15 Dezembro 2011
O compromisso político firmado entre os países que participaram da 17ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (ou COP-17), em Durban, demonstra que "ainda existe uma esperança em relação a esse espaço multilateral de discussão", avalia Maureen Santos.
A assessora do Núcleo Justiça Ambiental e Direitos da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo – FASE participou da COP-17 e retornou ao Brasil no início da semana, quando concedeu a entrevista a seguir à IHU On-Line por telefone. Em sua avaliação, "do ponto de vista concreto em relação ao problema das mudanças climáticas, os compromissos assumidos ficaram muito aquém das reais necessidades".
Entre as novidades, Maureen destaca a postura da presidente da COP-17, Maite Nkoana-Mashabane, que incluiu nos relatórios as demandas dos países pobres e mais impactados pelas mudanças climáticas. "Do ponto de vista da organização africana, a conferência foi muito positiva e bastante diferente do que estávamos acostumados a ver nos demais encontros. (...) A presidente da COP-17 escreveu um texto paralelo, incluindo essas propostas para que elas sejam discutidas no ano que vem, ou para que, de alguma forma, os países se envolvam com essas temáticas", relata.
A próxima conferência do clima acontecerá no próximo ano, em Catar, mas, na avaliação de Maureen, a escolha pelo país árabe é preocupante, "não só pela questão do petróleo que existe no país, que vai contra toda essa questão climática, mas porque lá há sérios problemas em relação à democracia, à organização social, sindicatos. Isso demonstra uma dificuldade de transparência nas negociações", conclui.
Maureen Santos é formada em Relações Internacionais, pela Faculdade Estácio de Sá, e mestre em Ciência Política, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as principais decisões e resultados da COP-17?
Maureen Santos – Os países conseguiram elaborar um documento, uma plataforma de compromisso político denominada Plataforma de Durban, mas isso não quer dizer que tomaram medidas vinculantes ou legais. De todo modo, o compromisso político demonstra, de alguma forma, que os países têm interesse em continuar neste espaço multilateral de negociação e isso fortalece a conferência. Se eles não tivessem elaborado nenhum documento final, demonstrariam claramente que não veem a conferência do clima como útil para a governança internacional das mudanças climáticas.
Se podemos dizer que há algum aspecto positivo resultante da COP-17, diria que é essa demonstração de que ainda existe uma esperança em relação a esse espaço multilateral de discussão. No entanto, do ponto de vista concreto em relação ao problema das mudanças climáticas, os compromissos assumidos ficaram muito aquém das reais necessidades. Por um lado, saiu um adendo para poder continuar o segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto, mas esse adendo não é assinado por todos os países do Anexo 1. O objetivo deste compromisso foi poder segurar o Protocolo de Kyoto, ou seja, manter um instrumento vinculante por mais tempo, enquanto os países não conseguem estabelecer outro acordo.
Os países também discutiram a implementação do Fundo Verde, mas ainda não decidiram como será feita a gestão desse fundo e, portanto, não chegaram a um acordo sobre este tema, apesar de haver um compromisso político de implementação desse fundo.
Também saiu a abertura da discussão sobre o novo regime global de clima, que seria um novo acordo ou um novo protocolo, com negociações para começar no próximo ano, 2012, e terminar em 2015, para que esse novo regime possa começar a ser estabelecido a partir de 2020. Isso em termos de eficácia para a questão do clima é muito complicado. Se formos pegar os dados do Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC, por exemplo, 2020 é um prazo muito extremo para se tomar qualquer medida concreta de enfrentamento à crise climática. Isso demonstra que os países não estão tão preocupados, ou estão mais preocupados com as questões domésticas do que propriamente em pensar num mecanismo multilateral de enfretamento do problema climático. O que vimos na conferência é que os países mais pobres, mais impactados, são os que realmente estão preocupados com as causas das mudanças climáticas e defendiam a implantação de um compromisso coletivo.
Dentro dessa plataforma de Durban saiu também um documento sobre o Long-term Cooperation Agreement – LCA, que é o acordo de cooperação de longo prazo, que terminava inicialmente este ano e foi estendida até a COP-18 no ano que vem. As negociações até agora eram feitas em dois trilhos: o Protocolo de Kyoto, no intuito de renovar o segundo período, e o outro sobre o LCA, que é, como dito, o acordo cooperação de longo prazo, e a implementação da convenção como um todo. Esse LCA continua funcionando no próximo ano e acaba no final do ano que vem.
Um aspecto positivo foi o fato de não ter saído nenhum mecanismo de financiamento ligado ao mercado ou mercado de carbono para REDD+, nem ter saído um programa de trabalho para agricultura, que esteve presente nas negociações, porém não sendo aprovada sua proposta.
Ficou decido que a próxima COP será realizada em Catar, de 26 de novembro a 8 de dezembro de 2012. Vimos essa decisão com muita preocupação, não só pela questão dos combustíveis fósseis e que vai contra toda essa questão climática, mas porque lá há sérios problemas em relação à democracia que cria sérios problemas para a organização social, para sindicatos. Isso pode significar problemas na participação e transparência nas negociações.
IHU On-Line – Como os africanos se posicionaram durante a conferência, considerando que a África é um dos continentes mais atingidos pelas mudanças climáticas? E como você avalia a postura da presidente da COP-17, Maite Nkoana-Mashabane, durante o encontro?
Maureen Santos – Várias organizações africanas participaram do processo da conferência. Entre a primeira e a segunda semana de negociação, aconteceu um fórum chamado Espaço dos Povos C-17. Foi também organizado o Toxic Tour pelos movimentos de justiça ambiental local para que nós visitássemos regiões que estão sendo impactadas pelas refinarias de petróleo e de metais pesados. Nós visitamos estas regiões e uma escola, conversamos com professores, ficamos sabendo dos impacto e percebemos a diferença da qualidade do ar de uma região para a outra.
Aconteceram também algumas manifestações na conferência e outras manifestações do lado de fora, como a marcha do dia 3, que reuniu 10 mil pessoas. Na sexta-feira passada, ocorreu uma manifestação impactante do lado de dentro na hora em que os ministros estavam negociando o acordo. O clima estava tenso e esta manifestação deu apoio para que os países em desenvolvimento não aceitassem as pressões dos países desenvolvidos, que não queriam aceitar nenhuma negociação.
Organização africana
Do ponto de vista da organização africana, a conferência foi muito positiva e bastante diferente do que estávamos acostumados a ver nos demais encontros. A presidente da COP-17 teve uma atitude muito mais transparente, envolvendo e escutando os países africanos e incluindo a demanda deles e dos países pobres nos relatórios. Inclusive, no sábado pela manhã, quando foram apresentados os dois novos documentos, um deles, que dizia respeito a acordos futuros, incluiu diversas demandas, como a questão de propriedade intelectual que a Índia trouxe para o debate, os direitos da mãe-terra, que a Bolívia apresentou, a questão dos refugiados, e uma série de questões que já vinham sendo discutidas por alguns países, mas que não eram incluídas nos textos da conferência. A presidente da COP-17 escreveu um texto paralelo, incluindo essas propostas para que elas sejam discutidas no ano que vem, ou para que, de alguma forma, os países se envolvam com essas temáticas.
Alguns países da União Europeia, como a França, tentaram criticar o evento e disseram que a metodologia utilizada pela presidente da COP-17 era muito ruim e que isso estava impedindo os países de chegarem a um acordo. Eles estavam querendo encontrar uma desculpa para mostrar que o fato de não se chegar a um acordo era culpa da presidente da COP-17.
IHU On-Line – Como você avalia a prorrogação do Protocolo de Kyoto e a expectativa de os países assumirem metas apenas em 2020? Os países não levaram em conta os últimos relatórios do IPCC?
Maureen Santos – De fato, os países não levaram em conta o relatório. Mas a justificativa é de que um acordo para 2015 é mais interessante porque os países terão mais tempo de analisar o novo relatório do IPCC sobre eventos extremos. Mas, na verdade, isso parece muito mais uma desculpa para adiar um acordo, porque eles não levaram em consideração o relatório de 2007.
Por outro lado, um acordo para todas as partes com metas vinculantes e sem diferenciação neste momento seria injusto porque os países historicamente emissores de gases ainda não cumpriram sua parte. Pensar em um acordo vinculante para a China, Brasil e demais países em desenvolvimento em 2020 é importante. Mas, neste momento, era necessário que os países do Anexo 1 assumissem suas dívidas históricas.
As conferências têm mostrado que, ao longo dos 20 anos, os países estão protelando acordos efetivos, então, não há como saber se em 2020 será assinado, de fato, algum acordo. O Brasil está disposto a assinar esse acordo, até porque o país está em uma situação confortável porque já aprovou metas voluntárias em lei e, provavelmente, aprovará outras metas em uma negociação formal.
IHU On-Line – Como a política ambiental brasileira repercutiu em Durban? A aprovação do novo texto do Código Florestal teve repercussão?
Maureen Santos – O Itamaraty sempre tem um papel importante nesses encontros e foi visível o apoio que eles deram para a presidente africana da COP-17. A aprovação do novo texto do Código Florestal foi uma vergonha e, no dia anterior à aprovação do novo texto, o Brasil havia apresentado um relatório na COP-17, mostrando que o desmatamento havia sido reduzido em 11%. No dia seguinte, a aprovação do texto caiu como uma "bomba" na conferência e o país foi muito cobrado. Os demais países quiseram saber como o Brasil iria cumprir as metas, e se o novo Código irá favorecer o desmatamento e anistia de desmatadores.
Marina Silva participou de uma conferência de imprensa e disse que achava que o Brasil não conseguiria cumprir as metas. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, respondeu a várias perguntas e disse que, como o Brasil já cumpriu grande parte das metas, não teria tanto impacto até 2020. De todo modo, isso está na contramão do que o Brasil está demonstrando no exterior: a criação de leis internas, criando medidas de enfrentamento nacional, mas, por outro lado, o Congresso aprova uma lei que é uma aberração total em qualquer política ambiental que possa ser algo progressista no enfrentamento dos problemas ambientais do país.
IHU On-Line – Qual a mensagem política e ambiental da COP-17?
Maureen Santos – A conferência mostrou que estamos diante de uma cilada: são vinte anos de negociações e esse é um período longo para os países não fazerem praticamente nada. A conferência demonstra a dificuldade que os países têm de transcenderem seus interesses nacionais e pensar de que forma eles podem enfrentar o problema das mudanças climáticas, o qual envolve todas as nações. Ao mesmo tempo, o encontro demonstra que, ainda é possível, através da diplomacia não jogar todas as negociações no lixo. A cúpula teria sido ainda pior se os países não tivessem conseguido elaborar um texto comum. A conferência mostra que ainda há chances de dar continuidade às negociações de espaços multilaterais, mas ao mesmo tempo demonstra que essa não é a saída, porque os países não conseguiram criar nenhum mecanismo que possa enfrentar concretamente o problema das mudanças climáticas.
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COP-17: um compromisso político. Entrevista com Maureen Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU