevista.
“As necessidades das mulheres devem ser atendidas na sua integralidade para que a igualdade aconteça”, afirma a Secretária de Políticas Públicas para as Mulheres da prefeitura municipal de São Leopoldo, Euli Marlene Necca Steffen, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ela, não basta, por exemplo, cuidar bem da mulher no período da gestação e no parto. “É preciso garantir creche para seu filho ou filha, para que ela possa ir para o trabalho sem a culpa e preocupação que muitas delas carregam nessa situação”. E continua: “a nossa forma de intervenção estatal deve promover a autonomia e a cidadania ativa das mulheres; deve contribuir para a mudança dos papéis e estereótipos tradicionais de gênero, além de tornar visível e enfrentar a discriminação e as violências que as mulheres sofrem na sociedade de modo geral”.
De acordo com a secretária, as mulheres, em sua maioria, não conhecem os seus direitos. “Penso que, talvez, a lei mais conhecida hoje seja a Lei Maria da Penha. As pesquisas indicam que mais de 90% dos brasileiros conhecem-na. E isso acontece não só porque ela é recente, ou seja, de 2006, mas porque os governos municipais, estaduais e federal, junto dos movimentos de mulheres, realizaram inúmeras campanhas de divulgação e desenvolveram lutas pela sua aplicação. Em São Leopoldo-RS, já realizamos centenas de encontros, oficinas, seminários e distribuição da lei nesses últimos 6 anos”.
Essas ideias, bem como O panorama atual dos casos de violência contra a mulher no município de São Leopoldo: desafios e perspectivas para a gestão de políticas públicas, foram assuntos debatidos por Euli no último dia 8 de março, comemorado o Dia Internacional da Mulher, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Euli Marlene Necca Steffen é bacharel e licenciada em Ciências Sociais, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Possui mestrado em Sociologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutorado em Educação, pela Unisinos. Atualmente é Secretária de Políticas Públicas para as Mulheres da prefeitura municipal de São Leopoldo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia o panorama atual dos casos de violência contra a mulher no município de São Leopoldo?
Euli Marlene Necca Steffen – No decorrer do tempo percebe-se que a Lei Maria da Penha, o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência e a Política Nacional de Enfrentamento à Violência conspiraram para a criação de uma rede consolidada no atendimento à mulher (Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres; Centro de Referência; Primeiro Acolhimento nas DPs; parceria interinstitucional com o Prasjur para o ajuizamento dos processos; a Rede de Enfrentamento à Violência e a Câmara Técnica Municipal, Atendimento ao Agressor, entre outras).
Uma estratégia de enfrentamento aos casos de violência contra a mulher no município são as campanhas de prevenção na qual todos os anos são realizadas oficinas itinerantes/comunitárias para apresentar e esclarecer dúvidas sobre a Lei Maria da Penha e o fluxo de atendimento à mulher. Tudo viabilizado pela captação de recursos oriundos do âmbito federal por meio de projetos sociais. As mulheres, a partir dessas alternativas e avanços, contam com uma política de gênero que integra programas e projetos através da transversalidade com as demais secretarias municipais. Temos como exemplo a demanda por moradia digna, que envolve parceria com a Secretaria Municipal de Habitação; a busca de pertences em segurança à soma de esforços com a Secretaria de Segurança Pública, entre tantas outras.
Já avançamos significativamente e ainda pretendemos qualificar o acolhimento à Mulher no Posto Médico Legal por ocasião do exame de lesão corporal; temos uma delegacia especializada no atendimento à mulher e contamos com uma Casa Abrigo, para quando for extremamente necessário o afastamento da mulher por medida de segurança. Essas ações são acompanhadas e apoiadas pela gestão.
IHU On-Line – Quais são as políticas públicas existentes hoje no município de São Leopoldo em prol das mulheres?
Euli Marlene Necca Steffen – Desenvolvemos no município políticas relacionadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres com ações de prevenção, atendimento e combate à violência; promoção à cidadania e protagonismo das mulheres, através da capacitação para os espaços de poder, da divulgação dos direitos das mulheres, dos processos participativos e de controle social como as conferências e conselhos municipais. Também trabalhamos na construção da autonomia social e econômica das mulheres, como a ampliação das escolas de educação infantil, políticas de inclusão social através dos programas Bolsa Família, Auxilio Solidário e através de cursos de qualificação profissional e apoio às iniciativas de economia popular e solidária.
IHU On-Line – Quais os desafios e perspectivas existentes atualmente para a gestão de políticas públicas para as mulheres?
Euli Marlene Necca Steffen – Acho que o principal desafio é transformar essas ações e programas, no âmbito federal, em políticas de Estado, ou seja, criar um sistema público permanente de financiamento de programas e ações nessa área. Defendi essa proposta na III Conferência Nacional de Mulheres no ano passado. E o desafio geral é transformar essa política de gênero em uma política transversal em todas as áreas e esferas de governo. Nós precisamos que o conjunto das ações de governo construam os recortes de gênero, raça/etnia, geracional e das pessoas com deficiência, para que se tornem mais efetivas e incluam todos e todas numa perspectiva de construção da igualdade e da justiça social.
IHU On-Line – Quais são as principais reivindicações das mulheres no que compete à saúde pública?
Euli Marlene Necca Steffen – A III Conferência Municipal da Mulher em 2011 aprovou as seguintes demandas para a saúde da mulher:
1. Implantar uma unidade de saúde de referência em saúde da mulher, com a oferta de serviços de pré-natal de alto risco, atenção, diagnóstico e reabilitação para o câncer de mama e colo de útero, entre outros.
2. Garantir atendimento humanizado no pré-natal, parto e pós-parto de forma integrada entre as unidades de saúde e hospital, atendendo aos parâmetros do Programa de Humanização de Pré- Natal.
3. Ampliar e garantir as Estratégias de Saúde da Família.
4. Criar os Núcleos de Apoio e Assessoramento Multidisciplinar para as equipes de saúde nos três níveis de atenção, bem como fortalecer e regulamentar os Centros de Atendimento Psicossocial.
5. Fortalecer e ampliar o Planejamento Familiar descentralizado de forma que haja uma divulgação e vinculação com as populações locais, para que aconteça um efetivo acesso e acompanhamento das famílias.
6. Garantir informações à população feminina em relação a seus direitos sexuais e reprodutivos, fortalecendo o acesso a métodos contraceptivos, procedimentos de vasectomia e laqueaduras tubárias, considerando as especificidades de faixa etária e mulheres com deficiência, em especial a deficiência intelectual.
7. Capacitar e instrumentalizar o servidor público da saúde na perspectiva dos direitos humanos das mulheres, para atendimento não discriminatório em relação a gênero, classe e raça/etnia em horário de trabalho, numa proposta de educação permanente.
8. Garantir atenção a gestantes adolescentes através da formação de grupos e acompanhamento especializado.
9. Qualificar e humanizar a atenção à mulher em situação de abortamento e garantir a aplicação da legislação nos casos de gravidez resultante de estupro.
10. Garantir a criação de uma coordenação específica para a política de saúde da mulher no município.
11. Garantir o cumprimento da lei federal que prevê a cirurgia de reconstrução mamária nas mulheres que realizaram mastectomia.
IHU On-Line – De que maneira as políticas públicas podem contribuir satisfatoriamente para a construção da igualdade de gênero?
Euli Marlene Necca Steffen – Como já disse anteriormente, as políticas de gênero devem ser transversais a todas as áreas e níveis de governo, pois as necessidades das mulheres devem ser atendidas na sua integralidade para que a igualdade aconteça. Não basta, por exemplo, cuidar bem da mulher no período da gestação e no parto. É preciso garantir creche para seu filho ou filha, para que ela possa ir para o trabalho sem a culpa e preocupação que muitas delas carregam nessa situação. A nossa forma de intervenção estatal deve promover a autonomia e a cidadania ativa das mulheres; deve contribuir para a mudança dos papéis e estereótipos tradicionais de gênero, além de tornar visível e enfrentar a discriminação e as violências que as mulheres sofrem na sociedade de modo geral.
Contribui, nesse sentido, uma dimensão pedagógica, por meio da constituição de uma rede de serviços sensibilizada e capacitada para o atendimento à mulher, ao reforçar que ela é detentora de direitos; ao atuar no empoderamento das mulheres por meio da geração de trabalho e renda; ao ofertar atendimento ao agressor; ao prestar atendimento especializado e humanizado à mulher; ao garantir prioridade à mulher no programa Minha Casa Minha Vida e no Bolsa Família e promover palestras de sensibilização sobre a Lei Maria da Penha aos homens e às mulheres.
IHU On-Line – Quais são as ações realizadas pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da prefeitura de São Leopoldo e de que maneira elas ajudam a construir uma sociedade mais humana e igualitária?
Euli Marlene Necca Steffen – Em parte essa reposta já foi dada na pergunta anterior sobre as políticas públicas no município. A Secretaria tem sob sua gestão quase toda política de enfrentamento à violência contra as mulheres e coordena um dos programas da segurança pública com cidadania do Ministério da Justiça, que é o Projeto Mulheres da Paz, desenvolvido no território de paz, região Oeste da cidade. É responsável pelos cursos de qualificação profissional quando dirigidos especificamente ao público feminino. Desenvolvemos ações de promoção e divulgação dos direitos das mulheres, como o Mês da Mulher, atendendo a convites para palestras e cursos. Além disso, temos a coordenação das ações de prevenção ao câncer de mama. Acredito que nossas ações estejam contribuindo para a construção da igualdade, na medida em que conseguimos diminuir os índices de morte de mulheres pela violência doméstica, capacitamos e encorajamos as mulheres para ocupar uma vaga no mercado de trabalho e na medida em que empoderamos as mulheres para ocupar mais os espaços de poder. Desse modo, isso pode contribuir para a redução da discriminação da mulher na sociedade.
IHU On-Line – A senhora acredita que as mulheres têm conhecimento de seus direitos?
Euli Marlene Necca Steffen – As mulheres, em sua maioria, não conhecem os seus direitos. Penso que, talvez, a lei mais conhecida hoje seja a Lei Maria da Penha. As pesquisas indicam que mais de 90% dos brasileiros conhecem-na. E isso acontece não só porque ela é recente, ou seja, de 2006, mas porque os governos municipais, estaduais e federal, junto dos movimentos de mulheres, realizaram inúmeras campanhas de divulgação e desenvolveram lutas pela sua aplicação. Em São Leopoldo-RS, já realizamos centenas de encontros, oficinas, seminários e distribuição da lei nesses últimos 6 anos.
IHU On-Line – A mulher da contemporaneidade já tem total autonomia sobre si mesma? O que falta?
Euli Marlene Necca Steffen – Sim, em parte. Ainda assistimos casos de mulheres completamente dependentes financeiramente de seus pares. Mas, ao mesmo tempo, as últimas pesquisas dão conta de que aumentou, entre 2001 e 2009, de 27% para 35% o número de mulheres chefes de família e, dessas, 29% são monoparentais, quer dizer, moram sozinhas com seus filhos. A taxa de fecundidade hoje é de 1,8 filho por mulher. Mais de 50% das mulheres em idade de trabalhar estão no mercado de trabalho. Temos maior escolaridade, mas ainda ganhamos em torno de 70% da remuneração que os homens ganham. Hoje, as mulheres vítimas de violência doméstica buscam ajuda antes de transcorridos 5 anos de início das agressões. (Em 2006, quando iniciamos o atendimento às mulheres no Centro de Referência Jacobina, elas vinham com uma média de 15 anos de violência). Esses, para mim, são alguns dos dados que revelam que as mulheres, de certo modo, avançaram muito em relação à sua autonomia.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Euli Marlene Necca Steffen – Queria dizer ainda que a educação, sobretudo a formação de futuros profissionais, seja em áreas como direito e medicina, seja na pedagogia, é elemento fundamental para a desconstrução dos estereótipos, fatores históricos e culturais que colocaram a mulher nessa posição de inferioridade, gerando a profunda desigualdade entre homens e mulheres na nossa sociedade e produzindo novos referenciais de justiça e dignidade para mulheres e homens. Toda violação de direitos é uma forma de violência e uma sociedade justa requer o engajamento de todos: família, Estado e sociedade em geral.
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''As necessidades das mulheres devem ser atendidas na sua integralidade para que a igualdade aconteça''. Entrevista especial com Euli Marlene Necca Steffen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU